O Cádmio em Humanos: Absorção, Metabolismo, Toxicidade e Implicações Clínicas


O Cádmio em Humanos: Absorção, Metabolismo, Toxicidade e Implicações Clínicas


Introdução

O cádmio (Cd2+) é um metal pesado de ocorrência natural e antrópica, com grande relevância na saúde humana devido à sua persistência biológica e toxicidade sistêmica. A compreensão de sua absorção, metabolismo e interações com outros nutrientes é crucial para a prevenção e manejo de suas consequências adversas.


Distribuição e Acúmulo de Cádmio no Organismo

Aproximadamente um terço do cádmio acumulado no organismo humano está localizado no fígado e nos rins (1). Em baixas concentrações, o cádmio se liga primariamente à metalotioneína. No entanto, com o aumento das concentrações, o metal interage com outras proteínas, o que leva ao surgimento dos primeiros sinais de intoxicação (1).


Absorção e Transporte

A absorção do cádmio ingerido ocorre predominantemente no duodeno. Os íons Cd2+ são transportados para o fígado, onde formam um complexo com a metalotioneína, uma proteína de baixa massa molecular. Esse complexo cádmio-metalotioneína é então veiculado pelo sangue até os rins (1).

A síntese de metalotioneína é induzida por metais essenciais como cobre e zinco tanto no fígado quanto nos rins. O cádmio também pode induzir sua síntese, e tem a capacidade de substituir esses metais essenciais ou compartilhar os sítios ativos da proteína com eles (1).

A metalotioneína exerce uma função dual na toxicidade do cádmio. Por um lado, atua como um agente destoxificante contra os efeitos agudos do cádmio e serve como um reservatório proteico para o metal. Por outro lado, pode estar envolvida na remediação dos efeitos crônicos e críticos do cádmio no fígado (1).


Metabolismo do Cádmio: Características Principais

As características cruciais do metabolismo do cádmio incluem:

  • Baixa retenção (3-5%) com uma meia-vida biológica prolongada (10-30 anos) (1).
  • Ausência de um mecanismo de controle homeostático (1).
  • Retenção eficiente no fígado e nos rins (1).
  • A deficiência de cálcio (Ca), ferro (Fe) e zinco (Zn) eleva sua absorção (1).
  • O cádmio diminui a absorção de cálcio e aumenta sua excreção (1).
  • A absorção oral é baixa (3-5%) (1).
  • O cádmio inalado apresenta maior absorção do que o ingerido (1).
  • A suplementação de zinco, manganês e cobre resulta na diminuição das concentrações de cádmio no fígado e nos rins (1).
  • Pode induzir desmineralização óssea, seja por dano ósseo direto ou indiretamente, via disfunção renal (1).
  • O metabolismo do cádmio é significativamente modulado pela ingestão dietética de outros elementos químicos com os quais pode interagir, especialmente zinco, cobre, ferro e selênio (1).

Interação do Cádmio com Outros Metais

Zinco (+)

As interações cádmio-zinco são de fundamental importância na toxicidade do cádmio (1). O cádmio provoca a redistribuição do zinco no organismo, resultando em maior armazenamento de zinco no fígado e nos rins e menor quantidade em outros órgãos. Isso pode comprometer funções essenciais mediadas pelo zinco (1).

Ferro (+)

A deficiência de ferro pode potencializar a absorção de cádmio (1).

Cálcio (+)

Estudos em animais demonstraram que dietas deficientes em cálcio aumentaram a absorção de cádmio, enquanto a ingestão elevada de cálcio reduziu essa absorção (1).

Selênio (+)

Pesquisas em animais indicam que alguns efeitos tóxicos do cádmio podem ser parcial ou totalmente prevenidos pela administração concomitante de compostos de selênio. A presença de selênio reduz a toxicidade aguda do cádmio, aumenta sua concentração no sangue e modifica a ligação do cádmio a proteínas. No entanto, faltam dados conclusivos sobre a interação cádmio-selênio em seres humanos. Um estudo de longo prazo não identificou influência do selênio dietético sobre o cádmio em humanos (1).


Avaliação da Exposição ao Cádmio

A concentração de cádmio fecal, devido à sua baixa absorção, é um indicador útil em estudos para determinar a ingestão diária de cádmio proveniente da cadeia alimentar em áreas poluídas (1).


Fontes de Exposição ao Cádmio

O cádmio é um elemento amplamente distribuído na natureza (1). É obtido como subproduto da extração de minérios de zinco, chumbo ou cobre (1).

As principais fontes antrópicas de cádmio no meio ambiente incluem:

  • Mineração e refino de metais não ferrosos.
  • Fabricação e aplicação de fertilizantes fosfatados.
  • Combustão de combustíveis fósseis.
  • Incineração e descarte de resíduos (1).

Industrialmente, o cádmio é empregado no revestimento de metais para aumentar a resistência à corrosão (1). Aproximadamente 83% de todo o cádmio é utilizado em baterias. Outros usos incluem estabilizadores em plásticos (1,2%), pigmentos em tintas (8%), revestimentos (7%), ligas não ferrosas e dispositivos fotovoltaicos (0,8%) (1). Embora o uso de cádmio como pigmento possa ser substituído, sua substituição em baterias, componentes eletrônicos e reatores nucleares é mais desafiadora (1).

Para a população não fumante, os alimentos representam a principal fonte de exposição ao cádmio. O cádmio no solo, mesmo em pequenas quantidades, é rapidamente absorvido pelas plantas, diferentemente de outros elementos tóxicos como o chumbo (1). O cádmio também pode ser encontrado como contaminante em fertilizantes (1).

Vegetais folhosos e cereais são geralmente as fontes dietéticas mais significativas de cádmio (1). A concentração de cádmio na maioria dos vegetais, incluindo raízes e tubérculos, geralmente se mantém abaixo de 0,05 mg/kg, enquanto concentrações ligeiramente maiores podem ser encontradas em vegetais folhosos como alface e espinafre (1). Peixes contêm pequenas quantidades de cádmio, mas crustáceos e moluscos, devido à sua função de filtros, podem acumular grandes quantidades do metal em seus ambientes (1).

Uma possível via de contaminação por cádmio pode ocorrer quando recipientes plásticos estabilizados ou coloridos com componentes de cádmio, utilizados para armazenar alimentos, são expostos à luz por longos períodos (1).

Alguns cogumelos selvagens podem apresentar altas concentrações de cádmio, mesmo em solos não contaminados. No entanto, nesses casos, o cádmio pode estar ligado quimicamente de forma que sua biodisponibilidade e, consequentemente, sua toxicidade sejam limitadas (1).

Sete grupos de alimentos básicos contribuem significativamente para a ingestão total de cádmio: arroz, trigo, vegetais de raiz, tubérculos, vegetais folhosos, outros vegetais e moluscos (1). Esses alimentos são responsáveis por 40-85% da ingestão total de cádmio (1).

O tabaco é uma importante fonte de exposição ao cádmio, uma vez que as folhas de tabaco acumulam naturalmente grandes quantidades do metal (1).


Toxicidade do Cádmio: Efeitos Sistêmicos

O cádmio é tóxico para todo o organismo humano. Alterações histológicas foram observadas nos rins, fígado, trato gastrointestinal, coração, ossos e vasos sanguíneos (1). A ingestão de alimentos ou bebidas altamente contaminados pode resultar em efeitos gastrointestinais agudos, como diarreia e vômitos (1).

Disfunção Renal

A consequência mais proeminente da exposição crônica ao cádmio de origem alimentar é a disfunção renal, que se manifesta como nefropatia irreversível e pode progredir para insuficiência renal. Caracteriza-se pela perda anormal de proteínas na urina (1). O cádmio causa disfunção dos túbulos renais, levando a um aumento na excreção de proteínas de baixa massa molecular, especialmente a beta-2-microglobulina (β2​-microglobulina) (2). A disfunção renal, uma vez estabelecida, é irreversível, mesmo com a cessação da exposição ao cádmio (1).

Problemas Respiratórios

A inalação de cádmio é geralmente insignificante, exceto em fumantes. A exposição crônica pode causar bronquite crônica, maior suscetibilidade a infecções, bronquiectasia e enfisema (1).

Saúde Óssea

A exposição crônica ao cádmio também pode levar a distúrbios no metabolismo do cálcio, resultando em osteoporose e osteomalacia (1).

Câncer (+)

A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) classificou o cádmio e seus sais no Grupo 1 de substâncias carcinogênicas para humanos. Essa classificação baseia-se em evidências de estudos em humanos, particularmente aqueles que associaram câncer de pulmão à inalação de cádmio no ambiente de trabalho (1). Estudos experimentais demonstraram uma clara relação dose-resposta entre o câncer de pulmão e a exposição ao cádmio via inalação (1).


Referências Bibliográficas

  1. COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  2. VIEIRA, N. F. M. Exposição ambiental ao cádmio: revisão da literatura. 2018. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018.

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