Camellia sinensis: Um Panorama Abrangente de Seus Compostos Bioativos e Aplicações Clínicas
Introdução
A Camellia sinensis, popularmente conhecida como chá-verde, é uma planta cujas folhas são amplamente utilizadas para a produção de diferentes tipos de chás. Suas propriedades terapêuticas são atribuídas principalmente à presença de compostos bioativos, com destaque para as catequinas, que conferem a esta planta um papel promissor na prevenção e manejo de diversas condições de saúde.
Nomenclatura e Morfologia
A Camellia sinensis, também conhecida pelos nomes científicos Thea sinensis, é popularmente chamada de chá-verde ou, simplesmente, chá. A parte utilizada para a produção dos chás são as folhas da planta.
Compostos Bioativos
As folhas da Camellia sinensis são ricas em compostos bioativos, sendo as catequinas os principais constituintes (1, 2). Dentre as catequinas, a epigalocatequina-3-galato (EGCG) destaca-se como a mais abundante e com maior atividade biológica (2, 5). Outras catequinas relevantes incluem a epicatequina (EC), a epicatequina galato (ECG) e a epigalocatequina (EGC) (5). Além das catequinas, o chá-verde contém flavonoides, flavonas (2) e cafeína (4, 5).
Biodisponibilidade e Metabolismo
A absorção intestinal das catequinas em humanos é intrinsecamente baixa, atingindo aproximadamente 1,68% devido à estrutura física dessas moléculas (2). No entanto, essa absorção pode ser otimizada quando o extrato é consumido em jejum (estômago vazio). A concentração sérica máxima das catequinas é geralmente atingida cerca de duas horas após a ingestão (2).
Tipos de Chá da Camellia sinensis
A forma de processamento das folhas da Camellia sinensis define os diferentes tipos de chás, influenciando sua composição e propriedades.
Chá-verde
O chá-verde é classificado como um chá não fermentado. Suas folhas são submetidas a calor (vapor d’água) para inativar enzimas, impedindo qualquer processo de fermentação, e subsequentemente são secas (1). A produção de chá-verde representa aproximadamente 20% da produção global, com China, Coreia e Japão sendo os principais consumidores (1). O chá-verde é um produto natural não fermentado, e suas folhas contêm compostos fenólicos, com as catequinas correspondendo a cerca de 30% do peso seco da planta (5).
Chá-preto
O chá-preto passa por um beneficiamento que envolve quatro fases: murchar (à sombra), enrolar, fermentar e secar (em forno). As folhas são partidas em pequenas partículas durante o processo (15). O consumo de chá-preto tem sido associado a um menor risco de prejuízos cognitivos e à prevenção da demência (1). A quantidade de cafeína no chá-preto varia entre 41,5 e 67,4 mg/g de erva (8). Em termos de hidratação, o chá-preto demonstrou propriedades similares à água quando consumido em até seis xícaras por dia, fornecendo entre 168 e 252 mg de cafeína (8).
Chá Oolong
Considerado um chá semi-fermentado, o chá Oolong tem suas folhas murchas ao sol, sacudidas em peneiras grandes e então espalhadas ao ar para secar e fermentar. As folhas são comercializadas inteiras (15).
Chá Branco
Para o chá branco, são utilizados os brotos das folhas, colhidos antes de se abrirem. Após a colheita, são postos para murchar ao ar e depois secos, adquirindo um aspecto prateado. É o tipo de chá que apresenta a maior concentração de compostos fenólicos (15).
Chá Vermelho
O chá vermelho é produzido a partir da fermentação completa e prolongada das folhas, um processo que pode durar aproximadamente três anos e envolve a presença da bactéria Aspergillus niger (15).
Principais Indicações Clínicas e Propriedades Farmacológicas
A Camellia sinensis e seus extratos possuem diversas indicações clínicas e propriedades farmacológicas atribuídas aos seus compostos bioativos.
Emagrecimento e Obesidade
A ingestão de extrato de chá-verde pode influenciar a oxidação de gordura e o gasto energético. Um estudo demonstrou que a ingestão aguda de 3 cápsulas de extrato de chá-verde, contendo aproximadamente 890 mg de polifenóis e 366 mg de EGCG, elevou a oxidação de gordura durante exercícios de intensidade moderada (5).
As catequinas, particularmente a EGCG, podem inibir a catecol-O-metil-transferase (COMT), uma enzima responsável pela degradação da noradrenalina. Níveis elevados de noradrenalina estão associados ao aumento do gasto energético de repouso (5). O consumo de duas porções adicionais de catequinas levou a melhorias na composição corporal e à redução da gordura abdominal em indivíduos com sobrepeso moderado (1).
A combinação de catequinas e cafeína não só aumenta o gasto energético, mas também a oxidação de gordura (1). Em modelos animais, as catequinas podem se ligar a lipídios da dieta, reduzindo sua absorção (1). Adicionalmente, podem estar associadas à redução da atividade de enzimas envolvidas na síntese e degradação de ácidos graxos no fígado (1). A suplementação de EGCG aumenta a oxidação de gorduras pela regulação positiva da AMPK-α no fígado e no músculo (2). Além disso, inibe a fosforilação do inibidor da via do NF- κB, o que reduz a inibição dos PPARs, resultando no aumento da expressão de enzimas do metabolismo lipídico, como a acil-CoA oxidase e acil-CoA desidrogenase de cadeia média, com consequente aumento da beta-oxidação (2).
Um estudo com 300 mg de EGCG/dia não demonstrou aumento no gasto energético, mas observou maior oxidação de gordura (menor quociente respiratório), sugerindo o potencial da EGCG na luta contra a obesidade (11). A coingestão de 1600 mg de EGCG e 600 mg de cafeína foi avaliada em exposição ao frio, resultando em redução da intensidade de tremores e aumento do gasto energético, indicando que as vias termogênicas não associadas a tremores podem ser estimuladas em adultos (12). Outro estudo com 600 mg de catequinas e 70 mg de cafeína (vs. placebo e cafeína) mostrou um aumento leve e agudo no gasto energético e, cronicamente, um potencial aumento no recrutamento do tecido adiposo marrom em adultos saudáveis expostos ao frio (13).
Para obter o efeito esperado de auxílio no emagrecimento, é necessário um alto consumo de EGCG, que promove um pequeno aumento na termogênese ao inibir a COMT e, assim, aumentar a secreção de catecolaminas que estimulam a lipólise e a oxidação de gordura (1).
Dislipidemia
Estudos indicam que as catequinas podem beneficiar indivíduos com alterações no metabolismo da glicose, com efeitos positivos nos níveis de LDL (1). Os mecanismos propostos incluem a redução da absorção intestinal de colesterol, a diminuição da síntese e a modulação do LDL-c pelos receptores hepáticos (1). Também se sugere a inibição da diferenciação de adipócitos, a supressão da expressão de moléculas lipogênicas e a indução da oxidação de ácidos graxos, com consequente diminuição da concentração de malonil-CoA (1).
Doença Arterial Coronariana (DAC)
O aumento do consumo de chá-verde em 1 xícara/dia foi associado a uma diminuição de 10% no risco de desenvolver DAC (1).
Síndrome Metabólica
Estudos epidemiológicos demonstram o papel benéfico do consumo de chá-verde nos fatores de risco associados à síndrome metabólica (1).
Memória e Função Cognitiva
O chá-verde atua inibindo a acetilcolinesterase, uma enzima que degrada a acetilcolina na fenda sináptica, o que pode trazer benefícios relacionados à memória (2). Estudos em humanos têm demonstrado que o chá-verde pode auxiliar na melhora cognitiva (6), aumentando a clareza mental e o desempenho em tarefas que exigem concentração e vigor (5).
A EGCG demonstrou atividade ansiolítica dose-dependente (14). Adicionalmente, a L-teanina, presente no chá-verde, apresenta efeito protetor contra desordens psiquiátricas como ansiedade, pânico e depressão (14).
Câncer
Estudos em animais indicam que o chá e seus constituintes podem inibir a tumorigênese em diversos órgãos, incluindo pulmão, cavidade oral, esôfago, estômago, intestino delgado, cólon, pele, fígado, pâncreas, bexiga, próstata e glândulas mamárias (1). O papel antioxidante das catequinas na prevenção do câncer é fundamental, dada a participação das espécies reativas de oxigênio na carcinogênese (1).
Hiperplasia Prostática Benigna
Algumas catequinas específicas do chá-verde demonstraram a capacidade de inibir a 5-α-redutase. Especificamente, a EGCG inibiu o crescimento da próstata em ratos (9).
Diabetes
Uma meta-análise revelou que o consumo de chá (Camellia sinensis) na forma de chá, em quantidades de 3 ou mais xícaras por dia, foi associado a um menor risco de diabetes (1, 10). As catequinas do chá foram associadas à diminuição da produção de glicose e, consequentemente, à melhora da regulação glicêmica e das concentrações de insulina no sangue (3).
Um estudo demonstrou que a ingestão aguda de 3 cápsulas de extrato de chá-verde contendo aproximadamente 890 mg de polifenóis e 366 mg de EGCG pode aumentar a sensibilidade à insulina em 13%, melhorando a tolerância à glicose em homens jovens e saudáveis (5). Os principais mecanismos associados à melhora da glicemia incluem seus efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios, a inibição da absorção de glicose (SGLT-1), o aumento da captação de glicose (+ GLUT4) e a melhora do metabolismo lipídico e do tecido adiposo (5). Os constituintes fenólicos do chá podem estimular as células β-pancreáticas a secretar insulina, além de induzir o aumento da captação de glicose no músculo esquelético por meio da translocação do GLUT-4 (5). O chá-verde também pode estimular hormônios sacietógenos, como o GLP-1, que, além de contribuir para a perda de peso, retarda o esvaziamento gástrico e aumenta a saciedade, auxiliando no controle da glicemia (5).
Efeito Diurético
O chá-verde também possui efeito diurético, que está correlacionado à sua capacidade anti-inflamatória e à melhora do perfil dos mineralocorticoides, como a aldosterona.
Desempenho Esportivo
São necessárias mais pesquisas para comprovar a eficácia do chá-verde no meio esportivo e para avaliar seu efeito com diferentes dosagens, tempo de ingestão e grau de adiposidade em praticantes de atividade física e atletas (5).
Efeito Antidiarreico
A infusão de chá-preto demonstrou ter um efeito na motilidade gastrointestinal, conferindo-lhe propriedades antidiarreicas (15).
Depressão
Recentemente, a Camellia sinensis tem sido associada ao suporte no tratamento da depressão, pela provável ação benéfica do ácido antranílico sobre o humor (15).
Posologia e Produtos Disponíveis
Posologia
- Extrato seco padronizado (50% de polifenóis): 200-600 mg/dia (15). Os efeitos da EGCG só foram evidentes em doses superiores a 400 mg em humanos (2).
- Infusão: 2g (1 colher de chá) para 150 mL de água, duas vezes ao dia (15). Uma xícara de extrato de chá-verde contém aproximadamente 50 mg de EGCG (2).
- Planta seca: 5-10 g/dia (15).
- A dose para toxicidade aguda do extrato de chá-verde é estimada em 8 g/dia (2).
Produtos Disponíveis no Mercado
- Extrato seco padronizado.
- Extrato seco padronizado em 50% de polifenóis.
Contraindicações e Efeitos Adversos
O consumo de Camellia sinensis pode apresentar os seguintes efeitos adversos e contraindicações:
Efeitos Adversos
- Pequena elevação da pressão arterial.
- Possível hepatotoxicidade em doses de 140 a 1000 mg de EGCG/dia.
- Sintomas gástricos.
- Estimulação do sistema nervoso central devido à cafeína.
Interações Medicamentosas
- Estatinas: O chá-verde pode interagir agudamente com estatinas, mas não cronicamente.
- Betabloqueadores: Pode reduzir o efeito do medicamento.
- Varfarina: Pode reduzir a ação da varfarina.
- Tacrolimus (imunossupressor): Pode aumentar a expressão do tacrolimus.
Referências Bibliográficas
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