Nutrição e Hidratação no Ciclismo de Competição e Treinamento
Introdução
O ciclismo é uma modalidade esportiva de alta complexidade e exige um estudo aprofundado, particularmente em relação à nutrição. As provas de ciclismo de estrada e mountain bike, devido à sua duração e exigência de desempenho, são as mais analisadas em termos nutricionais, com resultados que podem ser parcialmente aplicados a outras disciplinas do ciclismo. Para provas de pista, que demandam força, velocidade e são de curta duração, informações de outras modalidades com demandas e tempo similares, como o atletismo, podem ser extrapoladas.
Características Fisiológicas e Energéticas da Modalidade
O ciclismo é uma modalidade que exige um longo período de desenvolvimento para o atleta atingir o pico de produção, geralmente entre 25 ± 2 anos de idade, após aproximadamente 8 ± 2 anos de treinamento. A rotina de treinamento profissional envolve cerca de 5 horas diárias e uma quilometragem semanal que varia entre 700 e 1000 km. Para ciclistas amadores, a quilometragem semanal situa-se entre 400 e 600 km. Esses volumes de treino ressaltam a necessidade crítica de um programa eficiente de recuperação dos estoques energéticos entre as sessões.
A ingestão calórica em ciclistas é altamente variável, dependendo do tipo e duração da prova. Em provas de 24 horas, o gasto calórico médio pode atingir 10.290 kcal/dia. Na Race Across América (5000 km), são observados gastos médios de 8.420 kcal/dia, enquanto no Tour de France, a média é de 5.860 kcal/dia. Atletas amadores, por sua vez, consomem em média 4.340 kcal/dia. É relevante notar que, em competições como o Tour de France, os ciclistas podem ingerir cerca de 50% do total calórico diário durante a prova, o que corresponde a aproximadamente 60% do total de carboidratos a serem consumidos no dia.
Diferentemente de atividades que dependem predominantemente de um único mecanismo energético, como o salto em altura (anaeróbio alático), os 400 m rasos (anaeróbio lático) e a maratona (aeróbio), o ciclismo de estrada e o mountain bike demandam a combinação dos três sistemas de obtenção de energia. A participação de cada sistema flutua em função do percurso, das condições climáticas e do tipo de prova (perseguição, contrarrelógio ou largada em massa).
Orientações Nutricionais e Hidratação
A nutrição e a hidratação são pilares fundamentais para o desempenho e a recuperação no ciclismo, tanto em treinamento quanto em competição.
Hidratação
- Atividades com duração inferior a 1 hora: A hidratação deve ser realizada exclusivamente com água (1).
- Atividades com duração superior a 1 hora: Recomenda-se a utilização de uma solução a 10% de carboidrato, fornecendo 1-1,2 g/kg de carboidrato por hora, com adição de sódio (1).
- Atividades prolongadas: A ingestão de carboidratos deve ser de 1-1,5 g/minuto de atividade, em soluções com concentrações de 10-20%, a cada 20 minutos desde o início da atividade (1). É crucial evitar concentrações superiores a 20% para otimizar a absorção e reduzir o risco de desconforto gastrointestinal (1).
- Hidratação durante o exercício: Ingerir 2-3 mL/kg a cada 15-20 minutos (1).
- Pré-atividade: Consumir 6-8 mL/kg de solução a 10% de CHO 3 a 5 minutos antes da atividade para sensibilizar o sistema digestório.
Carboidratos
- Ingestão durante o exercício: Doses superiores a 1,5 g/minuto de carboidrato não demonstram proporcionar melhores resultados (1).
- Fontes de carboidratos: Alimentos como banana, rapadura e carboidratos em gel são amplamente utilizados devido à sua praticidade e rápida absorção (1).
- Pós-atividade: Ingerir 100 g de carboidrato nas primeiras 2 horas após o exercício, combinando líquidos e fontes de carboidratos de fácil digestão, como banana, rapadura, doce de banana, goiabada e pão sem gordura.
- Pré-competição (supercompensação): Nos 3 dias que antecedem a competição, assegurar o consumo de uma dose de 10-12 g/kg de peso corporal de CHO (1). É essencial o consumo de grandes quantidades de líquidos para garantir a euhidratação (1).
Nutrição Durante o Treinamento
Em treinos de 3 a 5 horas, o carboidrato torna-se um fator limitante para a manutenção da atividade física. Atletas que não recebem suplementação ou alimentação adequada durante o treino podem apresentar elevada proteólise para a geração de substrato para a neoglicogênese hepática (1g de aminoácidos gera 0,65g de glicose) (1).
A repetição de sessões de treino sem alimentação adequada pode levar a um aumento das concentrações plasmáticas de ureia em até 15 mmol/L (1). O catabolismo proteico sustentado compromete a adaptação dos atletas aos programas de treinamento (1).
Um estudo demonstrou que o consumo de uma solução a 20% de carboidrato conferiu maiores benefícios em comparação com o consumo de água, considerando uma estratégia de dieta sólida semelhante (1). A utilização de ácidos graxos de cadeia média (TCM), como óleo de coco, com o objetivo de aumentar a oxidação de ácidos graxos e poupar os estoques de glicogênio, não tem demonstrado resultados positivos (1).
A ingestão correta de carboidratos ao longo da atividade previne o aumento excessivo do cortisol, induzido pela redução da glicemia, o que, por sua vez, impede a elevada proteólise e permite uma melhor adaptação do atleta à carga de treinamento (1).
Nutrição Após o Exercício
O objetivo principal da nutrição após o exercício é promover a rápida recuperação dos estoques de glicogênio para o próximo treino ou para a próxima etapa da competição (1).
Em relação à quantidade de carboidratos a ser ingerida, a dose ideal é de 25 g/h, por até 3 horas (1). Estudos indicam que quantidades maiores, entre 100 e 225 g/2h, não aceleram o ritmo de ressíntese (1). No entanto, a recuperação total do glicogênio muscular pode levar de 10 a 36 horas, dependendo do total utilizado (1).
A recuperação dos estoques hídricos após a ingestão de líquidos com baixo teor de sódio, como água e sucos de frutas, atinge cerca de 50% de eficiência (1). A ingestão de líquidos à base de carboidratos e eletrólitos, com cerca de 25 a 100 mmol/L de sódio, aumenta a retenção hídrica para 70-80% (1). Dessa forma, para uma reidratação eficiente, os atletas devem consumir um volume de líquidos equivalente a 140-160% do total perdido durante a sessão (1).
É fundamental ressaltar que, após atividades intensas, pode-se observar um quadro de anorexia nos atletas, o que torna essencial o consumo de carboidrato na forma líquida, na dose de 6g/100 mL (solução a 6%) (1). Após esse período inicial, pode-se oferecer carboidrato sólido, na forma de alimentos, na dose de 10 g de carboidrato/kg de peso corporal (1).
Nutrição para a Competição
Uma dieta de supercompensação foi inicialmente descrita em 1967 e posteriormente atualizada. Propõe-se que, nos 6 dias que antecedem a competição, os atletas reduzam progressivamente o volume de treino, mantendo a intensidade em 75% do VO2max, até o descanso total no sexto dia. Nos três primeiros dias desse período, a dieta deve ser mista, com 50% de carboidratos. Nos últimos três dias, a proporção de carboidratos deve ser aumentada para 70%.
Referências Bibliográficas
- HIRSCHBRUCH, M. D. Nutrição esportiva – Uma visão prática. 3. ed. Barueri – SP: Manole, 2014. 496 p.