Cocaína: Farmacologia, Efeitos e Implicações Clínicas
Introdução
A cocaína é um potente estimulante do sistema nervoso central com profundos efeitos psicomotores e periféricos. Sua ação farmacológica, os padrões de dependência e os riscos associados ao seu uso a tornam uma substância de grande relevância clínica e social.
Efeitos Farmacológicos
A cocaína exerce seus efeitos farmacológicos primários ao ligar-se e inibir os transportadores de noradrenalina (NET), dopamina (DAT) e serotonina (SERT) (1). Essa inibição resulta em um potente efeito psicomotor estimulante e um aumento significativo dos efeitos periféricos da atividade nervosa simpática (1).
Em seres humanos, a cocaína induz euforia, tagarelice, aumento da atividade motora e magnificação do prazer (1). Usuários frequentemente relatam sentir-se alertas, energizados, fisicamente fortes e percebem uma melhora em suas capacidades mentais (1). Estudos em ratos sugerem que a euforia induzida pela cocaína ocorre por meio da inibição da recaptação de dopamina e 5-hidroxitriptamina (5-HT) (1).
As ações simpatomiméticas periféricas da cocaína levam a taquicardia, vasoconstrição e aumento da pressão arterial (1). Em doses excessivas, podem ocorrer tremores e convulsões, seguidos por depressão respiratória e vasomotora (1).
Dependência e Tolerância
A cocaína causa uma forte dependência psicológica (1). Embora a cocaína não produza uma síndrome de abstinência óbvia, podem ocorrer episódios de depressão, disforia e fadiga após o efeito estimulante inicial (1). A dependência psicológica é impulsionada pelo intenso desejo dos usuários pelos efeitos eufóricos e estimulantes da substância (1).
O padrão de dependência é similar ao observado com anfetaminas: inicia-se com o uso eventual, progride com o aumento da dose e culmina em uso excessivo (1). A discussão sobre se o aumento do uso visa um efeito intensificado ou é resultado do desenvolvimento de tolerância à droga ainda persiste (1).
Aspectos Farmacocinéticos
A cocaína é prontamente absorvida por diversas vias de administração (1). Quando inalada, pode causar atrofia e necrose da mucosa nasal e do septo (1). O efeito da cocaína dura aproximadamente 30 minutos, sendo rapidamente metabolizada pelo fígado (1).
Uso Clínico
O uso clínico da cocaína é restrito a procedimentos específicos: é utilizada topicamente em cirurgias oftalmológicas e pequenas cirurgias de nariz e garganta, onde exerce um efeito de vasoconstrição local (1).
Status da Cocaína e Monitoramento de Uso
Um metabólito da cocaína pode ser detectado no cabelo, o que permite o monitoramento do padrão de consumo da substância (1). Essa técnica revelou uma incidência de uso significativamente maior do que a autorrelatada. É possível, inclusive, utilizar essa técnica em cabelo de recém-nascidos para avaliar a exposição in utero (1).
Crack
O uso da cocaína experimentou um aumento exponencial com a disseminação de sua forma de base livre, conhecida como crack (1). O crack é produzido ao aquecer uma solução aquosa de cloridrato de cocaína com bicarbonato de sódio, resultando em cocaína de base livre, água, CO₂ e NaCl. A cocaína conjugada, por ser insolúvel em água, precipita e pode ser então transformada em “pedras” de crack (1).
Diferente do cloridrato de cocaína, que derrete e queima a 140°C, o crack vaporiza a 90°C, permitindo que seja fumado. Quando fumado, é rapidamente absorvido pelos alvéolos, proporcionando um efeito no sistema nervoso central tão rápido quanto o observado pela via intravenosa (1).
Efeitos Adversos
Os principais riscos agudos associados ao uso de cocaína são os eventos cardiovasculares graves, incluindo arritmias, dissecção aórtica, infarto ou hemorragia do miocárdio e/ou cérebro (1). O dano miocárdico progressivo pode levar à insuficiência cardíaca, mesmo na ausência de histórico de eventos cardíacos agudos (1).
No contexto pré-natal, a exposição in utero à cocaína pode prejudicar gravemente o desenvolvimento cerebral da criança (1). Um dos principais efeitos colaterais de longo prazo é a dependência, que afeta severamente a qualidade de vida do usuário (1).
Referências Bibliográficas
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.