Neurociência da Cognição: Estratégias Nutricionais e Farmacológicas para a Saúde Cerebral


Neurociência da Cognição: Estratégias Nutricionais e Farmacológicas para a Saúde Cerebral


Introdução

A cognição abrange um conjunto complexo de habilidades mentais, incluindo atenção, percepção, memória, linguagem e função executiva. Essas capacidades são intrínsecas ao nosso dia a dia, sendo influenciadas por múltiplos fatores, desde o envelhecimento natural até condições neurodegenerativas e o estilo de vida.


Fisiologia da Cognição

A cognição engloba diversos aspectos da função mental, como memória, raciocínio, capacidade de resolver problemas, julgamentos situacionais, tomada de decisão e função executiva (15). Diversas condições clínicas, como Alzheimer, esquizofrenia, depressão e toxicodependência, podem afetar negativamente a cognição (15).

Neurogênese e Plasticidade Neuronal

O hipocampo, uma região cerebral crucial para o aprendizado, memória e humor, possui a capacidade de gerar novos neurônios continuamente (14). Esse processo, denominado neurogênese, envolve a formação de novos neurônios a partir de células-tronco no hipocampo (1). A neurogênese contribui amplamente para a plasticidade neuronal, a homeostase do cérebro e a manutenção do sistema nervoso central (SNC), sendo um fator crucial na preservação da função cognitiva e no reparo de células cerebrais danificadas pelo envelhecimento e distúrbios cerebrais (1).

O mecanismo da neurogênese é complexo e envolve diversas etapas que podem ser moduladas por fatores intrínsecos, como envelhecimento, neuroinflamação, estresse oxidativo e lesões cerebrais, e extrínsecos, como estilo de vida (padrões dietéticos, uso de substâncias, prática de exercícios) (1). Nutrientes e compostos bioativos, como antioxidantes, polifenóis, vitaminas do complexo B e ácidos graxos poli-insaturados, têm demonstrado resultados positivos na indução da neurogênese e/ou na inibição da progressão de doenças neurodegenerativas (1).

Estresse Oxidativo e Saúde Cerebral

O cérebro, um órgão com alta taxa metabólica, demanda grande quantidade de energia, o que o torna suscetível ao estresse oxidativo devido à riqueza em material oxidável, especialmente nas membranas lipídicas das células nervosas (1). O acúmulo de radicais livres nos tecidos neuronais tem sido consistentemente associado ao surgimento de doenças neurodegenerativas (1).

Resistência à Insulina e Hiperglicemia

Estudos indicam que a resistência à insulina ou a hiperglicemia podem ser fatores prejudiciais à cognição (13).

Imunosenescência e Inflamação

Novas pesquisas apontam que componentes do sistema imune interagem com o SNC, desempenhando papéis fundamentais em processos fisiológicos e influenciando diretamente a neurogênese e a neuroplasticidade (1). A inflamação induzida pela senescência interfere negativamente nos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma proteína essencial para o desenvolvimento, manutenção e sobrevivência dos neurônios, com alta expressão no hipocampo, neocórtex, amígdala e cerebelo (1). O BDNF também desempenha um papel crucial na plasticidade sináptica e pode melhorar a transmissão cerebral de serotonina (1).

Declínio Cognitivo (DC)

O declínio cognitivo pode ser caracterizado pela perda de atenção, concentração, memória de curto e longo prazo e tomada de decisão (1). A variedade de vegetais consumidos tem sido associada a um menor declínio cognitivo em idosos (2). Estudos revelam que a obesidade, particularmente a gordura visceral, está relacionada a um aumento na taxa de declínio cognitivo e atrofia do lobo medial temporal (região envolvida na memória) (12).

A gordura visceral induz inflamação e promove complicações na obesidade (12). O excesso de gordura visceral é acompanhado pela liberação de padrões moleculares associados a danos, que atraem precursores de monócitos, induzindo sua diferenciação em macrófagos (12). O ambiente inflamatório gerado pela gordura visceral leva à formação do complexo inflamassoma, que amplifica as respostas do sistema imune inato no tecido adiposo (12). Um dos componentes desse complexo é o NLRP3 (Pyrin domain-containing 3), responsável por induzir a síntese e liberação de citocinas pró-inflamatórias como a IL-1β na obesidade (12).

A indução do NLRP3 pelo tecido adiposo visceral inicia a ativação microglial e gera prejuízos à cognição, efeitos mediados pela ativação do IL-1R1 nas células que expressam CX3CR1, as quais detectam e amplificam a IL-1β no cérebro (12). Diversos estudos demonstraram que a exposição à IL-1β, observada em doenças inflamatórias crônicas, resulta em prejuízos na plasticidade sináptica do hipocampo e na cognição (12). Algumas pesquisas indicam que cirurgias bariátricas e outras intervenções agressivas podem gerar melhorias significativas na atenção, humor, memória e função executiva nesses pacientes (12).


Recomendações Nutricionais para a Cognição

Uma dieta equilibrada e rica em nutrientes específicos é crucial para a saúde cognitiva.

  • Ajuste na hidratação: A desidratação e a hipertermia podem comprometer a barreira hematoencefálica, afetando a estabilidade do ambiente cerebral (4). Indivíduos desidratados precisam de maior atividade neuronal para manter o mesmo nível de desempenho (4). Evidências sugerem que a ingestão reduzida de água impacta negativamente funções executivas como planejamento e processamento visuoespacial (4).
  • Variedade alimentar: Essencial para garantir a ingestão de diversos nutrientes.
  • Consumo de fibras: Uma dieta rica em fibras favorece a saúde cognitiva em idosos (13).
  • Redução de álcool, gorduras saturadas e açúcar em excesso: Dietas ricas em açúcares e gorduras saturadas, associadas ao excesso calórico, têm efeitos deletérios na função neural, aumentando o estresse oxidativo e reduzindo a plasticidade sináptica e a função cognitiva (4).

Alimentos Específicos e Seus Componentes

  • Ovos, oleaginosas (especialmente castanha-do-pará), cacau ou chocolates com pelo menos 70% de cacau, vegetais verdes-escuros e peixes (como sardinha) têm demonstrado capacidade de melhorar a cognição, inclusive em pacientes com declínio cognitivo, aprimorando a memória (1).
  • Fontes de flavonoides e polifenóis: O consumo de flavonoides tem sido inversamente associado ao declínio cognitivo e à demência (1). Os flavonoides podem interagir com as membranas neuronais, aumentando as conexões entre os neurônios e elevando os níveis de neurotrofinas, como o BDNF (1). Há evidências promissoras de que a suplementação de flavonoides pode beneficiar a cognição, especialmente em idosos (4).
  • Cacau: Um estudo demonstrou que o consumo de 35g de chocolate 70% cacau melhorou a memória nas 2 horas seguintes ao consumo, beneficiando a cognição e o aprendizado (8). O consumo crônico de cacau gera efeitos positivos na memória e função cognitiva, acompanhados de mudanças no fluxo sanguíneo cerebral e alterações no BDNF (4, 8). Um dos mecanismos propostos é a melhora do fluxo sanguíneo via vasodilatação induzida pela síntese de óxido nítrico, que aumenta a oxigenação e a disponibilidade de glicose cerebral (4, 8).
  • Resveratrol: O resveratrol e seu derivado pterostilbeno são capazes de atravessar a barreira hematoencefálica e exercer atividade neuroprotetora, atuando na prevenção do declínio cognitivo e da demência (1).
  • Teaninas: As teaninas podem estimular a atividade neurotransmissora, melhorar a função cognitiva e a memória, e reduzir o envelhecimento cerebral (1).
  • Ácidos graxos poli-insaturados (PUFAS): Os PUFAS na dieta podem modular a produção de neurotransmissores, neuropeptídeos e enzimas, sendo componentes cruciais dos fosfolipídios da membrana neural (1). Eles podem estar envolvidos na manutenção da função cognitiva ou na prevenção da demência, mantendo a integridade da membrana e a função neuronal, ou por meio de suas propriedades antitrombóticas e anti-inflamatórias (1).
  • Ômega-3: O DHA, um PUFA, fornece fluidez e plasticidade sináptica, e modula a afinidade de receptores, funções essenciais para a memória e capacidade cognitiva (1, 4). Baixos níveis de ômega-3 são consistentemente associados a piores desfechos cognitivos, aumento da depressão, distúrbios de ansiedade, raiva, déficit de atenção e hiperatividade (1).
  • Vitaminas B e Folato: A ingestão reduzida de vitaminas B pode elevar a homocisteína sérica, que é neurotóxica e um fator de risco vascular associado ao desenvolvimento de Alzheimer e declínio cognitivo (1). Níveis adequados de vitaminas B6, B12 e folato são essenciais para o funcionamento cerebral, atuando como cofatores catalisadores e influenciando o desempenho cognitivo e o humor (1).
  • Vitamina D: A insuficiência de vitamina D tem sido associada a declínios significativamente mais rápidos na memória episódica e no desempenho da função executiva (1).
  • Beta-caroteno: Níveis séricos de beta-caroteno estão associados a uma melhor função mental (1).
  • Vitamina E: Níveis séricos reduzidos de vitamina E têm sido associados ao declínio cognitivo e ao mau desempenho da memória em idosos (1).
  • Cúrcuma, chá-verde e melissa: Evidências em humanos sugerem que o chá-verde (10) e a melissa (11) podem auxiliar na melhora cognitiva.

Suplementação Nutricional

A suplementação pode ser uma estratégia complementar para otimizar a função cognitiva:

  • Creatina (3-5 g/dia): Pode melhorar a cognição e sintomas em diversas condições patológicas (3). Em situações de suprimento energético cerebral subótimo, a creatina pode ser benéfica para a função cerebral (4). Indivíduos que precisam tomar decisões importantes em situações estressantes, com privação de sono, podem se beneficiar da suplementação (5). No entanto, a evidência sobre a melhora cognitiva em indivíduos saudáveis é moderada (4).
  • Ômega-3 (1-2 g/dia de EPA+DHA, especialmente DHA): Essencial para a fluidez e plasticidade sináptica, fundamentais para a memória e cognição (1, 4).
  • Cafeína (3-6 mg/kg): Antagonista dos receptores de adenosina no cérebro, a cafeína aumenta a liberação de dopamina e suas concentrações (4). Seu mecanismo deriva da capacidade de se ligar aos receptores de adenosina, inibindo a ação da adenosina, que diminui a neuroexcitabilidade e a liberação de neurotransmissores (4). A cafeína pode aumentar o controle executivo, a memória de trabalho e reduzir o tempo de reação em tarefas de memória (4). Doses excessivas podem gerar taquicardia, palpitações e nervosismo em algumas pessoas, sendo recomendadas doses menores (até 3 mg/kg) nesses casos (4).
  • Triptofano: A suplementação aguda de triptofano pode melhorar o tempo de reação, escores de atenção e memória visual. A suplementação crônica (14 dias) pode aumentar o reconhecimento facial e diminuir a responsividade (6).
  • Taurina: Juntamente com a cafeína e a glucuronolactona, a taurina tem sido associada à melhora da concentração, tempo de reação e estado de alerta (7). Estudos mostraram que uma combinação desses três ingredientes (1g de taurina + 80 mg de cafeína + 600 mg de glucuronolactona) teve efeitos na cognição e no humor (7). A taurina modula o humor e está envolvida no estresse e comportamento, possivelmente por interações com os sistemas neurotransmissores gabaérgico, colinérgico e adrenérgico (7).
  • Tirosina: A suplementação de tirosina pode prevenir a queda do desempenho cognitivo e do humor associados ao estresse em tarefas militares (4, 9). Há evidências de que a tirosina pode melhorar a vigilância, o tempo de reação e o reconhecimento de padrões em voluntários expostos ao frio e alta altitude (4, 9). O mecanismo proposto é o aumento da concentração circulante de adrenalina, noradrenalina e dopamina (4, 9). Contudo, a evidência para a suplementação de tirosina é limitada (4).

Fármacos que Atuam na Cognição (Nootrópicos)

Os fármacos que influenciam a cognição, também conhecidos como nootrópicos, incluem (15):

  • Cafeína
  • Anfetaminas
  • Metilfenidato
  • Modafinila
  • Arecolina

É importante notar que, apesar de muitos terem passado nos testes de segurança padrão, ainda faltam muitas informações sobre seus efeitos agudos e de longo prazo, especialmente quando utilizados em crianças e adolescentes (15). Em indivíduos saudáveis, o desempenho cognitivo pode ser aprimorado pela melhoria do sono e do humor, bem como pela redução da ansiedade (15).

Eficácia

A real eficácia desses medicamentos ainda é inconclusiva e ambígua (15). É fundamental distinguir entre fármacos que apenas melhoram as habilidades de um indivíduo quando este está cansado daqueles que as melhoram mesmo em indivíduos não fatigados (15).


Referências Bibliográficas

  1. PHILIPPI, S. T.; PIMENTEL, C. V. de M. B.; ELIAS, M. F. Alimentos Funcionais e Compostos Bioativos. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 893 p.
  2. CHOU, Y. C. et al. Association of diet quality and vegetable variety with the risk of cognitive decline in Chinese older adults. Nutrients, v. 11, n. 7, p. 1–14, 2019.
  3. GUALANO, B. Suplementação de Creatina. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 157 p.
  4. MEEUSEN, R.; DECROIX, L. Nutritional Supplements and the Brain. Int J Sport Nutr Exerc Metab, v. 28, n. 2, p. 200–211, mar. 2018. Disponível em: https://journals.humankinetics.com/doi/10.1123/ijsnem.2017-0314.
  5. DOLAN, E.; GUALANO, B.; RAWSON, E. S. Beyond muscle: the effects of creatine supplementation on brain creatine, cognitive processing, and traumatic brain injury. Eur J Sport Sci, v. 19, n. 1, p. 1–14, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/17461391.2018.1500644.
  6. JENKINS, T. A. et al. Influence of tryptophan and serotonin on mood and cognition with a possible role of the gut-brain axis. Nutrients, v. 8, n. 1, p. 1–15, 2016.
  7. SEIDL, R. et al. A taurine and caffeine-containing drink stimulates cognitive performance and well-being. Amino Acids, v. 19, n. 3–4, p. 635–642, 2000.
  8. LAMPORT, D. J. et al. Beneficial effects of dark chocolate for episodic memory in healthy young adults: A parallel-groups acute intervention with a white chocolate control. Nutrients, v. 12, n. 2, 2020.
  9. LIEBERMAN, H. R. Nutrition, brain function and cognitive performance. Appetite, v. 40, n. 3, p. 245–254, 2003.
  10. KAKUTANI, S.; WATANABE, H.; MURAYAMA, N. Green tea intake and risks for dementia, Alzheimer’s disease, mild cognitive impairment, and cognitive impairment: A systematic review. Nutrients, v. 11, n. 5, 2019.
  11. AKHONDZADEH, S. et al. Melissa officinalis extract in the treatment of patients with mild to moderate Alzheimer’s disease: A double blind, randomised, placebo controlled trial. J Neurol Neurosurg Psychiatry, v. 74, n. 7, p. 863–866, 2003.
  12. GUO, D. H. et al. Visceral adipose NLRP3 impairs cognition in obesity via IL-1R1 on CX3CR1+ cells. J Clin Invest, v. 130, n. 4, p. 1961–1976, 2020.
  13. MUTH, A.-K.; PARK, S. Q. The impact of dietary macronutrient intake on cognitive function and the brain. Clin Nutr, v. 40, n. 6, p. 3999–4010, 1 jun. 2021. Disponível em: http://www.clinicalnutritionjournal.com/article/S0261561421002351/fulltext.
  14. EKSTRAND, B. et al. Brain foods – The role of diet in brain performance and health. Nutr Rev, v. 79, n. 6, p. 693–708, 2021.
  15. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.

Deixe um comentário0