Colina: Um Micronutriente Essencial com Múltiplas Funções Fisiológicas e Aplicações Clínicas
Introdução
A colina é uma amina considerada um micronutriente essencial para o ser humano, desempenhando papéis cruciais na integridade estrutural das membranas celulares, sinalização intracelular, metabolismo lipídico e neurotransmissão. Este documento detalha a absorção, metabolismo, funções no organismo, recomendações nutricionais e as implicações clínicas de sua deficiência e suplementação.
Absorção e Metabolismo da Colina
Absorção e Biodisponibilidade
A colina livre, proveniente da dieta, é rapidamente absorvida pelos enterócitos via transportadores de cátions orgânicos saturáveis e entra na circulação portal para o fígado (2). As secreções pancreáticas e da mucosa intestinal contêm enzimas capazes de hidrolisar a fosfatidilcolina da dieta. A fosfatidilcolina e a glicerofosfocolina dietéticas, ou secretadas na bile, são hidrolisadas por fosfolipases para liberar a colina. Na forma livre, a colina é transportada no plasma, enquanto os compostos fosforilados estão associados ou são parte das lipoproteínas (2). A fosfatidilcolina também pode seguir via circulação linfática nos quilomícrons (2).
A colina não absorvida é catabolizada pela microbiota intestinal em trimetilamina (TMA), que é subsequentemente absorvida e convertida em N-óxido de trimetilamina (TMAO) no fígado (2).
Metabolismo
Nos tecidos, a maior parte da colina está presente na forma de fosfatidilcolina (2). Uma porção significativa da colina é oxidada para formar betaína no fígado e nos rins (2). Os grupos metil da betaína podem ser sequestrados e reutilizados no metabolismo de unidades de carbono, participando da metilação da homocisteína e, assim, fornecendo metionina para a síntese proteica e reações de transmetilação (2). Devido a esse papel bioquímico, a suplementação oral de betaína tem demonstrado redução nas concentrações plasmáticas de homocisteína. Isso é corroborado por estudos que indicam que, quando o fluxo de homocisteína é elevado, a via folato-dependente para sua metilação torna-se limitada, e a rota colina-betaína assume importância (2).
Funções no Organismo
A colina é um componente alimentar essencial para a integridade estrutural e função sinalizadora das membranas celulares, além de atuar na proteção contra a morte celular hepática e muscular (2). Para o funcionamento normal do organismo, a colina é necessária como precursora na biossíntese de:
- Fosfolipídios, incluindo fosfatidilcolina (constituinte importante para função e estrutura de membranas, sinalização intracelular, exportação hepática de lipoproteínas de baixa densidade).
- Esfingomielina (constituinte de membrana com função estrutural e de sinalização, e fator de ativação de plaquetas, um mensageiro molecular potente).
- É um importante doador de grupos metil e precursor para a biossíntese da acetilcolina (2).
A colina afeta diretamente a neurotransmissão colinérgica e o transporte de lipídios do fígado, sendo a maior fonte de grupos metil da dieta (2). Também está relacionada ao seu papel no desenvolvimento fetal, particularmente no cérebro (2). O desenvolvimento do sistema nervoso central é sensível à disponibilidade desse nutriente, com efeitos evidentes no fechamento do tubo neural e na função cognitiva (2).
Recomendações Nutricionais e Fontes Alimentares
Ingestão Adequada (AI) e Limite Máximo Tolerável (LOAEL)
- AI para homens adultos: 550 mg/dia (2).
- AI para mulheres adultas: 425 mg/dia (2).
- AI para gestantes: 450 mg/dia (2).
- AI para lactantes: 550 mg/dia (2).
- LOAEL (Lowest Observed Adverse Effect Level): 7,5 g/dia (2).
A ingestão total de colina para o homem adulto varia de 600 a 1000 mg/dia (2). Além da ingestão alimentar, a única fonte de colina é obtida a partir da síntese de novo da fosfatidilcolina. No entanto, estudos indicam que a síntese de colina por essa via não é suficiente para suprir as necessidades humanas (2).
Fontes Alimentares
A colina é amplamente distribuída nos alimentos, nas formas livre e esterificada, sendo a maior parte na forma de fosfatidilcolina (também encontrada como fosfocolina, glicerofosfocolina, esfingomielina e referida como lecitina) (2).
Principais fontes incluem: gema do ovo, frango, carne de porco, espinafre, leite e batatas (1). É importante destacar que muitos alimentos ricos em colina também são ricos em gorduras ou colesterol, o que exige atenção (2).
Deficiência de Colina
Há poucos estudos examinando os efeitos da ingestão alimentar inadequada de colina na saúde humana (2). Em humanos, a deficiência tem sido associada ao desenvolvimento de fígado gorduroso (esteatose hepática), morte celular hepática ou dano muscular esquelético (2). Assim, os efeitos da colina no fígado variam desde esteatose até o desenvolvimento de hepatocarcinomas (2).
Geralmente, a deficiência de colina se manifesta em pessoas que necessitam de nutrição parenteral, caracterizada por baixa concentração de colina livre no plasma e lesão hepática (2). A deficiência de colina pode levar ao comprometimento no crescimento da massa corporal magra, bem como no desenvolvimento pulmonar e neurocognitivo de prematuros (2).
Concentrações plasmáticas baixas de colina estão relacionadas à produção reduzida de acetilcolina, o que, teoricamente, poderia prejudicar o desempenho esportivo (contração muscular) devido à falha de comunicação entre o neurônio motor e a junção neuromuscular (1). Um indicativo da deficiência de colina pode ser a elevação plasmática de creatinofosfoquinase (CPK), um marcador de lesão muscular (1). Além disso, a deficiência de colina pode contribuir para a disfunção mitocondrial, favorecendo alterações na composição da membrana desse compartimento celular, reduzindo a produção de ATP e prejudicando a beta-oxidação dos ácidos graxos, estando associada ao aumento na geração de espécies reativas de oxigênio (2).
Aplicações Clínicas e Suplementação
Suplementação Geral
Na forma de suplemento alimentar, a colina está disponível como cloreto de colina ou bitartarato de colina e como lecitina (que geralmente contém cerca de 25% de fosfatidilcolina) (2). A biodisponibilidade da colina, portanto, depende da eficiência do processo de absorção no intestino (2). Parte da colina ingerida é metabolizada antes da absorção pelos enterócitos; a colina livre que permanece intacta é absorvida ao longo do intestino delgado sem competição nos transportadores intestinais (2). Os estudos de suplementação têm utilizado principalmente a fosfatidilcolina por ser resistente à degradação pela microbiota intestinal, evitando a produção de substâncias indesejáveis (2).
Não há indicação para pessoas saudáveis e bem alimentadas para suplementação de colina (3). Mesmo em certas doenças, o nível de evidência é baixo, e grande parte da suplementação estudada é feita por via intravenosa, com dosagens que podem chegar a 0,5g/kg/dia.
Esteatose Hepática
Estudos identificaram uma associação entre a dieta pobre em colina e a infiltração de gordura no fígado de ratos (2). Dessa evidência, surgiu o termo “lipotrópico” para descrever substâncias que preveniam o depósito de gordura no fígado (2). Em modelos experimentais, a suplementação de colina e betaína foi benéfica para animais obesos e resistentes à insulina, com a proteção ao acúmulo lipídico e a redução da esteatose hepática atribuídas a esses compostos, bem como o aumento da lipólise nos adipócitos (2).
Doenças Cardiovasculares
Embora a ingestão alimentar de colina e betaína não esteja significativamente associada à incidência de doenças cardiovasculares, o consumo a longo prazo desses nutrientes foi associado a uma redução da mortalidade devido a essas doenças, tanto pela diminuição da inflamação quanto por outros fatores (2). Em animais, a suplementação de colina atenuou anormalidades na coagulação, inibindo a trombose vascular aguda (2).
Câncer
Em relação ao câncer, estudos que buscam relacionar colina e betaína com diversos tipos de câncer são inconclusivos. No entanto, demonstram uma relação inversa entre as concentrações dietéticas desses compostos e o risco primário de câncer de fígado e colorretal (2). Outros autores corroboram esses achados, encontrando uma relação inversa entre o consumo e o risco para câncer de mama (2).
Gravidez e Desenvolvimento Fetal
A suplementação de fosfatidilcolina para gestantes tem produzido efeitos benéficos para o desenvolvimento do cérebro fetal humano (2). Contudo, o baixo conteúdo de colina na fosfatidilcolina exige a ingestão de elevadas doses de suplementos, o que pode ser difícil de ser alcançado por gestantes (2).
Exercício e Desempenho Esportivo
Estudos experimentais em animais sugerem que a depleção do neurotransmissor neuromuscular acetilcolina contribui para a fadiga durante a estimulação elétrica prolongada ou no exercício (3). Ainda não foi esclarecido se esse defeito de transmissão ocorre na membrana pré-sináptica, pós-sináptica ou ao longo da sinapse (3).
Tem sido proposto que os suplementos de colina afetam a transmissão nervosa, aumentam a força ou facilitam a perda de gordura corporal (3). Contudo, as alegações da colina como suplemento para desempenho baseiam-se em grande parte na teoria e em achados in vitro. Embora algumas observações interessantes tenham sido feitas em humanos, não há fundamentação suficiente para sua prescrição pensando em desempenho (3). Apesar de sua deficiência poder causar prejuízos no desempenho, concentrações aumentadas através da suplementação também não parecem exercer efeito ergogênico (1).
Exames Bioquímicos
A concentração de colina no plasma é um dos biomarcadores do estado nutricional, variando de acordo com a dieta (2). No entanto, sua desvantagem como indicador funcional é que sua concentração não parece declinar abaixo de 50% do normal, mesmo em jejum por mais de uma semana (2).
As concentrações plasmáticas de colina e seus metabólitos podem servir como biomarcadores para avaliação de condições de saúde e estados patológicos, como doenças cardiovasculares e câncer. Entretanto, informações sobre a confiabilidade desses biomarcadores do status de colina são limitadas (2). Um estudo demonstrou que concentrações séricas de colina estão significativamente associadas a um fenótipo desfavorável para a síndrome metabólica, especialmente relacionado a variações nas concentrações séricas de lipídios (2).
Referências Bibliográficas
- LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
- COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
- JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.