Neurotransmissores e Sinapses: A Comunicação no Sistema Nervoso


Neurotransmissores e Sinapses: A Comunicação no Sistema Nervoso


Introdução

O sistema nervoso depende intrinsecamente da comunicação eficiente entre os neurônios e outras células, um processo que ocorre em junções especializadas denominadas sinapses. Essas sinapses podem ser elétricas ou químicas, cada uma com características e mecanismos distintos que permitem a transmissão de informações e modulam uma vasta gama de funções fisiológicas e comportamentais. Os neurotransmissores, por sua vez, são as moléculas químicas que orquestram a maior parte dessa comunicação.


Tipos de Sinapses

A sinapse é uma junção especializada onde uma parte do neurônio faz contato e se comunica com outro neurônio ou tipo celular (2). A informação geralmente flui em uma única direção, do neurônio pré-sináptico para sua célula-alvo pós-sináptica (2).

Sinapses Elétricas

As sinapses elétricas permitem a transferência direta da corrente iônica de uma célula para outra (2). Elas ocorrem em sítios especializados chamados junções comunicantes (2). Essas junções estão presentes em quase todas as partes do corpo, interconectando muitas células não neurais, como células epiteliais, musculares lisas e cardíacas, hepáticas, algumas células glandulares e células gliais (2).

A maioria das junções comunicantes entre neurônios permite que a corrente iônica passe livremente em ambos os sentidos; portanto, diferentemente da maioria das sinapses químicas, as sinapses elétricas são bidirecionais (2). A transmissão nessas sinapses é extremamente rápida e, se a sinapse for grande, é também infalível (2). Assim, um potencial de ação em um neurônio pré-sináptico pode gerar, quase instantaneamente, um potencial de ação no neurônio pós-sináptico (2).

As funções precisas das sinapses elétricas variam de uma região encefálica para outra. Elas são frequentemente encontradas onde a função normal requer que a atividade dos neurônios vizinhos seja altamente sincronizada (2).

Sinapses Químicas

A maioria das transmissões sinápticas no sistema nervoso humano maduro é química (2). Nas sinapses químicas, as membranas pré e pós-sinápticas são separadas por uma fenda sináptica, com largura de 20-50 nm, cerca de 10 vezes mais larga do que a fenda de separação nas junções comunicantes (2).

O lado pré-sináptico de uma sinapse é tipicamente um terminal axonal (2). Em geral, um terminal axonal contém dezenas de pequenas esferas envoltas por membranas, chamadas vesículas sinápticas, responsáveis pelo armazenamento de neurotransmissores, substâncias químicas utilizadas na comunicação com neurônios pós-sinápticos (2). Muitos terminais axonais também contêm vesículas maiores, com cerca de 100 nm de diâmetro, denominadas grânulos secretores (2).

O acúmulo denso de proteínas dentro e logo abaixo da membrana pós-sináptica é denominado densidade pós-sináptica (DPS). A DPS contém os receptores pós-sinápticos, que convertem os sinais químicos intercelulares (neurotransmissores) em sinais intracelulares (por exemplo, uma mudança no potencial de membrana ou uma mudança química) na célula pós-sináptica (2).


Junção Neuromuscular

As junções sinápticas também ocorrem fora do SNC (2). Os axônios do sistema nervoso visceral inervam as glândulas, os músculos lisos e o coração. Sinapses químicas também ocorrem entre axônios de neurônios motores da medula espinhal e o músculo esquelético. Essa sinapse é especificamente chamada de junção neuromuscular (2). A transmissão sináptica neuromuscular é rápida e confiável; um potencial de ação no axônio motor sempre causa um potencial de ação na fibra muscular que ele inerva (2). Isso é justificado, em parte, por especializações estruturais da junção neuromuscular, sendo a mais importante o seu tamanho, pois é uma das maiores sinapses no corpo (2).


Princípios da Transmissão Sináptica Química

A transmissão sináptica química requer uma sequência de eventos coordenados:

  1. Mecanismo de síntese de neurotransmissores (2).
  2. Mecanismo de “empacotamento” dos neurotransmissores dentro das vesículas sinápticas (2).
  3. Mecanismo para o derramamento de neurotransmissores na fenda sináptica em resposta a um potencial de ação pré-sináptico (2).
  4. Mecanismo para produzir uma resposta elétrica ou bioquímica ao neurotransmissor no neurônio pós-sináptico (2).
  5. Mecanismo para remoção dos neurotransmissores da fenda sináptica (2).

Receptores para Neurotransmissores e seus Sistemas Efetores

Os neurotransmissores liberados na fenda sináptica afetam os neurônios pós-sinápticos ao se ligarem a proteínas receptoras específicas, que estão inseridas nas densidades pós-sinápticas (2). Embora existam mais de 100 diferentes receptores para neurotransmissores, eles podem ser divididos em dois tipos principais: canais iônicos ativados por neurotransmissores e receptores acoplados a proteína G (2).

Canais Iônicos Ativados por Transmissores

São proteínas transmembranares, compostas por quatro ou cinco subunidades, que, juntas, formam um poro (2). Na ausência do neurotransmissor, o poro do receptor está frequentemente fechado (2). A consequência funcional depende de quais íons conseguem atravessar os poros (2). Geralmente, esses canais não apresentam o mesmo grau de seletividade iônica que os canais iônicos dependentes de voltagem (2).

Receptores Acoplados a Proteína G (Metabotrópicos)

A transmissão rápida nas sinapses químicas é mediada por neurotransmissores de aminoácidos ou aminas agindo diretamente em canais iônicos. Entretanto, todos os três tipos de neurotransmissores (aminoácidos, aminas e peptídeos), ao agirem em receptores acoplados a proteína G, podem gerar ações pós-sinápticas mais lentas, mais duradouras e muito mais diversificadas (2). Esse tipo de ação envolve três passos principais:

  1. O neurotransmissor liga-se ao receptor na membrana pós-sináptica (2).
  2. O receptor proteico ativa pequenas proteínas, denominadas proteínas G, as quais se movem livremente ao longo da face intracelular da membrana pós-sináptica (2).
  3. As proteínas G ativadas, por sua vez, ativam proteínas efetoras (2).

As proteínas efetoras podem ser canais iônicos (ativados por proteínas G) presentes na membrana, ou podem ser enzimas que sintetizam moléculas, denominadas segundos mensageiros, que se difundem para o citosol (2). Os segundos mensageiros podem ativar enzimas adicionais no citosol que, por sua vez, podem regular canais iônicos e alterar o metabolismo celular. Devido aos receptores acoplados a proteínas G poderem desencadear uma variedade de efeitos metabólicos, eles são muitas vezes denominados receptores metabotrópicos (2).


Autorreceptores

Os receptores pré-sinápticos que são sensíveis aos neurotransmissores liberados no próprio terminal pré-sináptico são denominados autorreceptores (2). Em geral, os autorreceptores são receptores acoplados a proteínas G que estimulam a formação de segundos mensageiros. As consequências da ativação desses receptores variam, mas um efeito comum é a inibição da liberação de neurotransmissores e, em alguns casos, da síntese de neurotransmissores. Isso permite que o terminal pré-sináptico regule a si próprio (2). Os autorreceptores funcionam como uma válvula de segurança, reduzindo a liberação quando a concentração de neurotransmissores atinge valores muito altos no terminal pré-sináptico (2).


Reciclagem e Degradação de Neurotransmissores

Uma vez que os neurotransmissores liberados tenham interagido com os receptores pós-sinápticos, eles devem ser removidos da fenda sináptica para permitir um novo ciclo de transmissão sináptica (2). Uma maneira de isso acontecer é por simples difusão das moléculas de neurotransmissores através do líquido extracelular para longe das sinapses (2).

Para a maioria dos neurotransmissores dos tipos aminoácidos e aminas, a difusão é auxiliada por sua recaptação para dentro do terminal pré-sináptico. A recaptação ocorre por ação de transportadores proteicos específicos para neurotransmissores presentes na membrana pré-sináptica. Uma vez no citosol do terminal, os neurotransmissores podem ser recarregados nas vesículas sinápticas ou degradados por enzimas, sendo seus produtos reciclados (2). Transportadores de neurotransmissores também existem nas membranas da glia, que envolvem a sinapse e auxiliam na remoção de neurotransmissores da fenda sináptica (2).

A importância da remoção dos neurotransmissores da fenda sináptica não deve ser subestimada. Na junção neuromuscular, por exemplo, a exposição ininterrupta a altas concentrações de acetilcolina leva, após vários segundos, a um processo denominado dessensibilização, no qual os canais ativados pelo neurotransmissor se fecham, apesar da contínua presença de acetilcolina (2). A rápida degradação da acetilcolina pela acetilcolinesterase normalmente evita a ocorrência da dessensibilização (2).


Neurofarmacologia

A neurofarmacologia estuda como os fármacos afetam a transmissão sináptica. Fármacos podem inibir ou mimetizar a função de proteínas específicas envolvidas na transmissão sináptica (2).

  • Fármacos que inibem os receptores para neurotransmissores são denominados antagonistas de receptores, pois se ligam aos receptores e bloqueiam a ação normal do neurotransmissor endógeno (2).
  • Outros fármacos, em vez de inibir, mimetizam a ação dos neurotransmissores que existem naturalmente. Esses fármacos são denominados agonistas de receptores (2).

É crucial reconhecer que, quando a transmissão sináptica é alterada, o sistema nervoso funciona de forma inadequada. Acredita-se que defeitos na neurotransmissão possam estar na base de um grande número de distúrbios neurológicos e psiquiátricos (2).


Química e Efeitos dos Neurotransmissores

Os neurotransmissores influenciam um neurônio de três maneiras principais:

  • Excitatória: Promovendo a geração de um sinal elétrico chamado potencial de ação no neurônio receptor.
  • Inibitória: Impedindo a geração de um sinal elétrico chamado potencial de ação no neurônio receptor.
  • Modulatória: Podem afetar um grande número de neurônios ao mesmo tempo, operando em um curso de tempo mais lento do que os transmissores excitatórios e inibitórios. Os neuromoduladores regulam populações de neurônios.

A nossa compreensão atual classifica os principais neurotransmissores em três categorias: aminoácidos, aminas e peptídeos (2). Neurotransmissores de aminoácidos e aminas são pequenas moléculas orgânicas contendo pelo menos um átomo de nitrogênio, armazenadas e liberadas de vesículas sinápticas (2). Os neurotransmissores peptídicos são moléculas maiores (cadeias de aminoácidos), armazenadas e liberadas de grânulos secretores (2).

Principais Neurotransmissores e Neuromoduladores

AminoácidosAminasPeptídeos
Ácido γ-aminobutírico (GABA)Acetilcolina (ACh)Colecistocinina (CCK)
Glutamato (Glu)Dopamina (DA)Dinorfina
Glicina (Gli)AdrenalinaEncefalinas (Enk)
N-acetil-aspartil-glutamato (NAAG)HistaminaNeuropeptídeo Y
Noradrenalina (NA)Somatostatina
Serotonina (5-HT)Substância P
Hormônio liberador de tireotrofina (TRH)
Polipeptídeo intestinal vasoativo (VIP)

(2)

Descrição e Funções de Neurotransmissores Chave:

  • Glutamato (Glu): É o principal neurotransmissor excitatório do SNC, envolvido em funções cognitivas como aprendizado e memória. Regula o desenvolvimento cerebral e a formação de contatos nervosos (2). Em grandes concentrações, torna-se tóxico para os neurônios, podendo matá-los. A excitotoxicidade causada pelo acúmulo de glutamato está associada a algumas doenças e lesões cerebrais, incluindo a doença de Alzheimer, o acidente vascular cerebral e as convulsões epilépticas.
  • Ácido γ-aminobutírico (GABA): É o principal neurotransmissor inibitório do SNC. Contribui para a visão, o controle motor e desempenha um papel na regulação da ansiedade (2). Os benzodiazepínicos, utilizados para tratar ansiedade, funcionam aumentando a eficiência dos neurotransmissores GABA, o que pode aumentar a sensação de relaxamento e calma. Altos níveis de GABA melhoram o foco mental e o relaxamento; enquanto níveis baixos podem causar ansiedade e têm sido associados à epilepsia.
  • Serotonina (5-HT): Relacionada ao bem-estar e felicidade, seus níveis são afetados pelo exercício e pela exposição à luz solar (1). Ajuda a regular o equilíbrio do humor, o ciclo do sono e a digestão (2). Regula o ciclo do sono, juntamente com a melatonina, e também os movimentos intestinais. É produzida no trato gastrointestinal em resposta aos alimentos (2). Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são antidepressivos comuns que buscam equilibrar os níveis de serotonina, bloqueando sua recaptação no cérebro, o que pode melhorar o humor e reduzir a ansiedade. Existem estudos sobre a influência da serotonina na pele, especificamente na psoríase (1).
  • Histamina: É uma monoamina que desempenha um papel no metabolismo, no controle da temperatura, na regulação de vários hormônios e no controle do ciclo sono-vigília, entre outras funções (2). Desempenha um papel nas reações alérgicas, sendo produzida como parte da resposta do sistema imunológico a patógenos.
  • Dopamina (DA): Um neuromodulador que atua em diversas vias no cérebro, envolvido em funções como controle motor, recompensa, reforço e motivação (2). Associada a sentimentos de prazer e satisfação, também está ligada ao vício e ao movimento. Alterações nos níveis de dopamina podem desencadear doenças como a doença de Parkinson (causada pela perda de neurônios dopaminérgicos) e a Esquizofrenia (2). Vários tipos de drogas que causam dependência aumentam os níveis de dopamina no cérebro.
  • Noradrenalina (NA) / Norepinefrina: Neurotransmissor que afeta a atenção e as ações de resposta no cérebro (2). Relaciona-se com processos cognitivos de aprendizagem, criatividade e memória. Atua na atividade de vários órgãos do corpo para controlar a pressão arterial, frequência cardíaca, função hepática e outras funções (2). É um componente-chave da resposta de “luta ou fuga” do corpo, mobilizando o corpo e o cérebro para agirem em momentos de perigo ou estresse. Seus níveis são tipicamente mais baixos durante o sono e mais altos durante períodos de estresse.
  • Adrenalina / Epinefrina: Hormônio liberado pelas glândulas suprarrenais (acima dos rins) em situações de alto estresse ou emocionantes (2). Estimula o aumento da frequência cardíaca, contrai os vasos sanguíneos e dilata as vias aéreas, para aumentar o fluxo sanguíneo para os músculos e o oxigênio para os pulmões.
  • Acetilcolina (ACh): Neurotransmissor de caráter excitatório, atua tanto em sinapses neuronais quanto em placas motoras, enviando sinais para os músculos (2). É o principal neurotransmissor envolvido no pensamento, aprendizado e memória (2). Desempenha um papel importante no sistema nervoso periférico, onde é liberado por neurônios motores e neurônios do sistema nervoso autônomo (2). No SNC, é importante para a função cognitiva. Danos aos neurônios colinérgicos do SNC estão associados à doença de Alzheimer (2).
  • Neuropeptídeo Y (NPY): Controla a fome, atuando como estimulante do apetite (2). Associado também à memória e implicado na doença de Alzheimer (2).
  • Ocitocina: Hormônio que atua como neurotransmissor no cérebro, produzido pelo hipotálamo (2). Desempenha um papel no reconhecimento social, vínculo e reprodução sexual (2). Funções incluem: promoção das contrações musculares uterinas, redução do sangramento durante o parto, estímulo à liberação do leite materno, desenvolvimento de apego e empatia, produção de parte do prazer do orgasmo e modulação da sensibilidade ao medo. Popularmente conhecido como “hormônio do amor”.
  • Endorfinas: Peptídeos com função de neurotransmissores que inibem a transmissão de sinais de dor e promovem sentimentos de euforia (2). Produzidas naturalmente pelo corpo em resposta à dor, mas também desencadeadas por atividades como exercícios aeróbios (2), excitação e atividade sexual. Pelo menos 20 tipos de endorfinas foram identificados em humanos. Certos alimentos, como chocolate e alimentos apimentados, também podem estimular a liberação de endorfinas.
  • Adenosina: Purina natural que atua como neuromodulador no cérebro, envolvida na supressão do despertar e na melhora do sono (2).
  • Trifosfato de Adenosina (ATP): Atua como neurotransmissor no sistema nervoso central e periférico (2). Desempenha um papel no controle autônomo, na transdução sensorial e na comunicação com as células da glia. Pesquisas sugerem que também pode ter parte em alguns problemas neurológicos, incluindo dor, trauma e distúrbios neurodegenerativos.
  • Gasotransmissores (Óxido Nítrico e Monóxido de Carbono):
    • Óxido Nítrico (NO): Composto que relaxa os músculos lisos, permitindo a dilatação dos vasos sanguíneos e o aumento do fluxo sanguíneo para certas áreas do corpo (2).
    • Monóxido de Carbono (CO): Gás que, embora tóxico em altas concentrações, é produzido naturalmente pelo corpo, onde atua como neurotransmissor que ajuda a modular a resposta inflamatória do corpo.

Referências Bibliográficas

  1. MARTINS, A. M. et al. The Brain-Skin Connection and the Pathogenesis of Psoriasis: A Review with a Focus on the Serotonergic System. Cells, v. 9, n. 4, 2020.
  2. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências – Desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. 974 p.

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