Constipação Crônica: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica
A constipação é uma condição gastrointestinal comum, com prevalência estimada em 15% na população adulta, sendo a sexta condição gastrointestinal mais comum. Afeta predominantemente mulheres, na proporção de 1,5:1 (6). A constipação crônica é caracterizada pela persistência dos sintomas por um período prolongado, sendo que 45% dos indivíduos relatam a manutenção dos sintomas por pelo menos cinco anos, evidenciando sua natureza crônica (3).
Além dos sintomas intestinais, a constipação crônica pode estar associada a outras disfunções gastrointestinais, como dor torácica, refluxo gastroesofágico e dispepsia funcional. Adicionalmente, há uma maior prevalência de condições psicológicas, incluindo ansiedade, depressão, transtorno obsessivo compulsivo e somatização (3). A não eliminação regular de toxinas através das fezes pode levar a complicações sérias, como perfurações intestinais e outras patologias (5).
Fisiopatologia da Constipação
A constipação é um termo abrangente que engloba diversos sintomas, como fezes endurecidas, esforço excessivo durante a evacuação, baixa frequência de evacuações, necessidade de manobras manuais para auxiliar a defecação, distensão abdominal e sensação de evacuação incompleta (3). O tempo ideal de trânsito intestinal varia entre 12 e 24 horas; um período inferior a 12 horas pode indicar má absorção de nutrientes, enquanto um tempo superior a 24 horas pode sinalizar problemas (7). A evacuação adequada é crucial para a diminuição da carga bacteriana, reduzindo o risco de Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado (SIBO) (7).
As principais causas da constipação crônica incluem distúrbios da motilidade colônica e disfunção do assoalho pélvico. Outros fatores etiológicos abrangem baixa ingestão calórica, disbiose da microbiota intestinal, anormalidades anatômicas e uso de certos medicamentos (6). A experiência clínica demonstra que a supressão crônica do reflexo de defecação ou o uso excessivo de laxantes podem levar à atonia colônica, resultando em reflexos progressivamente menos eficazes ao longo do tempo (10).
Fatores de Risco
Diversos fatores podem predispor um indivíduo à constipação:
- Baixa ingestão de fibras (2,3)
- Uso de ansiolíticos e antidepressivos (7)
- Uso crônico de laxantes (7)
- Suplementação de ferro (7)
- Hipotireoidismo (2)
- Cirurgias abdominais (cicatrizes cirúrgicas) (7)
- Fatores psicológicos (7)
Condições Médicas Associadas
A constipação pode ser um sintoma secundário de diversas condições e terapias, tais como:
- Medicamentos: Opioides, antidepressivos, anti-histamínicos (6).
- Obstruções mecânicas: Câncer de cólon; lesões malignas compressivas extrínsecas; estenoses (diverticulares ou isquêmicas); megacólon e fissuras anais (6).
- Condições metabólicas: Diabetes mellitus; hipotireoidismo; hipercalcemia; hipocalemia; hipomagnesemia; uremia; intoxicação por metais pesados (6).
- Miopatias: Esclerodermia e amiloidose (6).
- Outras condições: Depressão; doenças neurodegenerativas (e.g., doença de Parkinson); neuropatia autonômica; deficiência cognitiva; imobilidade; doenças cardíacas (6).
Classificação da Constipação
A constipação pode ser classificada em primária ou secundária, com subtipos específicos da primária:
Constipação Primária
A constipação primária é resultado de problemas intrínsecos à motilidade intestinal ou disfunção anorretal (3).
- Trânsito Intestinal Lento: Caracterizado por um retardo no trânsito das fezes, frequentemente associado a miopatia (disfunção do músculo liso colônico) ou neuropatia. Pode decorrer de disfunção da atividade muscular, disfunção do reflexo colônico, alteração de neurotransmissores e interferência das células marca-passo do cólon (3). Estudos em modelos animais demonstraram que a colonização com microbiota fecal de pacientes com constipação pode induzir trânsito colônico lento (6). Esse retardo está inversamente relacionado ao conteúdo de serotonina colônica e associado a uma diminuição de Firmicutes e Bacteroidetes, bem como a alterações nos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e ácidos biliares fecais (6).
- Disfunções Defecatórias (Obstrução Funcional, Dissinergia Anorretal, Disfunção do Assoalho Pélvico): Causadas pela redução das forças propulsivas retais ou pelo aumento da resistência à evacuação (6). Caracterizam-se por prejuízo na coordenação dos músculos abdominais e colorretais, resultando em inabilidade de evacuar as fezes retidas no reto (3). Indivíduos com esse tipo de constipação apresentam dificuldade em coordenar os músculos abdominais, retoanais e pélvicos durante a defecação, seja por força propulsiva inadequada ou por falha no relaxamento anal (3). A constipação crônica e o esforço excessivo podem enfraquecer o assoalho pélvico (6). A patogênese é incerta, mas sugere-se que resulte de um aprendizado maladaptativo da contração do esfíncter, possivelmente iniciada por trauma, tentativa de evitar dor ou negligência ao desejo de defecar (6).
Constipação Secundária
A constipação secundária é uma consequência de outros fatores, como doenças colônicas; dieta; uso de medicamentos, especialmente os opioides; distúrbios metabólicos; e condições neurológicas (e.g., doença de Parkinson) (3). O tratamento eficaz desse tipo de constipação depende da resolução da causa subjacente (3).
Megacólon e Doença de Hirschsprung
Quando as evacuações ocorrem em intervalos de vários dias ou semanas, grandes volumes de material fecal podem se acumular no cólon, podendo distendê-lo a diâmetros de 7 a 10 centímetros (10). A causa do megacólon na Doença de Hirschsprung é a ausência ou deficiência de células ganglionares no plexo mioentérico em um segmento do cólon sigmoide (10). Como consequência, nem reflexos de defecação, nem motilidade peristáltica forte ocorrem nessa área do intestino grosso. O próprio sigmoide fica pequeno e quase espástico, enquanto as fezes se acumulam proximalmente a essa região, causando1 o megacólon nos segmentos ascendente, transverso e descendente (10).
Diagnóstico
O diagnóstico da constipação baseia-se nos critérios de Roma IV, que categorizam os pacientes em constipação funcional, síndrome do intestino irritável com predomínio de constipação e distúrbios defecatórios (6). A presença de dois ou mais dos seguintes critérios é indicativa de constipação (1,2,3):
- Escala de Bristol tipo 1 e 2
- Frequência < 3 por semana
- Produção de fezes < 35g/dia
- > 25% das evacuações com esforço
- Tempo de evacuação prolongado
- Sensação de evacuação incompleta
Geralmente, não há anormalidades fisiológicas demonstráveis (2), embora possa ocorrer inchaço abdominal (3) e, em alguns pacientes, dor lombar persistente. É relevante notar que muitos indivíduos se consideram “constipados” mesmo sem preencher os critérios diagnósticos formais (7).
Tratamento da Constipação
O objetivo principal do tratamento é identificar e corrigir a causa subjacente da alteração no hábito intestinal. As intervenções frequentemente incluem a remoção de agentes causadores, educação sobre a constipação, aumento da ingestão de fibras e líquidos, e a ritualização dos hábitos intestinais (3).
Conduta Clínica Geral
- Adequar o consumo de fibras: Mulheres > 25g/dia | Homens > 38g/dia.
- Adequar o consumo de líquidos: A consistência das fezes está fortemente relacionada ao seu conteúdo de água. Fezes de consistência normal apresentam, em média, 74% de água, enquanto fezes “duras” apresentam menos que 72% de água, e já as fezes “macias” apresentam pelo menos 76% (7). Uma diferença de 2% no conteúdo de água pode ser significativa para a consistência fecal (7).
- Aumentar a produção de AGCC: Favorece o trânsito intestinal.
- Considerar exceções: Se as medidas conservadoras não forem eficazes, pode ser necessário avaliar a retirada de fibras ou investigar possíveis disfunções intestinais específicas.
Orientações Nutricionais e Comportamentais
As seguintes orientações podem ser fornecidas aos pacientes:
- Posição de cócoras: Utilizar um banquinho na frente do vaso sanitário para favorecer a posição de cócoras durante a evacuação.
- Consumo de fermentados: Incluir kefir, iogurtes e outros produtos fermentados na dieta.
- Atividade física aeróbica: Embora os efeitos dos exercícios físicos na constipação ainda sejam incertos (6), há relatos de que atividades aeróbicas podem ajudar.
- Ritualização dos hábitos intestinais: Reservar um horário específico todos os dias para a evacuação, preferencialmente após as refeições. A ingestão de alimentos é capaz de acionar o reflexo gastrocólico, que aumenta a motilidade gástrica em resposta à distensão gástrica. Sinergicamente, o reflexo ortocólico atua quando há uma transição da posição supina para a posição “de pé”, gerando a propagação de ondas peristálticas de alta amplitude, favorecendo o estímulo para a defecação (6,7).
- Evitar o uso crônico de laxantes: O uso exagerado de laxantes pode levar à atonia de cólon, condição onde há uma diminuição da atividade propulsora natural do cólon (9). Nessas circunstâncias, o único modo de obter a defecação é aumentar a dosagem dos laxativos, surgindo uma espécie de dependência (9). O uso crônico de laxantes pode destruir as células epiteliais, reduzir as criptas, alterando a absorção, secreção e motilidade gástrica, mesmo se utilizados os naturais (9).
- Não pular refeições: Especialmente o café da manhã, para estimular o reflexo gastrocólico.
- Uso de azeite ou óleo vegetal: Utilizar azeite ou óleo vegetal nas verduras cruas.
Intervenções Nutricionais Específicas
Fibras
O consumo adequado de fibras é considerado efetivo na regulação do funcionamento intestinal e do tempo de trânsito intestinal, reduzindo a constipação (3,5,7). Isso acontece pelo aumento no tamanho do bolo fecal, pela mudança na consistência das fezes, além do aumento na motilidade intestinal e pelos seus efeitos na microbiota intestinal, com fermentação e produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) – principalmente butirato, propionato e acetato (3,5,7). Alguns estudos demonstraram que os AGCC produzidos pela microbiota são capazes de criar uma carga osmótica, acelerando o trânsito intestinal (7).
A maioria dos estudos encontrou efeitos benéficos quando a fibra foi adicionada de forma crônica (6). Ela pode não ter efeito agudo (6).
- Fibras Insolúveis: Possuem efeitos de aumento da viscosidade e de tamanho, sendo efetivas no tratamento da constipação, porém com efeitos limitados em outras morbidades (5). Elas apresentam a capacidade de absorver água formando géis, tornando as fezes mais “macias” e aumentando o volume (5). Tem se sugerido também que as fibras insolúveis conseguem diminuir o tempo de trânsito intestinal pela diminuição da pressão no cólon através da fermentação e da produção dos AGCC (5).
- Fibras Solúveis: São as fibras mais fermentáveis e exibem efeitos prebióticos, aumentando a produção de AGCC, sendo associadas à saúde intestinal, e que indiretamente estão ligadas à melhora da constipação (5). É crucial ter cuidado com a geração de gases e de desconforto intestinal, sendo importante também ressaltar o aumento na ingestão de líquidos (3). A fibra solúvel é capaz de melhorar sintomas gerais de constipação, esforço, dor na hora da evacuação e na consistência, aumentando ainda o número de evacuações semanais (7).
Em uma meta-análise, os autores encontraram que a suplementação de fibra é benéfica em casos leves a moderados de constipação e SII-C (7). É recomendado que a suplementação inicie em 5g/dia, dividida 2x ao dia, aumentando gradativamente essa quantidade até chegar em 10-15g/dia, dando um intervalo de 7-15 dias (6).
Alimentos e Suplementos Ricos em Fibras:
- Aveia
- Psyllium: Diversos estudos demonstraram que o psyllium é mais eficaz do que placebo, e em muitos estudos, mais eficaz do que a aveia na constipação (6). Em um estudo, foi utilizado 10g 2x ao dia (6).
- Ameixa Seca: Um estudo comparou o consumo de 50g de ameixas (6g de fibra) com 11g de psyllium (6g de fibras), encontrando um poder laxativo superior da ameixa na constipação (7). Foi visto um aumento no número de evacuações por semana e melhora na consistência das fezes (7). Os autores hipotetizaram que o efeito mais significativo das ameixas é devido à presença do sorbitol (14,7g/100g) e de polifenóis (184 mg/100g), além das fibras (7).
- Kiwi: O consumo de kiwi foi associado a uma melhora significativa na frequência, no volume, na maciez e na facilidade de defecação (7). Os autores hipotetizaram que, além das fibras, a actinidina, uma Cisteíno protease com atividade proteolítica, age melhorando a digestão das proteínas e diminuindo o tempo de trânsito intestinal (7). No entanto, o mecanismo da actinidina ainda não está claro (7). Uma hipótese recente é de que ela age como um ativador do canal iônico, modulando a motilidade gastrointestinal (7). Outros autores também encontraram resultados parecidos, concluindo que o consumo de 3 kiwis/dia é associado a uma melhora significativa da frequência gastrointestinal, reduzindo desconforto e dor (7).
- Linhaça: Foi visto que a semente de linhaça é efetiva no tratamento da constipação devido ao seu conteúdo de fibra solúvel e insolúvel (7). Além disso, devido ao seu conteúdo lipídico e mucilaginoso, ela apresenta também a capacidade de facilitar o deslocamento das fezes e de alterar sua consistência (7). Os pacientes tratados com a semente de linhaça reportaram uma melhora na frequência dos movimentos intestinais e da severidade da dor intestinal, além de uma maior facilidade na hora da defecação (7). Em ratos, os autores sugeriram que o efeito laxativo da semente foi mediado primariamente pela via colinérgica, com um fraco efeito histaminérgico (7).
- Goma Guar: A Goma Guar é uma fibra solúvel que apresentou diversos benefícios fisiológicos na redução do colesterol, na diminuição da resposta glicêmica pós-prandial, além de melhoras na constipação, na SII entre outros (5). Grande parte dos estudos mostrou que entre 5-7g/dia da fibra Guar já é suficiente para a melhora da constipação (5). A ingestão de altas quantidades da fibra (36g/dia) não mostrou nenhum efeito colateral, além de um aumento nas flatulências no período inicial (5). Essa ingestão aumentou a produção de AGCC, especialmente o ácido acético, e conseguiu diminuir o colesterol sérico (5). Estudos com a suplementação de 21g/dia também foram considerados seguros, melhorando a consistência fecal (5). 12,5g de fibra guar equivalem a 10g de fibra dietética (5). Um estudo mostrou que uma dieta com 30g/dia de fibra não obteve melhora com o consumo “aditivo” da fibra guar na constipação (5). A fibra Guar é considerada com um potencial substituto para as fibras insolúveis, laxantes e outros tratamentos na constipação, pois ela não apresentou efeitos colaterais na dosagem de 5g/dia (5). 14 estudos com 631 pessoas mostraram melhora no quadro de constipação com a goma guar, sendo destes, 8 estudos com doses menores que 10g/dia (5).
Probióticos/Prebióticos
Uma revisão sistêmica encontrou que cepas de Bifidobacterium lactis DN173010, Lactobacillus casei Shirota, Lactobacillus casei YIT são capazes de aumentar a frequência de defecação (6). Doses entre 10^8^ e 10^9^ UFC, tomadas no período da noite, aumentam a frequência e a consistência.
Magnésio
O principal efeito do magnésio é seu efeito osmótico, que ocorre principalmente pela sua absorção incompleta (7). Tem sido visto que o magnésio apresenta propriedades laxativas, vistas inclusive na água rica em magnésio (7). O hidróxido de magnésio é comumente utilizado como um laxativo osmótico, sendo utilizado em doses maiores de 2g/dia (7). No estômago ele reage com os prótons (H+) do ácido gástrico, produzindo Mg2+ e água (7). No entanto, se consumido em grandes doses, hidróxido de magnésio é convertido no intestino para carbonato de magnésio, sendo capaz de absorver água das paredes do intestino, hidratando e amolecendo as fezes (7). Uma das principais causas de constipação é a hipomagnesemia. Para isso, pode-se suplementar até 350 mg/dia de magnésio quelato.
Tratamento Médico
Toque Retal
O toque retal é recomendado por diferentes sociedades médicas, sendo capaz de identificar não apenas desordens estruturais, mas dissinergias do assoalho pélvico (6).
Tratamento Farmacológico
Diversos fármacos atuam sobre a motilidade do trato gastrointestinal (9):
- Purgativos: Aceleram a passagem de alimentos ao longo do intestino (9).
- Laxativos formadores de volume (9).
- Laxativos osmóticos (9).
- Emolientes fecais (9).
- Purgativos estimulantes (9).
- Outros agentes que aumentam a motilidade da musculatura lisa, sem causar purgação (9).
É importante ressaltar que laxativos de qualquer tipo não devem ser empregados quando houver obstrução intestinal ou ter seu uso exagerado (9). Diversas drogas têm sido descobertas, se mostrando seguras e efetivas. Dentre elas, pode-se destacar a linaclotida e a lubiprostona, atualmente aprovadas no manejo da constipação crônica (3).
Laxativos Osmóticos
Dentre esses agentes, temos soluções à base de: PEG (polietileno glicol); citrato de magnésio; fosfato de sódio; Lactulose; e carboidratos não absorvíveis (6). Eles agem através da produção de uma carga osmótica que “puxa” a água para o lúmen intestinal, amolecendo as fezes e acelerando a velocidade do trânsito gastrointestinal (6,9). Geralmente isso resulta em um volume aumentado entrando no cólon, causando distensão e purgação (em cerca de 1h) podendo ocorrer cólicas abdominais (9). Uma revisão da cochrane mostrou que o PEG é superior à lactulose, na melhora da frequência, consistência e na dor abdominal (6). Entre os carboidratos não digeríveis, tanto a lactulose quanto o sorbitol apresentaram efeitos laxativos semelhantes (6).
Dentre esses, o PEG é o que apresenta maior evidência científica (6). Enquanto o hidróxido de magnésio e outros sais, apesar de seguros, ainda não foram testados em estudos randomizados e controlados (6). A recomendação atual é de que os sais devem ser evitados em crianças e em pacientes com a função renal alterada por poderem causar bloqueios cardíacos e neuromusculares ou até mesmo depressão do SNC (9). A lactulose é pouca absorvida, com efeito semelhante ao de outros laxativos osmóticos. O tempo para sua ação varia entre 2-3 dias. E seus efeitos adversos, observado em altas dosagens, incluem, flatulências, cólicas, diarreia, e desequilíbrios eletrolíticos (9). Seu uso pode gerar tolerância ao medicamento (9).
Emolientes Fecais
O docusato de sódio é um composto tensioativo que atua no trato gastrointestinal de maneira semelhante a um detergente, produzindo fezes mais amolecidas (9). Além disso, ele apresenta um modesto efeito estimulante laxativo (9).
Estimulantes Laxativos
Os laxativos estimulantes atuam aumentando principalmente a secreção de eletrólitos e, portanto, de água pela mucosa, aumentando também o peristaltismo, possivelmente através da estimulação de nervos entéricos (9). Incluem, derivados do difenilmetano (bisacodil e picosulfato de sódio) e os derivados de antraquinonas (sena, aloe, cáscara sagrada). Eles são geralmente utilizados como recursos de emergência em pacientes que não vão ao banheiro a 2 ou 3 dias (6). Os derivados de difenilmetano são convertidos por enzimas na mucosa a um metabólito que possui uma propriedade secretora anti-absortiva, induzindo HAPCs (high amplitude propagated contractions, >75mmHg) (6). O bisacodil pode ser administrado tanto por via oral como via supositório (9). Via supositório ele estimula a mucosa retal induzindo a defecação dentro de 15-30minutos (9). Supositórios de glicerol atuam da mesma maneira (9).
Secretagogos
Dentro dessa classe, o FDA e a EMEA aprovam a lubiprostona, a linaclotida e a placanatida (6). Esses secretagogos estimulam o efluxo de íons e e água para o lúmen intestinal, acelerando o trânsito e facilitando a defecação (6). A lubiprostona é um ativador do canal de cloro-2 que atua nas células, na membrana apical do intestino delgado, promovendo a secreção de cloro e líquido no lúmen, melhorando a motilidade e a consistência das fezes (9). Ela é aprovada no tratamento da obstipação secundária à opioides, na SII e em pacientes que não responderam ao tratamento não medicamentoso da obstipação (9).
Pró-cinéticos e Outros
A prucaloprida é um agonista seletivo do receptor de 5-HT4, encontrado no trato gastrointestinal, inclusive no cólon, sendo eficaz na constipação crônica (6). É um medicamento aprovado tanto pelo FDA como por entidades médicas europeias no tratamento da constipação crônica (6).
Chás
- Chá de Senna alexandrina (sene): Os efeitos da S. alexandrina ocorrem principalmente pela ação dos glicosídeos hidroxiantracênicos (senosídeos A e B), que aumentam a secreção de fluidos e a motilidade, melhorando o trânsito colônico (4). O mecanismo de ação é duplo: aumento do peristaltismo intestinal através do estímulo direto no plexo mioentérico (4,9) e diminuição da reabsorção de água e eletrólitos (4). Recomenda-se seu uso à noite, pois o efeito laxativo ocorre 8-12h após a administração oral (4). É indicado como laxativo de escolha para grávidas, pois até o momento, nenhum efeito deletério foi encontrado para o feto ou para a gestante (4). Dose: 1-2g de folhas por xícara/dia; não usar por período prolongado (4).
- Chá de Mentha spicata (Hortelã): Estudos com a M. piperita observaram um efeito carminativo decorrente da diminuição do tônus da musculatura lisa, facilitando a eliminação dos gases, além de estimular a liberação de bile, que promove o metabolismo dos lipídeos (4). Estudos em humanos com SII, que suplementaram cápsulas de liberação entérica de M. piperita por 4 semanas, 3x ao dia, mostraram uma redução significativa dos sintomas (75%), dor, inchaço, flatulência e diarreia (4). Outro estudo com administração oral do óleo de M. piperita com revestimento entérico, com 187 mg, 3x ao dia durante duas semanas, conseguiu reduzir os sintomas abdominais, incluindo a dor (4). Um estudo utilizando uma preparação comercial “Lomatol” (associação dos extratos de Carum Carvi (fruto), Foeniculum Vulgare (fruto) M. Piperita (folha) Artemisia Absithium (parte aérea)) comparado à metoclopramida no tratamento da dispepsia, mostrou que o fitoterápico demonstrou resultados significativos e superiores no controle dos sintomas que a metoclopramida (4). Em suma, as preparações com M. piperita são recomendadas para o tratamento de distúrbios do trato gastrointestinal (4). Dose: 1-2 col. de sobremesa da folha rasurada (1-4g) por xícara, tomar após as refeições (8).
- Chá de Peumus boldus (Boldo do Chile): Estudos em animais tratados com boldo apresentaram relaxamento e melhora do trânsito intestinal (4). Sugeriu-se que a boldina seja responsável por esse efeito, pois já demonstrou atividade relaxante da musculatura lisa (4). Dose: 1 a 2 colheres de chá de folhas por xícara, tomar 2x ao dia. Também é referida a dose de 2 a 5 g/dia (4).
Tratamento Cirúrgico
O tratamento cirúrgico deve ser limitado para os pacientes sem problemas na saída retal, e que não responderam a tratamentos médicos agressivos e de biofeedbacks, apresentando ainda uma neuropatia colônica demonstrável (3). Além disso, a dismotilidade deve ser confinada ao cólon, já que a colectomia em pacientes com dismotilidade generalizada geralmente não é satisfatória (3).
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