Crononutrição: A Influência do Horário das Refeições na Fisiologia Humana


Crononutrição: A Influência do Horário das Refeições na Fisiologia Humana


Introdução

O horário das refeições exerce uma influência profunda sobre os ritmos circadianos do organismo, modulando tanto o relógio central (núcleo supraquiasmático – SCN) quanto os relógios periféricos, que incluem genes como Bmal1, Clock, Per1/2, Cry1/2, Rev-erb α/β, Ror α/β, Dbp, Dec1/2 e NPAS2 (2). Compreender essa interação é fundamental para otimizar diversas funções fisiológicas e metabólicas.


Horário das Refeições e Ritmos Circadianos

A primeira refeição do dia atua como um marcador para a fase dos relógios periféricos, enquanto a última refeição pode promover a lipogênese e o acúmulo de gorduras (2). O quociente respiratório (QR), que varia de 0,7 (indicando 100% de oxidação lipídica) a 1 (100% de oxidação de carboidratos), também é influenciado pelo ciclo circadiano:

  • Durante a manhã, o QR é geralmente superior a 0,84, indicando uma preferência pela oxidação de carboidratos.
  • Durante a noite, o QR é inferior a 0,84, sugerindo uma maior preferência pela oxidação de lipídios.

Um consumo mais elevado de carboidratos no período matutino tem demonstrado um efeito protetor contra a síndrome metabólica (2). Adicionalmente, a ingestão de proteínas pela manhã é mais eficaz em promover a saciedade e controlar os níveis de grelina ao longo do dia (2). Um estudo concluiu que a concentração de calorias no período matutino, tipicamente associada ao café da manhã, confere maiores benefícios fisiológicos em comparação com a ingestão calórica no período noturno (2).


Controle Glicêmico e Ritmo Circadiano

Os relógios periféricos desempenham um papel crucial na regulação da absorção de glicose, sensibilidade à insulina e secreção de insulina (2). O cortisol, mediado pelo eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e controlado pelo sistema nervoso central (SNC), apresenta um pico de liberação antes do período ativo, resultando em uma diminuição da secreção de insulina nesse momento (2).

As células beta pancreáticas demonstram uma melhor resposta na secreção de insulina pela manhã (2). O tecido muscular exibe maior sensibilidade à insulina no período matutino e uma maior capacidade oxidativa mitocondrial no período noturno (2).

A melatonina interfere na secreção de insulina e sua liberação é inibida pela luz. Níveis baixos de melatonina são associados ao diabetes mellitus tipo 2 (DM2), uma vez que a melatonina é capaz de reduzir a secreção de insulina. Estudos indicam que a exposição à luz noturna, em indivíduos acordados, pode levar a uma elevação da glicose plasmática (2). O hormônio do crescimento (GH), antagonista da ação da insulina no músculo e fígado, diminui a sensibilidade à insulina no período noturno (2).

Processos como transporte de glicose, gliconeogênese, lipólise, adipogênese e oxidação mitocondrial são controlados por transcrições sensíveis ao tempo, relacionadas ao relógio central (2). A sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose diminuem ao longo do dia, resultando em um controle glicêmico menos eficiente no período noturno (2). Em indivíduos diabéticos, o consumo de um café da manhã rico em proteínas e gorduras tem demonstrado benefícios metabólicos (3).


Horário das Refeições e Emagrecimento

Evidências sugerem que comer tardiamente está associado a um risco aumentado de obesidade e doenças cardiovasculares (2). Além disso, o padrão alimentar tipo “grazing” (ingestão contínua ao longo do dia) é relacionado a um maior consumo energético total e, especificamente, a um maior consumo calórico noturno (2).

Estudos observacionais apontam que indivíduos que pulam o café da manhã apresentam um risco 27% maior para doenças coronarianas, enquanto aqueles que jantam tardiamente exibem um risco 55% maior em comparação com os que jantam cedo (2). Embora uma meta-análise tenha encontrado associação entre o consumo de calorias à noite e um maior IMC, a heterogeneidade dos estudos dificulta conclusões definitivas sobre o assunto (2).

Em relação ao emagrecimento, diversas pesquisas demonstram que, em grupos com a mesma ingestão calórica total, aqueles que consomem a maior parte das calorias pela manhã obtêm maior perda de peso do que aqueles que postergam as refeições (1). Aparentemente, comer tarde da noite impacta a regulação metabólica, influenciando a obesidade e comprometendo terapias de perda de peso (1).

Estudos em ratos indicam que concentrar as calorias no início do dia é mais eficaz para a perda de peso do que concentrá-las no final do dia. Um café da manhã com maior teor calórico foi capaz de modular os níveis hormonais de grelina, resultando em menor sensação de fome ao longo do dia (3). Um mecanismo proposto para explicar esse fenômeno é a alteração do perfil da microbiota intestinal (1).


Microbiota e Crononutrição

Manter a alimentação alinhada com a fase diurna (“eating in phase”) e prolongar o período de jejum noturno pode influenciar positivamente o microbioma, levando à redução da permeabilidade intestinal e à melhora da inflamação sistêmica (2). Um estudo demonstrou que a ingestão da refeição principal tardiamente altera a microbiota salivar, promovendo um perfil similar ao encontrado em indivíduos obesos, o que pode gerar inflamação e outros efeitos deletérios ao hospedeiro (1).


Implicações para Hipertrofia e Treinamento

A máxima resposta de síntese proteica é alcançada com aproximadamente 20g de proteína (1). A oxidação de leucina aumentou significativamente com o consumo de 20 a 40g de proteína, cerca de 10 minutos após o exercício (1). A questão reside na necessidade específica gerada pelo treino para otimizar essa resposta.


Referências Bibliográficas

  1. COLLADO, M. C. et al. Timing of food intake impacts daily rhythms of human salivary microbiota: A randomized, crossover study. FASEB J., v. 32, n. 4, p. 2060–2072, 2018.
  2. PAOLI, A. et al. The influence of meal frequency and timing on health in humans: The role of fasting. Nutrients, v. 11, n. 4, p. 1–19, 2019.
  3. SOFER, S.; STARK, A. H.; MADAR, Z. Nutrition Targeting by Food Timing: Time-Related Dietary Approaches to Combat Obesity and Metabolic Syndrome. Adv Nutr., v. 6, n. 2, p. 214–223, 2015.

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