Curcuma longa: Aspectos Farmacológicos e Aplicações Clínicas


Curcuma longa: Aspectos Farmacológicos e Aplicações Clínicas


Introdução

A Curcuma longa, popularmente conhecida como açafrão, tem sido amplamente estudada por suas diversas propriedades terapêuticas, especialmente devido aos seus compostos bioativos, os curcuminoides.


Nomenclatura e Morfologia

A Curcuma longa é uma planta cujo nome popular inclui açafrão e gengibre-dourado (1). É importante notar que existe outra planta também denominada açafrão, o que pode gerar confusão. A parte utilizada para fins medicinais é o rizoma (1).


Componentes Bioativos

Curcuminoides

Os curcuminoides, que são polifenóis, representam os constituintes majoritários da Curcuma longa, compreendendo cerca de 70% a 80% de sua composição. Dentre estes, a curcumina é o principal componente, correspondendo a aproximadamente 77%, seguida pela demetoxicurcumina (cerca de 17%) e pela bisdemetoxicurcumina (cerca de 3%), além de outros constituintes em menor proporção (1, 2).

A curcumina, também conhecida como diferuloilmetano, é um polifenol de coloração amarelo-alaranjada, derivado do rizoma da Curcuma longa (4). Este potente antioxidante tem sido associado a um menor risco cardiovascular, ao retardo da oncogênese e a efeitos benéficos no perfil lipídico (3). Um dos principais mecanismos de ação da curcumina reside na modulação de fatores de transcrição envolvidos na resposta inflamatória, como o NF-κB (3, 4).

Óleo Essencial

O óleo essencial do rizoma seco da Curcuma longa varia entre 1,5% e 5%. Este óleo é composto por álcoois sesquiterpênicos e cetonas, incluindo bisabolona, germacrona, α- e β-zingibereno e curcumeno. Também contém monoterpenoides como p-cimeno, β-felandreno, terpinoleno, p-cimen-8-ol, 1-8-cineol e borneol, além de diterpenoides e esteroides (1). Os sesquiterpenoides são os responsáveis pelo sabor aromático e odor característicos, sendo a ar-turmerona e a α-turmerona os principais (40%) presentes no óleo (1). A droga pode perder cerca de 0,5% do óleo essencial por ano quando estocada (1).


Propriedades Farmacológicas e Indicações Clínicas

Processo Inflamatório

A curcumina exibe uma ação multifacetada no processo inflamatório, atuando em diversos alvos biológicos. Sua atividade inclui a modulação de citocinas pró-inflamatórias, como as interleucinas IL-1β, IL-6, IL-8, IL-17, IL-18, o fator de necrose tumoral (TNF-α), o fator inibidor da leucemia (LIF), fatores de crescimento e transcricionais (STATs, NF-κB) e seus respectivos receptores. Além disso, influencia genes que regulam a proliferação e apoptose celular, enzimas envolvidas no metabolismo do ácido araquidônico (ciclo-oxigenases e lipo-oxigenases), óxido nítrico sintase induzida (iNOS) e metaloproteinases de matriz (MMPs) (1). Consequentemente, a curcumina atua como inibidor da síntese de prostaglandinas, estabilizador de membranas lipossomiais e inibidor da atividade de leucotrienos e do tromboxano B4 (1).

Resistência à Insulina

A Curcuma longa pode contribuir para a redução da hiperglicemia, possivelmente devido aos seus efeitos anti-inflamatórios e ao controle do estresse oxidativo (6). Adicionalmente, atua na modulação do excesso de ácidos graxos livres.

Osteoartrite

Estudos indicam que a Curcuma longa é equivalente ao ibuprofeno na redução da dor em casos de osteoartrite (1). Produtos à base de Curcuma longa têm sido crescentemente indicados para o tratamento de doenças degenerativas e inflamatórias que requerem manejo prolongado, incluindo aquelas que afetam o aparelho locomotor, como a osteoartrite (1).

Exercício Físico

A intensidade e duração do exercício físico podem desencadear estímulos inflamatórios, caracterizados pela expressão de citocinas como IL-8, IL-1 e TNF-α (4). As propriedades anti-inflamatórias da curcumina permitem a inibição da via de sinalização do NF-κB e a supressão da expressão de citocinas, atenuando, assim, o processo inflamatório (4). Em modelos animais, a suplementação de curcumina foi eficaz na redução das concentrações de interleucina 6, 1 e TNF-α após exercícios em esteira (4). Em seres humanos, a suplementação de 90 mg de curcumina pré-exercício, em associação com a dieta, foi capaz de atenuar marcadores de estresse oxidativo (4). Outro estudo demonstrou que a suplementação de 4 g/dia, iniciada dois dias antes e mantida por quatro dias após exercícios indutores de lesão muscular, reduziu a expressão de citocinas inflamatórias e marcadores indiretos como creatinoquinase (CK) e mioglobina (4). É importante ressaltar que não há evidências suficientes que comprovem os benefícios da curcumina na recuperação e no desempenho de atletas de elite (4).

Dislipidemias

Evidências sugerem que a Curcuma longa apresenta atividade no metabolismo lipídico, promovendo a redução do colesterol e lipídios totais, elevando o HDL-colesterol e diminuindo triglicerídeos, fosfolipídios e apolipoproteínas (1, 2). Contudo, esses achados são controversos, visto que outros estudos não observaram efeitos estatisticamente significativos da suplementação nos níveis de colesterol total, LDL-c, triglicerídeos e HDL-c (3). No entanto, foi observado que a suplementação nutricional de curcumina mitigou os efeitos adversos de uma dieta rica em gorduras, como o ganho de peso, dislipidemia e a expressão de citocinas inflamatórias e aterosclerose (3). Os mecanismos envolvidos podem incluir o aumento da adiponectina e a redução da resistina e leptina, a inibição de proteínas de ligação ao elemento regulador de esterol, ou a repressão da 11β-hidroxiesteroide desidrogenase (2). A curcumina também inibe a absorção de colesterol (NPC1L1), ativa o eixo AMPK-SIRT1-LXR e aumenta o receptor de LDL (inibindo PCSK9). Um estudo com 650 mg (95% de curcuminoides) três vezes ao dia demonstrou diminuição de triglicerídeos e LDL-c.

Atividade Antitrombótica

A curcumina isolada demonstrou atividade antitrombótica (1).

Condições Gástricas

Ensaios clínicos que avaliaram o uso da Curcuma longa em úlceras pépticas indicaram que sua administração oral promoveu a cicatrização da úlcera e a redução da dor abdominal (1). Estudos pré-clínicos sugerem que a Curcuma longa pode ser eficaz no tratamento de diversas condições gastrointestinais, incluindo dispepsias, síndrome do intestino irritável, colecistite e úlceras duodenais (1).

Hiperplasia Prostática Benigna

Em estudos com ratos, a cúrcuma demonstrou um efeito protetor similar ao da finasterida contra o aumento do volume e peso da próstata. Este mecanismo envolveu a diminuição da expressão de VEGF, TGF-β1 e IGF-1 (5).

Hipertensão Arterial

Na hipertensão, a cúrcuma atua por múltiplos mecanismos, incluindo o aumento da produção de óxido nítrico, a inibição do influxo extracelular de cálcio, a inibição da mobilização de cálcio dos estoques intracelulares e a inibição da PKC. Um estudo que administrou 2000 mg/dia por 12 semanas encontrou uma melhora na dilatação do vaso dependente do fluxo sanguíneo, resultando na diminuição da pressão arterial. Além disso, observou-se uma melhora na dilatação vascular dependente de óxido nítrico e a redução do estresse oxidativo. Para os efeitos sinérgicos na hipotensão, é mais vantajoso associar a cúrcuma ao cominho, em vez da pimenta-preta, que é frequentemente utilizada para aumentar sua biodisponibilidade.


Metabolismo e Biodisponibilidade

Observou-se que apenas uma dose de 3,6 g de curcumina é capaz de produzir concentrações detectáveis na urina e no tecido colorretal (1). Uma dose terapêutica de 400-600 mg, três vezes ao dia, corresponde a 60 g da raiz de cúrcuma fresca ou 15 g em pó, considerando que o teor de curcumina varia entre 4% e 5%. Para aumentar a biodisponibilidade, é recomendado o uso concomitante de pimenta-preta ou cominho. O calor pode reduzir a biodisponibilidade da curcumina em 27% a 53%, sendo aconselhável utilizá-la ao final do preparo.

Cureit

Cureit é uma formulação de curcumina que se destaca pela sua biodisponibilidade e bioeficiência. Possui propriedades analgésicas, potencial atividade anti-inflamatória e antioxidante, sendo indicada para o controle de diversas condições, como distúrbios inflamatórios, carcinogênese, doença de Alzheimer, endometriose, patogênese induzida pelo estresse oxidativo e doenças autoimunes, além de promover a melhora da permeabilidade intestinal. A dosagem usual recomendada é de 100 a 500 mg, divididos em duas tomadas diárias.


Posologia e Produtos Disponíveis

Posologia

  • Material fresco: 3-9 g/dia (1).
  • : 1,5-3 g/dia (1).
  • Decocção: 1-3 g do rizoma para 1 xícara (1).
  • Extrato fluido: 1:1 (g/mL) 0,5-3 mL (1).
  • Extrato seco (95% curcuminoides): 300-600 mg/dia (1).
  • Tintura vegetal: 40 gotas em 100 mL de água, duas vezes ao dia.
  • É recomendado incluir 1% de pimenta-preta (limitando a 10 mg/dia) para aumentar a biodisponibilidade.
  • Um grama de cúrcuma corresponde a 30-40 mg de curcumina.
  • A parte utilizada para extratos secos padronizados (95% de curcuminoides) é a raiz, com dosagem de 500-2000 mg/dia. Recomenda-se a administração junto a refeições contendo gordura, associada ao cominho ou pimenta-preta.

Produtos Disponíveis no Mercado

  • Extrato seco padronizado em 95% de curcumina.
  • Extrato seco.
  • Decocção.
  • Tintura.

Exemplo de Formulação Magistral

Fórmula 1:

  • Curcuma longa (raiz da cúrcuma) (extrato seco padronizado 95% de curcuminoides): 400 mg
  • Piper nigrum (semente de pimenta-preta) (extrato seco padronizado 98% de piperina): 4 mg
  • Excipiente qsp (celulose microcristalina) para 1 dose (cápsula transparente).

Instruções de Uso: Dispensar doses para 60 dias. Administrar duas vezes ao dia, no café da manhã e ao deitar.


Toxicidade, Contraindicações e Precauções

Estudos realizados em ratos e outros mamíferos não encontraram toxicidade associada à Curcuma longa (1). Pesquisas em humanos na Índia e em Taiwan também não observaram efeitos adversos (1). Alguns estudos indicam que a curcumina não é tóxica em doses de até 8000 mg/dia por três meses (1).

Existe a possibilidade de alteração da biodisponibilidade de outros medicamentos, como os betabloqueadores talinolol e celiprolol, e o midazolam (1). Especula-se que a curcumina possa interferir com a atividade de antagonistas de receptores histamínicos do tipo 2 (ranitidina) e de inibidores de bombas de prótons (omeprazol) (1). Alguns pesquisadores sugerem que a curcumina pode potencializar os efeitos hipoglicemiantes de antidiabéticos ou de agentes antilipêmicos (1).

A indicação da Curcuma longa deve ser cuidadosamente avaliada durante a gravidez, lactação e em crianças menores de 4 anos (1). O óleo essencial do açafrão, em altas doses, pode ser neurotóxico e abortivo (1). Efeitos gastrointestinais como diarreia e dores abdominais podem ocorrer nos primeiros dias de ingestão (1). A dose de toxicidade é de 6 g/dia por 4-7 semanas.


Referências Bibliográficas

  1. SAAD, G. A. de; LÉDA, P. H. de O.; SÁ, I. M.; SEIXLACK, A. C. Fitoterapia Contemporânea – Tradição e Ciência na Prática Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. p. 441.
  2. YUAN, F. et al. A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Controlled Trials on the Effects of Turmeric and Curcuminoids on Blood Lipids in Adults with Metabolic Diseases. Adv Nutr, v. 10, n. 5, p. 791–802, 2019.
  3. PHILIPPI, S. T.; PIMENTEL, C. V. de M. B.; ELIAS, M. F. Alimentos Funcionais e Compostos Bioativos. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. p. 893.
  4. LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. p. 262.
  5. KIM, S. K. et al. Inhibitory effect of curcumin on testosterone induced benign prostatic hyperplasia rat model. BMC Complement Altern Med, v. 15, n. 1, p. 380, 22 dez. 2015. Disponível em: http://bmccomplementalternmed.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12906-015-0825-y. Acesso em: 24 jun. 2025.
  6. GHORBANI, Z.; HEKMATDOOST, A.; MIRMIRAN, P. Anti-Hyperglycemic and Insulin Sensitizer Effects of Turmeric and Its Principle Constituent Curcumin. Int J Endocrinol Metab, v. 12, n. 4, 1 out. 2014. Disponível em: https://sites.kowsarpub.com/ijem/articles/17680.html.

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