Segunda Infância (3-6 anos) – Desenvolvimento Psicossocial – Estruturação do Self, Gênero e Dinâmicas Relacionais
Introdução
O desenvolvimento psicossocial na segunda infância é caracterizado pela emergência e consolidação do self, um constructo cognitivo complexo que evolui de autodefinições concretas para representações multidimensionais. Este período é marcado pela progressiva capacidade de autorregulação emocional, pelo refinamento das competências sociais e pela internalização de normas culturais e de gênero. A interação dinâmica entre a maturação neurobiológica e as influências ambientais molda a autoestima, o comportamento pró-social e os mecanismos de enfrentamento diante dos desafios evolutivos.
Desenvolvimento do Self
Autoconceito e o Desenvolvimento Cognitivo
O autoconceito refere-se ao quadro total das nossas capacidades e traços. Trata-se de uma construção cognitiva, um sistema de representações descritivas e avaliativas sobre a própria pessoa, que determina como o indivíduo se sente em relação a si mesmo e orienta as suas ações. O senso de identidade possui também um aspecto social intrínseco: a criança incorpora na sua autoimagem a crescente compreensão de como os outros a percebem. (1)
Mudanças na Autodefinição: A transição dos 5 para os 7 anos
A autodefinição das crianças — o modo como se descrevem — sofre alterações significativas entre os 5 e os 7 anos de idade, refletindo o desenvolvimento do autoconceito. (1)
Aos 4 anos, o pensamento da criança é marcadamente concreto. O foco recai sobre o que faz, a sua aparência, as suas preferências e as pessoas ou animais presentes na sua vida. Nesta fase, a criança mantém uma opinião positiva irrealista acerca das próprias habilidades e não compreende como emoções conflitantes podem coexistir simultaneamente. As declarações sobre si mesma são unidimensionais (ex.: “Eu gosto de pizza… Eu sou muito forte”). Ela não imagina ter duas emoções ao mesmo tempo, pois não consegue considerar diferentes aspectos do self em simultâneo. O seu pensamento é do tipo “tudo ou nada”. Consequentemente, não consegue reconhecer que a sua identidade real (quem ela é de fato) difere da sua identidade ideal (quem ela gostaria de ser). (1)
Por volta dos 5 ou 6 anos, a criança começa a estabelecer associações lógicas entre dois aspectos de si mesma. No entanto, a autoimagem permanece expressa em termos totalmente positivos, mantendo a lógica de “tudo ou nada”. Ela ainda não consegue conceber a possibilidade de ser competente em algumas áreas e noutras não. (1)
Na terceira infância (por volta dos 7 anos), a criança descreve-se em traços gerais, como “popular”, “inteligente” ou “tola”. Começa a integrar aspectos específicos da sua identidade num conceito geral e multidimensional. Reconhece que pode vivenciar emoções conflitantes e desenvolve autocrítica, ao mesmo tempo que sustenta um autoconceito geral positivo. À medida que o pensamento do tipo “tudo ou nada” declina, as autodescrições tornam-se mais equilibradas e realistas (ex.: “Eu sou bom no hóquei, mas sou ruim em matemática”). (1)
Nota: Embora as autodescrições se tornem mais precisas com a idade, mesmo os adultos tendem a superestimar irrefletidamente as suas qualidades positivas. Paradoxalmente, os indivíduos clinicamente deprimidos são frequentemente os que apresentam autoavaliações mais exatas. (1)
Diferenças Culturais na Autodefinição
A cultura desempenha um papel fundamental na modelagem do entendimento do self. Uma dimensão cultural importante — individualismo versus coletivismo — impacta a compreensão do self em relação aos outros. (1)
- Culturas Individualistas (ex.: EUA): Os indivíduos são considerados separados uns dos outros; a independência e a autoconfiança são altamente valorizadas. (1)
- Culturas Coletivistas (ex.: Índia e China): Considera-se que existe uma inter-relação fundamental entre os indivíduos; a coesão e a harmonia do grupo precedem as preocupações individuais. (1)
As crianças absorvem estes estilos culturais de autodefinição precocemente, por volta dos 3 ou 4 anos, e as diferenças acentuam-se com a idade. Tais distinções evidenciam-se até nos desenhos infantis: crianças de culturas onde a autonomia e a autoexposição são valorizadas tendem a desenhar-se maiores, enquanto crianças de culturas que priorizam a inter-relação e conexões sociais desenham-se menores. (1)
Autoestima
A autoestima constitui a vertente autoavaliativa do autoconceito, representando o julgamento que a criança faz sobre o seu valor geral. Baseia-se, em parte, na crescente capacidade cognitiva da criança de se descrever e definir. (1)
Mudanças no Desenvolvimento da Autoestima
Embora as crianças geralmente não verbalizem um conceito de valor pessoal antes dos 8 anos, as crianças mais novas demonstram possuí-lo através do seu comportamento. Apesar das diferenças individuais, a maioria das crianças pequenas superestima radicalmente as próprias habilidades, apresentando uma autoestima sem base na realidade. Isto ocorre, em parte, porque a autoestima resulta do feedback recebido de outras pessoas, e os adultos tendem a oferecer feedback positivo e não crítico. (1)
Adicionalmente, a autoestima nesta fase tende a ser unidimensional; as crianças acreditam ser completamente boas ou completamente más. A partir da terceira infância, a autoestima torna-se mais realista, à medida que as avaliações pessoais de competência, baseadas na internalização dos padrões parentais e sociais, passam a moldar e manter um senso de valor pessoal. (1)
Autoestima Contingente: O Padrão “Incapaz”
A forma como o elogio é oferecido impacta a autoestima:
- Elogio ao esforço: Se a criança é elogiada pelo esforço e fracassa, a conclusão lógica é que não se esforçou o suficiente. Isso pode motivá-la a dedicar-se mais na próxima tentativa. (1)
- Elogio à habilidade inerente: Se a criança é elogiada por ser “inteligente” e fracassa, a conclusão lógica é que já não é esperta. A motivação para o esforço é eliminada. (1)
Crianças cuja autoestima é contingente ao sucesso tendem a sentir-se desmoralizadas perante o fracasso, atribuindo-o às suas deficiências, que acreditam ser incapazes de mudar (padrão “incapaz”). Por outro lado, crianças com autoestima não contingente tendem a atribuir o fracasso a fatores externos ou à necessidade de maior esforço. (1)
Crianças que acreditam no sucesso através da tentativa, que apreciam desafios e confiam na sua capacidade de enfrentamento, geralmente possuem pais que elogiam os seus esforços (não as habilidades inerentes) e que privilegiam o feedback específico e focado em detrimento de elogios genéricos. (1)
Regulando Emoções
A capacidade de regular ou controlar os próprios sentimentos é um dos avanços cruciais da segunda infância. A autorregulação emocional auxilia as crianças a guiarem o seu comportamento e a ajustarem as suas respostas para atender às expectativas sociais. (1)
Este desenvolvimento ocorre lentamente, transitando da dependência inicial de processos de orientação apoiados pelas áreas parietal e frontal do cérebro para o controle emocional mediado pelas redes frontais no giro cingulado anterior. (1)
A cultura exerce influência significativa: culturas individualistas (ex.: EUA) tendem a valorizar a livre expressão das emoções, enquanto culturas asiáticas com valores coletivistas tendem a reprimir a expressão de emoções negativas. (1)
Compreendendo Emoções
A compreensão emocional parece evoluir de forma ordenada e hierárquica:
- Por volta dos 5 anos: As crianças compreendem os aspectos públicos das emoções. Entendem o que causa tristeza ou felicidade nos outros, como essas emoções se manifestam e que a rememoração de eventos passados pode reativar a emoção. (1)
- Entre os 4 e 5 anos: A maioria reconhece expressões faciais de alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo. As meninas tendem a apresentar um desempenho ligeiramente superior ao dos meninos. Reconhecem também emoções refletidas em sinais vocais e postura corporal (ex.: ombros caídos indicando tristeza). (1)
- Por volta dos 7 anos: Começam a compreender que estados mentais podem provocar emoções. Entendem a dissociação entre o sentir e o parecer (expressão facial vs. sentimento real). Compreendem também que crenças (mesmo que falsas) e desejos (mesmo que divergentes dos seus) afetam o estado emocional de outrem. (1)
Compreensão das Emoções Direcionadas a Si Mesmo
As emoções sociais envolvem a comparação do self e das próprias ações com padrões sociais. As emoções direcionadas a si próprio — como a culpa, a vergonha e o orgulho — desenvolvem-se normalmente ao final do terceiro ano, após a aquisição da autoconsciência e a aceitação dos padrões de comportamento estabelecidos pelos pais, exigindo a consideração do ponto de vista alheio. (1)
Erikson: Iniciativa versus Culpa
A necessidade de lidar com sentimentos conflitantes sobre o self constitui a essência do terceiro estágio do desenvolvimento psicossocial identificado por Erikson: Iniciativa vs. Culpa. (1)
As crianças em idade pré-escolar querem e conseguem fazer cada vez mais. Simultaneamente, aprendem que algumas ações são aprovadas socialmente e outras não. Este conflito divide a personalidade em duas partes: a que permanece criança (exuberante, ansiosa por testar novos poderes) e a que está a tornar-se adulta (examinando a propriedade dos motivos e ações). Crianças que aprendem a regular estes impulsos conflitantes desenvolvem a “virtude” do Propósito: a coragem de imaginar e buscar metas sem serem indevidamente inibidas pela culpa ou pelo medo da punição. (1)
Gênero
A identidade de gênero, a consciência de ser do sexo feminino ou masculino e tudo o que isso implica na sociedade de origem, é um aspecto central do autoconceito. (1)
Diferenças de Gênero
As diferenças mensuráveis entre bebês meninos e meninas são escassas. Embora algumas se tornem mais pronunciadas após os 3 anos, em média, meninos e meninas apresentam mais semelhanças do que diferenças. (1)
- Físico: Meninos apresentam nível de atividade mais alto, desempenho motor superior (especialmente após a puberdade) e maior propensão à agressividade física. Estas diferenças impactam a natureza das brincadeiras: meninos participam em brincadeiras mais impetuosas e fisicamente ativas. (1)
- Cognição: As diferenças são poucas e pequenas, afetadas pelas características da tarefa; não parece haver diferenças na inteligência geral. O desempenho em testes de matemática tende a ser similar. (1)
- Linguagem: Meninas, em geral, demonstram vantagem verbal (começam a falar antes, falam mais e combinam palavras mais cedo). Meninos têm maior probabilidade de gaguejar ou sofrer déficits de leitura. (1)
Perspectivas do Desenvolvimento de Gênero
- Papéis de gênero: Comportamentos, interesses, atitudes, habilidades e traços de personalidade que uma cultura considera apropriados para homens e mulheres. Historicamente, mulheres eram associadas ao cuidado da casa/filhos (obedientes, sustentadoras) e homens à provisão/proteção (ativos, agressivos, competitivos). Atualmente, estes papéis são mais diversos e flexíveis. (1)
- Tipificação de gênero: Processo de socialização pelo qual a criança aprende a apropriar-se dos papéis de gênero. (1)
- Estereótipo de gênero: Generalizações preconcebidas sobre o comportamento masculino ou feminino. (1)
Teorias sobre o Desenvolvimento de Gênero
| Abordagem | Principais Teóricos | Processos Básicos | Crenças Básicas |
| Biológica | – | Atividade genética, neurológica e hormonal. | Muitas diferenças comportamentais atribuem-se a diferenças biológicas. |
| Evolucionista | Charles Darwin | Seleção sexual e natural. | A criança desenvolve papéis de gênero preparando-se para a reprodução adulta. |
| Psicanalítica | Sigmund Freud | Resolução de conflito emocional inconsciente. | A identidade estabelece-se quando a criança se identifica com o genitor do mesmo sexo. |
| Cognitiva (Desenv.) | Lawrence Kohlberg | Autocategorização. | Ao aprender que é menino/menina, a criança separa a informação e age conforme o gênero. |
| Esquema de Gênero | Sandra Bem, Carol Martin, etc. | Autocategorização baseada no processamento de informações culturais. | A criança organiza informações sobre o que é apropriado culturalmente para cada sexo (esquema). |
| Aprendizagem Social | Albert Bandura, Walter Mischel | Observação de modelos, reforço. | A criança combina observações de comportamentos e cria variações comportamentais próprias. |
Abordagem Biológica
Existem evidências de explicações neurológicas, hormonais e evolucionistas. Diferenças entre meninos e meninas são influenciadas pela anatomia cerebral. (1)
- Hormônios: Níveis mais altos de testosterona fetal ligam-se a brincadeiras tipicamente masculinas. A testosterona associa-se à competição por status e dominância. (1)
- Hiperplasia Congênita da Suprarrenal (CAH): Meninas com altos níveis pré-natais de andrógenos tendem a preferir brinquedos de menino, brincadeiras ríspidas, colegas masculinos e demonstram acentuadas habilidades espaciais. (1)
- Estrogênios: Parecem ter menos influência sobre o comportamento típico de gênero dos meninos. (1)
- Caso de Estudo: Um estudo com 14 crianças geneticamente masculinas (sem pênis normal, mas com testículos), atribuídas cirurgicamente e criadas como meninas, revelou que, com o tempo, 8 declararam-se masculinos, 5 declararam identidade feminina (mas com dificuldades de adaptação) e 1 recusou discutir o assunto. Casos semelhantes sugerem que a identidade de gênero tem raízes biológicas fortes e não é facilmente alterada, sendo também influenciadora na disparidade entre gênero e sexo em pessoas transgênero. (1)
Abordagem Evolucionista
Considera o comportamento de gênero biologicamente influenciado e adaptativo. Segundo a teoria da seleção sexual de Darwin, a escolha de parceiros responde a pressões reprodutivas ancestrais.
- Homens: Valorizam a coragem física e a competição (recursos/posição social) para atrair parceiras, procurando múltiplas parceiras para maximizar a herança genética. (1)
- Mulheres: Investem mais tempo/energia na gravidez e procuram companheiros que permaneçam e sustentem a prole, valorizando a sobrevivência de cada filho. (1)
Abordagem Cognitiva
A criança compreende o gênero pensando ativamente sobre ele. (1)
Teoria Cognitivo-Desenvolvimental de Kohlberg
O conhecimento de gênero (“eu sou menino”) precede o comportamento (“gosto de coisas de menino”). A aquisição dos papéis depende da constância de gênero (percepção de que o gênero é imutável). Estágios: (1)
- Identidade de gênero: Consciência do próprio gênero e dos outros (2-3 anos). (1)
- Estabilidade de gênero: Consciência de que o gênero não muda, embora o julgamento possa basear-se em aspectos superficiais (roupa/cabelo). (1)
- Consistência de gênero: Percepção de que o gênero permanece independente da aparência externa (3-7 anos).Embora a teoria preveja que a consistência precede a tipificação, as crianças demonstram preferências típicas de gênero muito antes da fase final de constância. No entanto, a constância aumenta a atenção a informações relevantes ao gênero. (1)
Teoria do Esquema de Gênero
Enfatiza a influência da cultura. A criança desenvolve um conceito (esquema) do que significa ser homem ou mulher na sua cultura e ajusta o seu comportamento a essa visão (“o que meninos/meninas devem fazer”). O estereótipo pode diminuir à medida que a criança aprende mais sobre os gêneros. (1)
Abordagem da Aprendizagem Social
Tradicionalmente (Walter Mischel), as crianças adquirem papéis imitando modelos e sendo recompensadas por comportamento apropriado. O comportamento precede o conhecimento (“sou recompensado por fazer coisas de menino, logo, devo ser menino”). (1)
Teorias mais recentes destacam a socialização (interpretação de experiências com pais, professores, pares, cultura). (1)
Influência Familiar
Meninos são socializados mais acentuadamente do que as meninas, especialmente nas brincadeiras. O genitor masculino tende a demonstrar mais desconforto se o menino brincar com bonecas. Pais tradicionais tendem a ter filhos com tipificação mais forte. O envolvimento do pai no trabalho doméstico associa-se a menor tipificação. (1)
Irmãos: Segundos filhos tendem a assemelhar-se aos irmãos mais velhos; primogênitos são mais influenciados pelos pais. (1)
Influência dos Colegas
Crianças pré-escolares brincam em grupos segregados por sexo, reforçando comportamentos tipificados. A influência dos pares aumenta com a idade. A atipicidade de gênero pode levar à vitimização, embora amigos possam servir de proteção. (1)
Influências Culturais
Livros e filmes perpetuam estereótipos (homens protagonistas; mulheres jovens, belas e inteligentes). (1)
Brincadeira
O brincar é o contexto de grande parte da aprendizagem, contribuindo para todos os domínios do desenvolvimento. (1)
Níveis Cognitivos do Brincar
- Jogo Funcional (Locomotor): Prática repetida de movimentos dos grandes músculos (ex.: rolar bola). Início na primeira infância. (1)
- Jogo Construtivo (com objetos): Uso de materiais para criar algo (ex.: blocos, desenho). (1)
- Jogo Dramático (Faz de conta/Fantasia): Envolve objetos/ações/papéis imaginários. Fortalece o desenvolvimento de conexões densas no cérebro e a capacidade para pensamento abstrato. Associa-se à competência social, linguística e Teoria da Mente (entender ideias de outros). (1)
- Jogos Formais: Jogos organizados com regras e penalidades (ex.: esconde-esconde). Comum na idade escolar. (1)
A Dimensão Social do Brincar (Mildred B. Parten)
Parten identificou seis tipos de brincadeira que evoluem com a idade, tornando-se mais interativos e cooperativos:
- Comportamento de desocupação: A criança observa algo de interesse momentâneo, sem brincar. (1)
- Comportamento de observação: Observa outros a brincar, pode conversar, mas não participa. (1)
- Jogo independente solitário: Brinca sozinha com brinquedos diferentes dos das crianças próximas, sem esforço de aproximação. (1)
- Jogo paralelo: Brinca independentemente ao lado de outras crianças, com brinquedos parecidos, sem tentar influenciar os outros. (1)
- Jogo associativo: Conversam, trocam brinquedos, seguem-se mutuamente. Não há divisão de trabalho ou meta organizada. O interesse é estar perto, não na atividade em si. (1)
- Jogo suplementar cooperativo ou organizado: Grupo organizado com um objetivo (fazer algo, jogo formal, dramatização). Uma ou duas crianças dirigem; há papéis diferentes e suplementação de esforços. (1)
O jogo solitário pode indicar timidez/ansiedade, mas também preferência pessoal. A preferência pela solidão não está necessariamente associada a desfechos negativos. (1)
Amigos Imaginários
Comum no jogo dramático, especialmente em primogênitos, filhos únicos e meninas. Crianças com amigos imaginários distinguem fantasia de realidade, brincam de forma mais cooperativa/imaginativa e têm melhor desempenho em tarefas de falsa crença, memória de trabalho e controle de atenção. (1)
Gênero e Brincadeira
A segregação sexual é universal e aumenta na terceira infância. Crianças repreendem o uso de brinquedos “errados”. (1)
- Meninas: Preferem outras meninas, atividades estruturadas, supervisionadas, focadas em relacionamentos e cuidados. (1)
- Meninos: Preferem outros meninos, brincadeiras impetuosas, perigo, discórdia, competição e papéis dominantes. O brincar é mais estereotipado do que nas meninas.Em grupos mistos, a brincadeira tende a girar em torno de atividades tradicionalmente masculinas. Filhos de casais homossexuais apresentam brincadeiras menos estereotipadas. (1)
Cultura e Brincadeiras
Valores culturais ditam a importância do brincar. No Ocidente, é visto como essencial. Em culturas orientais (ex.: chinesa, coreana), pode ser menos valorizado em detrimento de atividades acadêmicas. (1)
A cultura influencia a interação entre pares: crianças que representam valores culturais (ex.: independência no Ocidente vs. harmonia no Oriente) são mais aceitas pelos colegas. (1)
Parentalidade
Formas de Disciplina
Disciplina refere-se aos métodos de moldar o caráter, ensinar autocontrole e comportamento aceitável. Inclui punição, mas também recompensa e conscientização sobre o impacto das ações nos outros. (1)
Reforço e Punição
As crianças aprendem mais com o reforço do bom comportamento (tangível ou intangível/social) do que com a punição. O reforço deve ser consistente para gerar, eventualmente, um reforço interno (prazer/realização). (1)
A punição (isolamento, negação de privilégios) pode ser necessária em situações de perigo ou agressão, se for coerente, imediata, calma, privada e visar a obediência, não a culpa. Deve-se clarificar qual o comportamento desejado. (1)
Punição severa e frequente pode levar a problemas de interpretação de intenções (ver hostilidade onde não há) e comportamentos externalizantes. A eficácia varia com o temperamento da criança (influência bidirecional). (1)
Castigo Corporal: Evidências sugerem que é contraproducente e deve ser evitado. Associa-se a risco de ferimento, falha na internalização moral, agressividade, comportamento antissocial, problemas de saúde mental futura e perpetuação do abuso. Associa-se negativamente ao desenvolvimento cognitivo. Não há linha clara entre espancamento leve e severo. (1)
Raciocínio Indutivo, Afirmação de Poder e Retirada do Amor
- Técnicas Indutivas: Encorajam comportamento desejável explicando consequências lógicas, discutindo, negociando e apelando à empatia. Geralmente é o método mais eficaz para internalização de padrões. (1)
- Afirmação de Poder: Uso de controle físico ou verbal para interromper comportamentos.
- Retirada do Amor: Ignorar, isolar ou mostrar desagrado.As duas últimas são menos eficazes e podem ser prejudiciais. (1)
Estilos de Parentalidade (Modelo de Baumrind)
- Parentalidade Autoritária: Ênfase no controle e obediência inquestionável. Punição rigorosa, menos carinho. Filhos tendem a ser descontentes, retraídos e desconfiados. (1)
- Parentalidade Permissiva: Ênfase na autoexpressão/autorregulação. Poucas exigências, raramente punem. Filhos tendem a ser imaturos, com pouco autocontrole e pouca exploração. (1)
- Parentalidade Autoritativa (Democrática): Ênfase na individualidade com limites. Pais amorosos, mas firmes. Filhos tendem a ser autoconfiantes, autocontrolados, exploradores e satisfeitos.
- Negligente/Omisso: Pais focados nas próprias necessidades (estresse/depressão). (1)
Nota: Os achados de Baumrind são correlacionais, não estabelecendo causalidade direta. (1)
Questões Comportamentais Especiais
Comportamento Pró-Social
Surge cedo (antes dos 2 anos). Aos 3 anos, crianças com melhor entendimento emocional e Teoria da Mente são mais pró-sociais. Diferenças individuais estáveis sugerem influências genéticas, mas o ambiente é crucial: pais afetuosos que usam disciplina indutiva e indicam modelos positivos (histórias, filmes) fomentam este comportamento. (1)
Agressividade
- Agressão Instrumental: Uso da agressão para atingir um objetivo (comum entre 2,5 e 5 anos). Crianças que mais brigam tendem a ser as mais sociáveis. Evolui de física para verbal com o desenvolvimento da linguagem e autocontrole. (1)
- Diferenças de Gênero: Meninos são mais agressivos física e verbalmente (agressão explícita/direta) em todas as culturas, aparente desde os 2 anos. Meninas recorrem mais à agressão relacional/social (sutil: prejudicar relacionamentos, reputação, ostracismo, manipulação). (1)
- Influências: Temperamento emotivo, baixo autocontrole. Agressividade social é muito influenciada pelo ambiente. Comportamentos parentais manipulativos (retirada de amor, culpa) estimulam a agressividade social. Fatores de risco incluem clima familiar estressante, disciplina severa, falta de afeto materno, violência urbana e pobreza. (1)
Medo
Medos passageiros são comuns. (1)
- 2-4 anos: Medo de animais (cães, cobras, aranhas). Origem na fantasia e confusão fantasia/realidade (ex.: monstros). (1)
- 6 anos: Medo do escuro, medos mais realistas (sequestro) e autoavaliativos (provas).Medos ligam-se a eventos vivenciados (ex.: medo de agulhas vs. facas). A aquisição de autonomia e capacidade de previsão reduz o medo.Intervenção: Pais devem incutir confiança e cautela normal, modelar comportamento positivo e evitar ridicularização, coerção ou persuasão lógica ineficaz (“o urso está a 30km”). (1)
Relacionamento com Outras Crianças
Embora os adultos sejam as figuras centrais, o relacionamento com irmãos e pares ganha importância na segunda infância. (1)
Relacionamento entre Irmãos
As primeiras brigas (frequentes e intensas) ocorrem por direitos de propriedade ou acesso à mãe. Conflitos são comuns: irmãos de 2 a 4 anos têm, em média, 7,65 disputas por hora. (1)
Apesar disso, a rivalidade não é o padrão principal no início da vida; o comportamento pró-social e orientado para o brincar é mais comum do que a hostilidade. O brincar de “faz de conta” cria um histórico de entendimentos compartilhados. (1)
Com a idade, a interação torna-se menos física e mais verbal (agressão e afeto). Irmãos mais velhos tendem a dominar; a qualidade da relação depende mais do ajustamento do mais velho. A qualidade da relação fraterna tende a transferir-se para o relacionamento com outras crianças. (1)
Filho Único
O estereótipo de que filhos únicos são egoístas, solitários ou mimados parece ser falso. Uma meta-análise de 115 estudos revela que a maioria se sai bem. (1)
Comparativamente a crianças com irmãos, os filhos únicos tendem a:
- Ter desempenho acadêmico e sucesso no trabalho ligeiramente superior. (1)
- Ser mais motivados para realizações. (1)
- Ter uma autoestima levemente mais alta. (1)
- Não diferir em ajustamento emocional, sociabilidade ou popularidade.Isto deve-se ao fato de os pais focarem mais atenção neles, conversarem mais e esperarem mais deles do que pais com múltiplos filhos (onde o tempo individual é diluído).Um estudo com 4 mil crianças (3ª e 6ª série) mostrou que as diferenças de personalidade entre filhos únicos e crianças com irmãos eram poucas. (1)
Referências Bibliográficas:
1- PAPALIA, Diane E.; MARTORELL, Gabriela. Desenvolvimento humano. 14. ed. Porto Alegre: AMGH, 2022.