O Manejo Clínico do Diabetes Mellitus Tipo 1: Aspectos Fisiopatológicos, Terapêuticos e Nutricionais


O Manejo Clínico do Diabetes Mellitus Tipo 1: Aspectos Fisiopatológicos, Terapêuticos e Nutricionais


Introdução

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é um distúrbio metabólico crônico caracterizado por hiperglicemia persistente, resultante da deficiência de insulina devido à destruição autoimune das células beta pancreáticas.


Fisiopatologia e Prevalência do DM1

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica autoimune que leva à destruição das células beta do pâncreas, prejudicando a secreção de insulina e a homeostase da glicose (8). Essa destruição resulta em uma deficiência completa de insulina (1), o que predispõe os pacientes à cetoacidose. O DM1 representa 5-10% do total de casos de diabetes (9).

A hiperglicemia crônica, um pilar da fisiopatologia do DM1, provoca um aumento na oxidação mitocondrial e na produção de espécies reativas de oxigênio (EROs). Além disso, níveis reduzidos de glutationa e outros antioxidantes são frequentemente observados (7). A exposição prolongada à hiperglicemia, por anos ou décadas, culmina em complicações crônicas, muitas vezes irreversíveis (1). Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nessas complicações incluem a formação de produtos finais de glicação avançados (AGEs), o aumento do estresse oxidativo celular e a toxicidade da glicose e dos ácidos graxos, que em conjunto ativam vias patogênicas (6,9). As principais lesões macro e microvasculares resultam na formação de placas, estreitamento dos vasos sanguíneos e lesão isquêmica nos tecidos dos órgãos-alvo (1,6).


Conduta Clínica e Metas Glicêmicas no DM1

O controle glicêmico é primordial no manejo do DM1, e não há uma proporção ideal de macronutrientes. Se a perda de peso for necessária, ela deve ser promovida. Recomenda-se aumentar o consumo de fibras para 30-50g/dia e incluir fontes de proteínas em todas as refeições. Alimentos como canela, gengibre, cacau e brássicas, além de produtos lácteos, especialmente os fermentados e probióticos, podem ser incorporados à dieta. A substituição do açúcar por adoçantes também é indicada. A suplementação de creatina e ômega-3 pode ser útil. É fundamental ajustar a dosagem de carboidratos à dosagem de insulina.

O principal objetivo do tratamento para o DM1 é coordenar e equilibrar o aporte calórico, tanto em termos temporais quanto quantitativos, conforme a quantidade de insulina, de modo que a razão insulina/carboidratos determine a dosagem necessária (8).

Para pacientes com DM1, as metas glicêmicas visam eliminar os sintomas relacionados à hiperglicemia, reduzir e/ou controlar as complicações micro e macrovasculares de longo prazo, e melhorar a qualidade de vida do indivíduo (8). Geralmente, os sintomas regridem quando a glicemia plasmática atinge valores inferiores a 200 mg/dL (11 mmol/L) (8).

A Hemoglobina Glicada (HbA1c) é considerada o padrão ouro para avaliar o controle metabólico em pacientes com DM1 (2). A determinação da HbA1c permite avaliar os níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses, pois a glicose sanguínea se liga de forma irreversível à hemoglobina durante o tempo de vida da hemácia (aproximadamente 120 dias) (2).

As recomendações de meta de HbA1c para adultos com DM1 variam entre 6,5% a 7%, dependendo da sociedade científica (2). No entanto, na presença de comorbidades como insuficiência renal ou hepática, a meta glicêmica pode ser ligeiramente mais elevada devido ao maior risco de hipoglicemia (2).

É importante notar que a meta glicêmica ideal é frequentemente difícil de ser alcançada pela maioria dos pacientes (8). Contudo, qualquer melhora no controle glicêmico, independentemente do nível de hiperglicemia, reduz o risco de complicações específicas do diabetes, particularmente as microvasculares (8).

Critérios mais rigorosos, como HbA1c < 6,5%, glicemia pré-prandial de 110 mg/dL e glicemia pós-prandial abaixo de 180 mg/dL, podem ser considerados para pacientes com DM1 sem risco significativo de hipoglicemia (9). Para indivíduos idosos ou com múltiplas comorbidades, uma meta glicêmica mais elevada, até 8-8,5% de HbA1c, pode ser mais apropriada (8). Uma HbA1c média de 7% corresponde a uma glicemia média de 154 mg/dL (2).

A tabela a seguir apresenta as metas glicêmicas para DM1, adaptadas de Brasileira et al. (2020):

Glicemia (mg/dL)Sem DiabetesCrianças e Adolescentes DM1Adultos DM1
Jejum ou pré-prandial65 a 10070 – 14570 a 130
Pós-prandial80 a 12690 – 180<180
Ao deitar80 a 100120 a 180
Na madrugada65 a 10080 a 162

Exames para Acompanhamento do DM1

O acompanhamento do paciente com DM1 inclui:

  • Hemoglobina glicada (HbA1c): Avaliar 2-4 vezes ao ano; se controlada, 2 vezes ao ano; se descontrolada, 4 vezes ao ano (8).
  • Lipidograma: Anual (8).
  • Exames oftalmológicos relacionados ao diabetes: Anual (8).
  • Exame dos pés: 1-2 vezes ao ano (8).
  • Avaliação de neuropatia e nefropatia: Anual (8).
  • Avaliação da pressão arterial: 4 vezes ao ano (8).
  • Automonitoração da glicemia.

Tratamento Médico do DM1

A insulinoterapia é o tratamento de escolha para o paciente com DM1, sendo indicada desde as fases iniciais da doença, com pelo menos duas administrações diárias de insulina (9). As necessidades diárias de insulina são ajustadas com base na monitoração glicêmica (9).

No início do quadro de DM1, a necessidade diária de insulina gira em torno de 0,8 U/kg. Após a estabilização inicial, devido à produção residual de insulina, essa necessidade pode diminuir para 0,4-0,6 U/kg (9). Ao final do primeiro ano de DM1, a necessidade geralmente se estabiliza em torno de 1 U/kg, sendo que na puberdade, devido à ação dos hormônios sexuais, essa necessidade pode aumentar para até 1,5 U/kg (9).

As preparações de insulina são classificadas por sua duração de ação (curta, longa ou intermediária) quando administradas por via subcutânea. O perfil farmacocinético dessas preparações visa substituir os componentes da secreção fisiológica de insulina: basal ou pós-alimentar. Insulinas rápidas ou de ação curta são utilizadas para diminuir a elevação da glicemia pós-prandial, enquanto as de ação longa visam substituir a insulinemia basal e controlar a hipoglicemia noturna e de jejum (9).

Agentes hipoglicemiantes orais, além da insulina, não são indicados para o DM1 (8).


Terapia Nutricional no DM1

O consumo de café/cafeína pode influenciar o controle glicêmico. Pacientes com DM1 que consomem café em excesso podem apresentar sintomas mais graves (8). A ingestão de glicose combinada com café demonstrou uma redução de 40% na sensibilidade à insulina e elevação dos níveis sanguíneos de glicose (7). Observou-se também um aumento nos níveis de epinefrina e norepinefrina, sugerindo que a epinefrina, um hormônio contrarregulador da insulina, pode contribuir para a redução da sensibilidade à insulina (7). Contudo, o consumo de café também tem sido associado a um melhor controle glicêmico noturno (7).


Atletas com Diabetes Mellitus Tipo 1

Indivíduos com DM1 são mais propensos à hiperglicemia ou hipoglicemia durante o exercício físico, dependendo da glicemia plasmática pré-atividade, dos níveis de insulina e das catecolaminas induzidas pelo exercício (8).

Para minimizar esses efeitos, recomenda-se:

  • Monitorar a glicemia antes, durante e após o exercício (8).
  • Adiar o exercício se a glicemia for superior a 250 mg/dL e houver presença de cetonas (8).
  • Ingerir carboidratos se a glicemia for inferior a 100 mg/dL (8).
  • Reduzir as doses de insulina antes do exercício (8).
  • Evitar a aplicação de insulina diretamente nas regiões que serão exercitadas (8).
  • Aprender as respostas glicêmicas individuais a cada tipo de exercício (8).

Desafios Metabólicos para Atletas com DM1

O exercício aumenta rapidamente a captação de glicose pelo músculo em atividade, independentemente da ação da insulina (10). Durante um exercício de resistência, a secreção de insulina em indivíduos saudáveis diminui, enquanto a captação de glicose aumenta, pois o próprio exercício estimula a translocação de receptores GLUT4 para a superfície celular (10).

Em diabéticos, se a alimentação pré-exercício for inadequada, o exercício pode levar a uma rápida diminuição da glicemia (1). O principal risco associado ao exercício prolongado para diabéticos é a possível queda da glicemia para níveis abaixo da faixa normal de 4-6 mM (10). Uma queda drástica (<3 mM) e sustentada pode causar fadiga, palidez, dificuldade de concentração, desmaios, perda de consciência, convulsões e coma (10).

Os sintomas iniciais da hipoglicemia incluem tremores, tontura, sudorese, fome, irritabilidade, ansiedade e cefaleia (10). Exercícios de alta intensidade e curta duração, como corridas curtas, HIIT e exercícios de resistência intensos, podem induzir hipoglicemia em indivíduos com DM1 (10).

A resposta hormonal ao exercício predominantemente anaeróbio em diabéticos é semelhante à de indivíduos não diabéticos. As catecolaminas elevadas promovem a liberação de glicose hepática, o que, na presença de baixa insulina, pode resultar em leve hiperglicemia durante o exercício. No entanto, os níveis de insulina em diabéticos não se elevam como em não diabéticos após o exercício, o que pode levar a uma hiperglicemia sustentada pós-exercício (10).

Um problema comum, tanto para exercícios intensos de curta duração quanto para exercícios de resistência mais prolongados, é o desenvolvimento de hipoglicemia tardia, que pode ocorrer de 6 a 15 horas após o exercício. Isso pode ser atribuído ao recrutamento de transportadores de glicose GLUT4 para a superfície celular, que favorece a captação de glicose no músculo para a ressíntese de glicogênio (1). Embora essencial para a reposição das reservas de glicogênio e para o desempenho em exercícios subsequentes, em indivíduos com diabetes, essa captação pode causar hipoglicemia, especialmente durante o sono se o exercício for realizado à tarde, quando o reconhecimento é menos provável (10).

Estratégias Nutricionais na Prevenção da Hipoglicemia em Atletas com DM1

Para minimizar o risco de hipoglicemia durante o exercício prolongado, recomenda-se consumir uma refeição pobre em gordura e rica em carboidratos (pelo menos 1 g/kg) de 1 a 3 horas antes do exercício, e reduzir em 30-50% a dose usual de insulina pós-refeição (10). Os alimentos escolhidos devem ter um baixo índice glicêmico (10).

O atleta deve verificar seus níveis de glicemia cerca de 1 hora antes do exercício para garantir que estejam dentro da faixa-alvo (10). Se a glicemia estiver muito baixa, recomenda-se consumir uma refeição ou lanche contendo 15-20g de carboidratos antes de iniciar o exercício (10).

Se o exercício durar 1 hora ou mais, carboidratos extras devem ser ingeridos durante a sessão, na taxa de 30-60 g/h (ou mais, se a dose de insulina não tiver sido reduzida após a última refeição antes do exercício) (10). Durante o exercício, géis, bebidas esportivas e barras de granola podem fornecer uma fonte rápida de glicose (10).

Após o exercício prolongado, é crucial restaurar as reservas de glicogênio hepático e muscular para diminuir o risco de hipoglicemia subsequente, seguindo as diretrizes de nutrição esportiva usuais para a recuperação pós-exercício (10). A refeição pós-treino deve ser acompanhada da administração apropriada de insulina. O atleta deve considerar diminuir o bolo de insulina em cerca de 50% para minimizar o risco de hipoglicemia noturna (10). O exercício de intensidade moderada ou alta pode levar a quedas de glicemia por até 24 horas após o exercício; portanto, a glicemia deve ser verificada imediatamente após e a cada 2-3 horas até a hora de dormir (10).

Se a glicemia estiver baixa, recomenda-se consumir um lanche à base de carboidratos. É aconselhável evitar exercícios intensos imediatamente antes de dormir. Além disso, reduzir a dose de insulina noturna em cerca de 20% ou consumir um lanche sem insulina na hora de dormir pode ajudar a prevenir a hipoglicemia noturna (10). As diretrizes atuais recomendam a ingestão de 5-10g de carboidrato e 1,5-1,7g/kg de proteína por dia (10).


Complicações do Diabetes Mellitus Tipo 1

Complicações Agudas

A Cetoacidose Diabética (CAD) e o Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar (EHH) são quadros agudos comuns em pacientes com DM1, ambos associados à deficiência absoluta de insulina e anomalias no controle acidobásico (1). Na CAD, a força osmótica exercida pela glicose e pelas cetonas não reabsorvidas leva à retenção de água nos túbulos, resultando em depleção de líquidos. Esse processo também retarda a reabsorção de sódio, contribuindo para uma acentuada excreção de sódio e água, que pode causar hipotensão, lesão cerebral e morte (1).

A CAD é uma complicação hiperglicêmica aguda típica do DM1, que se desenvolve em casos de deficiência insulínica grave ou absoluta (9). O aumento da atividade cetogênica é um componente fisiopatológico marcante dessa condição clínica (9). O diagnóstico de cetoacidose é definido por glicemia acima de 300 mg/dL, pH inferior a 7,3 e bicarbonato inferior a 15 mEq/L, além de cetonemia e/ou cetonúria. Os sintomas iniciais incluem poliúria, polidipsia e polifagia, podendo evoluir para náuseas, vômitos e dor abdominal. Consequentemente, desenvolvem-se desidratação, alteração do nível de consciência e coma (9). O primeiro objetivo no tratamento da cetoacidose é restabelecer as condições básicas de vida. Após o suporte básico, a hidratação e a correção da acidose devem ser realizadas lentamente para minimizar o risco de complicações (9). O tratamento da CAD baseia-se na correção dos distúrbios endócrinos, metabólicos, hidreletrolíticos e ácido-básicos do paciente (9).

A Hipoglicemia é a complicação aguda mais frequente no tratamento do DM1 (9). O nível de glicemia para caracterizar a hipoglicemia varia, mas geralmente se utiliza o valor de 50 mg/dL como consensual, pois glicemias abaixo desse valor já estão associadas a sintomas e prejuízo da função cerebral (9). A hipoglicemia é identificada pela Síndrome de Whipple, descrita em 1938, que consiste em sinais e sintomas de hipoglicemia, glicemia abaixo de 40 mg/dL e melhora da sintomatologia após administração de glicose (9).

Os sintomas podem ser decorrentes tanto da resposta autonômica, pelo aumento de catecolaminas, que inclui palidez, sudorese, tremores e taquicardia, quanto pela neuroglicopenia, que se manifesta por fome, tontura, confusão mental, convulsões e coma. Alterações de humor e da personalidade também podem ocorrer, constituindo sinal de alerta para um episódio de hipoglicemia (9).

Hipoglicemias leves, caracterizadas por fome, tremor, nervosismo, ansiedade, sudorese, palidez, taquicardia, déficit de atenção e comprometimento cognitivo, ou assintomáticas, devem ser tratadas com 15g de carboidratos, preferencialmente glicose, ou 1 colher de sopa de açúcar ou mel, 150 ml de suco de laranja ou 150 ml de refrigerante comum (9). Nos casos moderados a graves, com cefaleia, agressividade, visão turva, confusão, tontura, dificuldade para falar ou midríase, deve-se oferecer imediatamente 30g de carboidrato (açúcar ou glicose) por via oral (9). Se o paciente estiver inconsciente ou apresentando convulsões, o tratamento extra-hospitalar de escolha é o glucagon na dose de 0,5 mg (subcutâneo) em menores de 5 anos e de 1 mg em maiores de 5 anos, podendo ser repetido em 10 minutos se não houver resposta (9). O tratamento hospitalar consiste em flush venoso de glicose 0,3-0,5 mg/kg seguido por glicose intravenosa de manutenção (9).

Todo evento de hipoglicemia deve ser seguido por monitoração frequente e um lanche ou refeição com alimentos ricos em carboidratos, já que o efeito da glicose é rápido. Apesar da necessidade do tratamento imediato, é importante evitar a hiperglicemia de rebote (9). Alimentos ricos em gorduras, como doces e chocolates, devem ser evitados como tratamento, por terem um início de ação mais lento e provocarem efeito hiperglicêmico prolongado (9).

Complicações Crônicas

A evolução de longo prazo dos pacientes com DM1 favorece o desenvolvimento de complicações vasculares (macro ou micro) e neurológicas, que representam um sério problema de saúde pública (9). As complicações crônicas são resultado de anos ou décadas de hiperglicemia, e geralmente são irreversíveis (1).

As evidências que implicam um papel causal da hiperglicemia crônica no desenvolvimento das complicações macrovasculares são menos conclusivas. No entanto, alguns dados sugerem que a hiperglicemia crônica, associada a outros fatores de risco como hipertensão e dislipidemia, está relacionada a um aumento de 2-4 vezes na frequência de eventos isquêmicos coronarianos e na mortalidade desses pacientes (9).

Vários mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos nessas complicações, incluindo o aumento da formação de produtos finais de glicação avançados (AGE), o aumento do estresse oxidativo celular, com maior produção de espécies reativas de oxigênio (EROs) que, somados à toxicidade da glicose e dos ácidos graxos, ativam esses mecanismos fisiopatológicos (6,9).

O aumento da glicose sanguínea gera um aumento na oxidação mitocondrial, com consequente aumento na produção de EROs. Além disso, são comuns níveis reduzidos de glutationa e outros compostos antioxidantes (7).

As principais lesões macro e microvasculares resultam na formação de placa, estreitamento dos pequenos e grandes vasos sanguíneos, e em lesão isquêmica em tecidos do órgão-alvo (1,6).

  • Complicações microvasculares: Exemplos incluem retinopatia, neuropatia e nefropatia. Essas complicações podem ser evitadas ou desaceleradas com um controle glicêmico adequado, mantendo uma hemoglobina glicada (HbA1c) <7% (1,3,6).
  • Complicações macrovasculares: Exemplos incluem doença cardíaca, doença vascular periférica e acidente vascular cerebral (derrame) (1,3,6).

Outras complicações podem ser: dificuldade de cicatrização, maior suscetibilidade a infecções, disfunção erétil e gastroparesia (1). Dentre essas complicações, destacam-se as doenças cardiovasculares (DCV), uma vez que mais de 50% da mortalidade dos pacientes com DM está relacionada a elas (3,8).

Macroangiopatias no DM1

A lesão macrovascular do diabetes é uma doença aterosclerótica que também está presente na população geral, mas ocorre de forma mais precoce, intensa e grave no paciente diabético, sendo a principal causa de mortalidade para esse grupo populacional (9).

Durante seu tratamento, se necessário, pode ser utilizada a intervenção farmacológica visando atingir as metas ideais de controle de hipertensão, dislipidemia e coagulação sanguínea, além do diabetes (9).

  • Hipertensão arterial: A meta ideal para o diabético é: pressão arterial igual ou superior a 130/80 mmHg (ADA, IDF, SBD, SBH). Além do tratamento não medicamentoso, a terapia farmacológica pode ser utilizada com todos os medicamentos anti-hipertensivos, em monoterapia ou em combinação (9).
  • Dislipidemia: A meta ideal para o diabético é:
    • Colesterol <200 mg/dL (9);
    • Triglicerídeos <150 mg/dL (9);
    • LDL <100 mg/dL (9);
    • HDL >40 mg/dL em homens e >50 mg/dL em mulheres (9).Podendo ser utilizadas terapias medicamentosas como estatinas, fibratos, ácido nicotínico e ezetimibe (9).
  • Coagulação sanguínea: O tratamento é feito com aspirina, clopidogrel e ticlopidina. Alguns estudos demonstram que o tratamento do diabetes com metformina e acarbose pode trazer benefícios na prevenção de doenças cardiovasculares (9).

Neuropatia no DM1

A neuropatia diabética é um distúrbio neurológico demonstrável clinicamente ou por métodos laboratoriais em pacientes diabéticos, excluindo-se outras causas de neuropatia (9). A prevalência atinge níveis elevados com a evolução temporal do diabetes, chegando geralmente à frequência de 50% de lesão neuropática em diferentes grupos de pacientes (9).

Geralmente, o acometimento patológico na neuropatia diabética é amplo no organismo, apresentando-se de duas formas principais: polineuropatia sensitiva/motora simétrica e neuropatia autonômica (Cardiovascular, respiratória, digestiva, geniturinária) (9). Menos frequentemente, a lesão neuropática é localizada, apresentando-se nas formas de mononeuropatia focal, neuropatia multifocal radicular, neuropatia multifocal multiplexos e plexopatia ou amiotrofina (9).

O diagnóstico das formas mais frequentes de neuropatia diabética baseia-se na caracterização do quadro clínico com os sintomas e sinais clínicos mais típicos e na realização de testes neurológicos. Os testes neurológicos básicos envolvem a avaliação de sensibilidade, a pesquisa de reflexos tendinosos e medidas de pressão arterial (deitado e em pé) e de frequência cardíaca (9).

O tratamento envolve três principais componentes:

  • Controle metabólico (9);
  • Tratamento de sintomas e sinais da neuropatia sensitivo-motora, especialmente da dor neuropática (9);
  • Tratamento de sintomas e sinais de neuropatia autonômica (9).

Nefropatia no DM1

A nefropatia diabética é uma complicação microvascular do diabetes, sendo atualmente a principal causa de insuficiência renal crônica em pacientes que necessitam de programas de diálise e transplante renal (9). A microalbuminúria é o estágio inicial da lesão renal no paciente diabético (nefropatia incipiente), evoluindo em fases mais avançadas para proteinúria (macroalbuminúria) ou nefropatia clínica, com redução progressiva da filtração glomerular. Anormalidades patológicas estão presentes nos glomérulos de pacientes diabéticos, como expansão mesangial, espessamento de membrana basal glomerular e glomerulosclerose. Essas lesões têm processos patogênicos distintos, envolvendo hiperfiltração, AGE, citocinas e aumento de atividade de renina (9).

A avaliação da função renal é feita com determinação de albuminúria (Normal ≤ 30 mg/dL; microproteinúria de 30-299 mg/24h; macroalbuminúria >300 mg/24h) ou proteinúria (>500 mg/24h), estimativa da taxa de filtração glomerular e posterior determinação da concentração sérica de creatinina (9).

O tratamento da nefropatia envolve, além do controle glicêmico e do controle intensivo de pressão arterial, o uso de IECA II, BRAII, antagonista de renina plasmática, intervenção dietética com restrição de proteínas e controle de dislipidemia e anemia (9).

Retinopatia no DM1 – Doença Oftalmológica

A retinopatia diabética é a principal causa de cegueira adquirida. O risco é significativamente reduzido com a detecção precoce, quando alterações irreversíveis retinianas ainda não estão presentes, e há um rápido acesso ao tratamento (9). O risco de retinopatia aumenta com o mau controle glicêmico e de pressão arterial, assim como se agrava em estados anêmicos, hiperlipidêmicos e durante a gravidez (9).

A retinopatia diabética tem duas fases evolutivas: não proliferativa e proliferativa. Na primeira, ocorrem alterações vasculares (microaneurismas, hemorragias, extravasamentos) que prejudicam a nutrição e oxigenação da retina. Na fase proliferativa, a neovascularização em resposta à hipóxia agrava a situação, levando a maiores hemorragias, fibrose e descolamento de retina (9).

O exame de fundo de olho deve ser feito de forma rotineira com periodicidade anual, podendo ser menor, dependendo do grau de retinopatia ou durante o período gestacional. A fotocoagulação de lesões com laser é benéfica para a preservação da visão, seja aplicada de forma generalizada (panfotocoagulação) na fase proliferativa sem maculopatia ou focalmente no edema macular. A vitrectomia pode ser realizada em situações mais graves (9).

Alterações Dermatológicas, Musculoesqueléticas e Infecciosas no DM1

As alterações cutâneas mais frequentes do DM1 são as ulcerações cutâneas e a dificuldade de cicatrização, acompanhada ou não de processos infecciosos bacterianos ou fúngicos (9). Os pacientes diabéticos também apresentam suscetibilidade a infecções, localizadas ou sistêmicas, com alterações nos mecanismos de defesa imunológica a agentes agressores/infecciosos (9).

O pé diabético, com lesões em pés e membros inferiores decorrentes de úlceras, infecções e gangrenas, representa a mais mutilante complicação crônica do DM, com forte impacto social e econômico. As afecções de membros inferiores no paciente diabético envolvem a neuropatia e as lesões vasculares (macro e microvasculares), determinando uma situação de vulnerabilidade a traumas, ulcerações e infecções que podem progredir para gangrenas e necessidade de amputação. O rastreamento de risco, com testes neurológicos, biomecânicos e avaliação de doenças arteriais é fator importante na prevenção de lesões ulceradas, que geralmente são de difícil cicatrização (9).


Referências Bibliográficas

  1. ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
  2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. Organização José Egídio Paulo de Oliveira, Renan Magalhães Montenegro Junior, Sérgio Vencio. 2020. 489 p.
  3. PHILIPPI, S. T.; PIMENTEL, C. V. M. B.; ELIAS, M. F. Alimentos Funcionais e Compostos Bioativos. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 893 p.
  4. GUALANO, B. Suplementação de Creatina. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 157 p.
  5. LANCHA JR., A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
  6. DOMINICZAK, M. Série Carne e Osso: Metabolismo. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 244 p.
  7. SHARIF, K. et al. Coffee and autoimmunity: More than a mere hot beverage! Autoimmunity Reviews, v. 16, n. 7, p. 712–721, jul. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.autrev.2017.05.007
  8. JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.
  9. RIBAS FILHO, D.; SUEN, V. M. M. Tratado de Nutrologia. 2. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2019. 646 p.
  10. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.