Diarreia: Fisiopatologia, Diagnóstico e Manejo Clínico
A diarreia é caracterizada pela presença de fezes aquosas ou muito pastosas, sem dor em 75% dos casos (1). Segundo a Escala de Bristol, corresponde aos tipos 6 e 7 (1). É crucial ressaltar que a diarreia é definida pela consistência das fezes, e não pela frequência (1).
Fisiopatologia da Diarreia
Existem inúmeras causas para a diarreia, incluindo doenças subjacentes, infecções, toxinas e até ansiedade (2). As repercussões podem variar de leve desconforto e inconveniência a uma emergência médica que exige internação, hidratação e reposição eletrolítica parenteral (2).
Durante um episódio de diarreia, ocorre um aumento da motilidade do trato gastrointestinal, acompanhado do aumento das secreções e diminuição da absorção de líquidos, levando à perda de eletrólitos (particularmente Na+) e água (2).
Existem diversas causas de diarreia com importantes sequelas fisiológicas:
- Enterite (Inflamação do Trato Intestinal): Geralmente ocasionada por vírus ou bactérias do trato gastrointestinal. Na diarreia infecciosa comum, a infecção é mais extensa no intestino grosso e na parte distal do íleo (4). Em todas as áreas infectadas, há irritação da mucosa, que gera um aumento de secreção (4). Além disso, a motilidade da parede intestinal costuma ficar muito aumentada. Como resultado, um excesso de líquidos é direcionado para o lúmen para a remoção do agente infeccioso e, ao mesmo tempo, fortes movimentos propulsores impelem esse líquido em direção ao ânus (4). A diarreia causada pela cólera é particularmente grave, pois a toxina da cólera estimula diretamente a secreção excessiva de eletrólitos e líquidos pelas criptas de Lieberkühn no íleo distal e no cólon. A perda pode ser de 10-12 litros por dia, sendo que o cólon reabsorve um máximo de 6-8 L/dia. Portanto, em muitos casos, a perda de líquidos e eletrólitos é fatal (4). A base da terapia da cólera é a reposição rápida de líquidos e eletrólitos, principalmente pela via intravenosa (4).
- Diarreia Psicogênica: É a diarreia que acompanha períodos de tensão nervosa (4). Esse tipo de diarreia emocional é causada por estimulação excessiva do sistema nervoso parassimpático, que excita intensamente a motilidade e a secreção de muco no cólon distal (4).
- Colite Ulcerativa: Doença caracterizada por áreas extensas de inflamação e ulceração nas paredes do intestino grosso (4). A motilidade do cólon ulcerado costuma ser tão elevada que ocorrem movimentos em massa durante grande parte do dia, enquanto no cólon normal esses movimentos duram de aproximadamente 10 a 30 minutos por dia (4). Isso resulta em movimentos intestinais intensos e diarreia (4).
- Diarreia do Viajante: Muitas pessoas que viajam entram em contato com microrganismos produtores de endotoxinas, como a E. coli (2). A maioria das infecções é leve e autolimitada, exigindo apenas a reposição de líquidos e sal (2).
Prevalência
Globalmente, a doença diarreica aguda é uma das principais causas de morte em lactentes desnutridos, especialmente onde o atendimento médico é menos acessível (2).
Diagnóstico e Tratamento da Diarreia
Conduta Clínica Geral
O manejo da diarreia envolve o controle dos sintomas e a prevenção de complicações.
- Hidratação: Soro caseiro, bebidas isotônicas e água de coco podem auxiliar na reposição hidroeletrolítica (3).
- Alimentos: Consumir alimentos cozidos, incluindo legumes e frutas (3). Preferir fontes de potássio, como banana, batata e carnes brancas (3). Alguns alimentos, em pessoas sensíveis, podem gerar diarreia (ex: leite, doces, feijão) (3). Lácteos em geral devem ser evitados, mas produtos fermentados tendem a causar menos problemas (3).
- Medicações: Tomar medicações após as refeições (3).
- Restrição de Gatilhos: Alimentos que contêm sorbitol ou cafeína podem ser provocativos (3). O álcool pode induzir quadros isolados de diarreia, pois impede a reabsorção de água e sódio no intestino (3).
Tratamento Médico Farmacológico
As três abordagens principais para o tratamento da diarreia aguda grave são:
- Manutenção do equilíbrio hidreletrolítico (2).
- Uso de anti-infecciosos (2).
- Uso de espasmolíticos ou outros antidiarreicos (2).
Os principais agentes farmacológicos que diminuem a motilidade do trato gastrointestinal são os opioides e os antagonistas dos receptores muscarínicos (este último, no entanto, é raramente a primeira escolha devido à sua ação em outros sistemas do organismo) (2).
Opioides
A morfina, arquétipo dos opioides, tem uma ação complexa no trato gastrointestinal. Ela aumenta o tônus e as contrações rítmicas do intestino, mas diminui a atividade propulsora (2). Os esfíncteres pilórico, ileocólico e anal ficam contraídos, e o tônus do intestino grosso aumenta acentuadamente (2). O efeito global é constipante (2).
Os principais opioides utilizados no tratamento da diarreia são a codeína (um congênere da morfina), difenoxilato e loperamida (ambos congêneres da petidina, usados especificamente por suas ações intestinais) (2). A loperamida é o fármaco de primeira escolha para a diarreia do viajante e é componente de vários antidiarreicos patenteados (2).
Advertência: Todos os opioides podem ter efeitos adversos, incluindo a perda completa da motilidade intestinal (íleo paralítico). Por essa razão, não devem ser utilizados em crianças menores de 4 anos (2).
Terapia Nutricional: Reidratação Oral
A manutenção do equilíbrio hidreletrolítico por meio da reidratação oral deve ser a prioridade no tratamento da diarreia (2). No íleo, assim como no néfron, ocorre o cotransporte de Na+ e glicose através da célula epitelial (2). A presença de glicose (e de alguns aminoácidos) aumenta a absorção de Na+ e, consequentemente, a captação de água (2). Preparações de cloreto de sódio e glicose para reidratação oral estão disponíveis na forma de pó, prontas para serem dissolvidas em água e consumidas (2).
Referências Bibliográficas
- LONGSTRETH, G. F. et al. Functional Bowel Disorders. Gastroenterology, v. 130, n. 5, p. 1480–1491, 2006.
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
- SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
- HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. 1–117 p.