Dislipidemia – Abordagem Clínica
Introdução
A dislipidemia, que engloba distúrbios do metabolismo lipoproteico, é caracterizada por concentrações plasmáticas elevadas de colesterol, triglicerídeos ou ambos, frequentemente acompanhadas por níveis reduzidos de colesterol de alta densidade (HDL-c) (18). Tais alterações são reconhecidos fatores de risco modificáveis para a doença cardiovascular (DCV), com forte associação à doença arterial coronariana (DAC) e ao acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico (3, 14).
Fisiopatologia da Dislipidemia
A dislipidemia pode ser classificada como primária ou secundária. As formas primárias geralmente resultam de uma interação complexa entre fatores dietéticos e genéticos, sendo predominantemente poligênicas. As formas secundárias são consequência de condições clínicas preexistentes, tais como diabetes mellitus, alcoolismo, síndrome nefrótica, insuficiência renal crônica, hipotireoidismo, doença hepática e uso de determinados fármacos. O tratamento das dislipidemias secundárias é centrado na correção da causa subjacente (13).
A hipercolesterolemia familiar (HF) é a dislipidemia primária mais prevalente, conferindo aos seus portadores um risco 20 vezes maior de mortalidade prematura por DCV (14).
Componentes Lipídicos e Doença Cardiovascular
O HDL-c é uma lipoproteína com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, essencial na remoção do colesterol das paredes arteriais e vasculares (3). O colesterol de baixa densidade (LDL-c) é o principal transportador de colesterol na corrente sanguínea (3). A obstrução arterial, característica da aterosclerose, manifesta-se pela presença de macrófagos repletos de colesterol (células espumosas), proliferação de células musculares lisas com excesso de tecido conjuntivo, calcificação e, em estágios avançados, eventos trombóticos (3).
Bases das Dislipidemias Primárias
Nas dislipidemias primárias, o acúmulo de quilomícrons e/ou lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) no plasma leva à hipertrigliceridemia. Este fenômeno ocorre devido à diminuição da hidrólise dos triglicerídeos (TG) das lipoproteínas pela lipoproteína lipase (LPL) ou ao aumento da síntese de VLDL (14).
O acúmulo de lipoproteínas ricas em colesterol, como o LDL, no plasma resulta em hipercolesterolemia. Tal acúmulo pode ser causado por doenças monogênicas, especificamente por defeitos nos genes do receptor de LDL (LDLR) ou da apolipoproteína B-100 (APOB100). Contudo, a hipercolesterolemia é mais frequentemente resultante de mutações em múltiplos genes envolvidos no metabolismo lipídico, caracterizando as hipercolesterolemias poligênicas (14). Ressalta-se que centenas de mutações no gene do LDLR já foram identificadas em portadores de HF (14).
Classificação das Dislipidemias
As dislipidemias podem ser classificadas em hiperlipidemias (níveis elevados de lipoproteínas) e hipolipidemias (níveis plasmáticos baixos de lipoproteínas) (14). Adicionalmente, são categorizadas conforme a fração lipídica específica alterada:
- Hipercolesterolemia isolada: Aumento exclusivo do LDL-c (≥160 mg/dL) (14).
- Hipertrigliceridemia isolada: Aumento dos triglicerídeos (≥150 mg/dL em jejum ou >175 mg/dL em não jejum) (14).
- Hiperlipidemia mista: LDL-c elevado (≥160 mg/dL) e triglicerídeos aumentados (≥150 mg/dL em jejum ou ≥175 mg/dL em não jejum) (14).
- HDL-c baixo: Redução isolada do HDL-c ou em associação com o aumento do LDL-c e/ou triglicerídeos. Os valores de corte são:
- Homens: HDL-c <40 mg/dL (14).
- Mulheres: HDL-c <50 mg/dL (14).
Hipertrigliceridemia
Concentrações elevadas de VLDL-TG podem resultar tanto de uma produção aumentada quanto de uma eliminação diminuída. Na prática clínica, o defeito mais comum é o aumento da produção de VLDL-TG (12).
Os VLDL-TG são sintetizados a partir de ácidos graxos livres (AGL), que podem ser obtidos pela lipogênese hepática de novo ou liberados de diferentes fontes: AGL circulantes do tecido adiposo subcutâneo (AGL sistêmicos), do tecido adiposo visceral ou de reservas lipídicas intra-hepáticas (AGL não sistêmicos) (12).
Em condições de resistência à insulina (RI), as taxas de liberação de AGL frequentemente se elevam, especialmente no período noturno, mesmo na presença de hiperinsulinemia. Em resposta à maior disponibilidade de AGL e às concentrações plasmáticas de insulina cronicamente elevadas, a produção hepática de apolipoproteína B-100, associada ao VLDL-TG, pode ser intensificada (12).
Esse aumento no pool de VLDL-TG promove o transporte dos triglicerídeos ligados às partículas de VLDL para o HDL-c e acelera a eliminação do HDL-c. Consequentemente, observa-se uma relação inversa entre as concentrações plasmáticas de VLDL-TG e HDL-c (12).
A perda de peso geralmente reduz os níveis de VLDL-TG, principalmente devido a uma diminuição na contribuição de AGL “não sistêmicos” para a síntese de VLDL-TG, o que implica um declínio na sua produção (12).
HDL-c
Intervenções no estilo de vida, como a perda de peso (especialmente da gordura abdominal) e a prática de exercícios de resistência ou aeróbicos, são modestamente eficazes na promoção do aumento das concentrações de HDL-c e na melhoria da RI (12).
Considera-se que a farmacoterapia inicial para elevar os níveis de HDL-c não deve ser a abordagem primária para pacientes de alto risco. O foco inicial do tratamento deve ser a redução do LDL-c (12).
Resistência à Insulina
A dislipidemia é frequentemente observada em pacientes com outras manifestações da síndrome metabólica (SM), funcionando como um indicador de RI em tecidos como fígado e músculo, entre outras condições patológicas (12). Em indivíduos com RI, é mais comum encontrar baixas concentrações de HDL-c e hipertrigliceridemia do que elevações dos níveis de colesterol ligado ao LDL (LDL-c) (12). O HDL-c pode estimular a secreção de insulina e inibir a apoptose das células beta-pancreáticas, o que sublinha a estreita relação entre dislipidemia e RI (12). Apesar disso, o tratamento do LDL-c elevado é de extrema importância, especialmente quando ocorre no contexto de RI, pois a dislipidemia está associada a níveis aumentados de partículas pequenas e densas de LDL-c, consideradas particularmente aterogênicas (12).
Rastreio e Avaliação de Risco Cardiovascular
A doença aterosclerótica manifesta-se frequentemente de forma súbita, sendo um evento coronariano agudo a primeira indicação da patologia em, no mínimo, metade dos indivíduos acometidos. Tal característica ressalta a importância da identificação de pacientes assintomáticos com maior predisposição para viabilizar a implementação de estratégias preventivas eficazes (14).
Indicação de Rastreio
- A partir dos 40 anos, verificar risco cardiovascular (Score de Framingham). Se o risco for >10% nos próximos 10 anos, há indicação de iniciar estatinas (15, 16, 17).
- Se não houver fatores de risco, iniciar rastreio:
- Homens: >35 anos.
- Mulheres: >45 anos.
- Se houver fatores de risco, iniciar rastreio:
- Homens: >25 anos.
- Mulheres: >35 anos.
Exames Bioquímicos
A acurácia na determinação dos marcadores lipídicos séricos exige a manutenção da homeostase metabólica basal do paciente. Assim, é fundamental que o indivíduo mantenha o padrão alimentar crônico (dieta habitual) para que os resultados reflitam seu estado lipídico de rotina, evitando-se flutuações agudas que poderiam comprometer a interpretação clínica e a tomada de decisão terapêutica. (19)
Consensos clínicos e diretrizes contemporâneas têm convergido para a desnecessidade do jejum metabólico estrito na avaliação laboratorial inicial do perfil lipídico. (19)
Contudo, é crucial reconhecer a variabilidade pós-prandial inerente à concentração sérica de triglicerídeos (TG). A ingestão alimentar recente é o fator que mais substancialmente pode induzir um aumento transitório nos níveis de TG. Portanto, mesmo que o jejum seja dispensado para a avaliação de rotina de outros componentes (como o colesterol total e o LDL-C), a mensuração dos TG sem jejum deve ser interpretada com cautela, pois pode não representar fielmente a lipemia basal do indivíduo. (19)
Para a avaliação laboratorial da dislipidemia, os exames bioquímicos essenciais incluem:
- Colesterol Total
- HDL-c
- LDL-c
- Colesterol não-HDL
- Triglicerídeos
- Índice de Castelli
Outros possiveis exames podem incluir:
- Apolipoproteina B (ApoB)
- Lipoproteína (a) (Lp(a))
A presença de níveis de colesterol total ≥310 mg/dL em adultos ou ≥230 mg/dL em crianças e adolescentes pode ser sugestiva de Hipercolesterolemia Familiar (HF), condicionada à exclusão de dislipidemias secundárias (14).
Os métodos de cálculo do LDL demonstram uma redução na acurácia em indivíduos que apresentam hipertrigliceridemia. Esta perda de fidedignidade se torna particularmente significativa quando as concentrações séricas de triglicerídeos (TG) excedem o limiar de 800 mg/dL. (19)
Colesterol não-HDL:
O cálculo do Colesterol Não-HDL é realizado mediante a subtração do HDL do Colesterol Total. Esta determinação analítica possui o objetivo de quantificar a carga plasmática total de lipoproteínas com potencial aterogênico. A relevância clínica do não-HDL-c é particularmente acentuada na avaliação de risco cardiovascular em pacientes que apresentam concentrações elevadas de triglicerídeos (TG). (19)
Apolipoproteína B (ApoB):
A dosagem da Apolipoproteína B (ApoB) é amplamente reconhecida na literatura técnico-científica como a mensuração mais acurada e fidedigna para a avaliação do risco cardiovascular inerente à concentração plasmática de lipoproteínas aterogênicas. (19)
Apesar de sua superioridade analítica, o custo da dosagem de ApoB atualmente não é coberto pela maioria dos planos de saúde e não está disponível na rede pública por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Como alternativa viável na prática clínica, a estimativa do Colesterol Não-HDL apresenta uma forte correlação com a concentração sérica de ApoB e pode ser facilmente obtida a partir de qualquer painel lipídico convencional. (19)
A Apolipoproteína B (ApoB) constitui a principal proteína estrutural das lipoproteínas classificadas como aterogênicas, desempenhando a função de ligante fundamental para o receptor de LDL. A dosagem da ApoB oferece uma mensuração direta da concentração plasmática total dessas partículas lipídicas de risco, dado ao fato de que existe uma molécula de ApoB por partícula em todas as lipoproteínas aterogênicas (incluindo LDL, VLDL, IDL e Lp(a)). Na população em geral, as concentrações de Colesterol-LDL (LDL-c) e ApoB apresentam uma elevada correlação. (19)
Em cenários clínicos caracterizados por hipertrigliceridemia, o Colesterol Não-HDL (obtido por cálculo indireto) e a ApoB (obtida por dosagem direta) fornecem uma avaliação do risco cardiovascular (CV) mais fidedigna do que o LDL-c isolado, sendo considerados marcadores de risco CV equivalentes. (19)
A solicitação do não-HDL apresenta uma vantagem operacional na prática clínica, uma vez que sua obtenção é facilitada pelo cálculo a partir de exames de rotina, não implicando custos adicionais para o paciente ou para o sistema de saúde. (19)
Lipoproteína (a) (Lp(a)):
A Lipoproteína(a) (Lp(a)), além de seus efeitos pró-aterogênicos, manifesta potenciais ações pró-inflamatórias, possivelmente atribuíveis à sua carga de fosfolipídeos oxidados. A apolipoproteína(a) (apo(a)) exibe, ainda, homologia estrutural com o plasminogênio, o que sugere a possibilidade de efeitos pró-trombóticos. (19)
As concentrações plasmáticas de Lp(a) são amplamente determinadas por fatores genéticos (>90%), não sendo influenciadas de maneira significativa por dieta, idade, sexo, estado de jejum ou estilo de vida. Estudos populacionais demonstram que níveis mais elevados de Lp(a) se correlacionam de forma linear com um maior risco de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e calcificação da valva aórtica. Níveis elevados também elevam o risco de Doença Cardiovascular Aterosclerótica (DCVA) recorrente em uma relação dose-dependente. É crucial notar que a Lp(a) elevada constitui um fator de risco mesmo em indivíduos com concentrações controladas de LDL. Pacientes com elevações extremas de Lp(a) (≥180 mg/dL ou ≥390 nmol/L) apresentam um risco CV marcadamente elevado, com taxa de eventos semelhante à observada em outras dislipidemias genéticas que requerem triagem familiar. (19)
É importante destacar que os medicamentos hipolipemiantes de uso comum (estatinas e ezetimiba) não reduzem as concentrações de Lp(a). As únicas terapias disponíveis que induzem uma redução leve a moderada (20% a 30%) da Lp(a) são os inibidores da PCSK9. No entanto, a evidência atual não é suficiente para rotinizar seu uso com esse propósito. Em suma, a Lp(a) é um marcador de risco prevalente para DCVA que ainda não é avaliado rotineiramente. (19)
No contexto da prevenção primária, para pacientes com Lp(a)≥50 mg/dL (≥125 nmol/L), recomenda-se um aconselhamento mais precoce e intensivo focado em modificações do estilo de vida e no gerenciamento rigoroso de outros fatores de risco. Na população geral, sugere-se a dosagem de Lp(a) uma vez na vida (quando disponível) para auxiliar na estratificação de risco e/ou no manejo terapêutico. (19)
Risco Cardiovascular em Pacientes sem Tratamento Hipolipemiante
No contexto da estratificação de risco cardiovascular, o Escore de Risco Global (ERG) constitui um algoritmo relevante. Este escore estima a probabilidade de ocorrência, em um período de 10 anos, de eventos como infarto do miocárdio, AVC ou insuficiência cardíaca (fatais ou não fatais), além de insuficiência vascular periférica (14). A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) disponibiliza uma ferramenta de cálculo para a aplicação deste escore.
É fundamental destacar que, em indivíduos sob terapêutica hipolipemiante, a estratificação de risco pelo ERG e a determinação de metas terapêuticas não devem ser diretamente baseadas nos níveis de colesterol total (CT) vigentes. Para esses pacientes, a SBC propõe a utilização de um fator de correção para o CT no cálculo do ERG. Recomenda-se a multiplicação do valor de CT por 1,43, consideração esta fundamentada em estudos que demonstraram uma redução de 30% nos níveis de CT com o uso de estatinas (14).
Categorias de Risco Cardiovascular
- Risco Muito Alto: Indivíduos com doença aterosclerótica clinicamente significativa, caracterizada por acometimento coronariano, cerebrovascular ou vascular periférico, independentemente da ocorrência prévia de eventos clínicos, ou pela documentação de obstrução ≥50% em qualquer território arterial (14).
- Risco Elevado: Indivíduos com aterosclerose subclínica documentada por métodos diagnósticos específicos, aneurisma de aorta abdominal, doença renal crônica em estágio pré-dialítico, ou níveis de LDL ≥190 mg/dL. Pacientes com diabetes mellitus tipo 1 ou 2 que apresentam LDL entre 70 e 189 mg/dL, e adicionalmente possuem estratificadores de risco (ER) ou doença aterosclerótica subclínica (DASC), também se enquadram nessa categoria. Adicionalmente, homens com LDL entre 70 e 189 mg/dL e um risco cardiovascular calculado pelo ERG superior a 20%, bem como mulheres com um ERG superior a 10%, são considerados de alto risco cardiovascular (14).
- ER no diabetes: Os estratificadores de risco para diabetes englobam os seguintes critérios: idade (homens a partir de 48 anos e mulheres a partir de 54 anos); tempo de diagnóstico de diabetes superior a 10 anos; história familiar de doença cardiovascular prematura em parente de primeiro grau (antes dos 55 anos para homens e 65 para mulheres); tabagismo (consumo de pelo menos um cigarro no mês anterior); hipertensão arterial sistêmica; síndrome metabólica, conforme as diretrizes da International Diabetes Federation; presença de albuminúria (superior a 30 mg/g de creatinina) e/ou retinopatia; e taxa de filtração glomerular (TFG) inferior a 60 mL/min (14).
- DASC no diabetes: A DASC é identificada por achados em exames de imagem, que incluem: a presença de placas com mais de 1,5 mm na ultrassonografia de carótida; um índice tornozelo-braquial (ITB) menor que 0,9; um escore de cálcio nas artérias coronárias (CAC) superior a 10; e a detecção de placas ateroscleróticas na angiotomografia computadorizada de coronárias (14).
- Risco Intermediário: Indivíduos com risco cardiovascular moderado incluem homens com ERG entre 5% e 20%, e mulheres com ERG entre 5% e 10%. Além disso, pacientes diabéticos que não preenchem os critérios de DASC ou ER também são classificados nesta categoria (14).
- Baixo Risco: Pacientes com baixo risco cardiovascular são aqueles do sexo masculino e feminino que apresentam um ERG calculado para 10 anos inferior a 5% (14).
Metas Terapêuticas e Conduta Clínica
Metas Terapêuticas para LDL-c
A elevação do colesterol plasmático é um dos principais fatores de risco modificáveis para DCV, com forte associação à DAC e ao AVC isquêmico. Essa relação é corroborada por estudos caso-controle, observacionais e genéticos. Por outro lado, estudos de intervenção demonstram uma clara redução nos desfechos cardiovasculares quando há diminuição do colesterol plasmático, especialmente dos níveis de LDL-c (14).
Grandes ensaios clínicos com estatinas reforçam que uma maior redução absoluta do LDL-c está diretamente associada a uma maior diminuição do risco relativo de eventos cardiovasculares. Atualmente, não há evidências que sugiram um limiar mínimo de LDL-c abaixo do qual o tratamento hipolipemiante deixe de oferecer benefício cardiovascular. A SBC recomenda não apenas o alcance das metas de LDL-c, mas também a utilização preferencial de medicamentos nas doses que se mostraram eficazes em grandes ensaios clínicos (14).
As evidências robustas provenientes de ensaios clínicos de intervenção e meta-regressões demonstram uma relação inequívoca e causal entre a redução dos níveis de LDL-c e a consequente diminuição do risco de eventos cardiovasculares (CV) maiores. Observa-se que, para cada 39 mg/dL (1 mmol/L) de redução do LDL-c, o risco relativo de eventos CV maiores diminui em aproximadamente 20% a 25%, não havendo demonstração de um limite inferior de LDL-c abaixo do qual o benefício clínico adicional seja ausente. (19)
| Categoria de risco | Em jejum (12h) | Sem jejum |
|---|---|---|
| Baixo | <115 mg/dL | <115 mg/dL |
| Intermediario | <100 mg/dL | <100 mg/dL |
| Alto | <70 mg/dL | <70 mg/dL |
| Muito Alto | <50 mg/dL | <50 mg/dL |
| Extremo | <40 mg/dL | <40 mg/dL |
Valores de referência e alvos terapêuticos do LDL (19)
Esta diretriz estabelece metas específicas para o LDL-c como alvo terapêutico primário e para o não-HDL-c como alvo coprimário, ambas definidas de acordo com a categoria de risco CV. (19)
Para indivíduos classificados como de baixo risco com níveis de LDL-c persistentemente acima de 145 mg/dL, apesar das modificações no estilo de vida, recomenda-se a introdução de terapia farmacológica. (19)
As metas de redução percentual do LDL-c são: (19)
- Risco Baixo a Intermediário: Redução igual ou superior a 30%. (19)
- Risco Alto, Muito Alto ou Extremo: Meta terapêutica de redução igual ou superior a 50%. (19)
Nesse contexto, recomenda-se preferencialmente a utilização de estatinas de alta potência ou a adoção de terapia combinada para atingir as metas estabelecidas. (19)
HDL:
- HDL <40 mg/dL (19)
A terapia medicamentosa com o objetivo primário de elevar seus níveis não é recomendada (14,19).
Não são estabelecidas metas específicas de tratamento para o Colesterol de Lipoproteína de Alta Densidade (HDL-c). Embora diversos estudos epidemiológicos apontem uma forte associação entre concentrações reduzidas de HDL-c e um aumento na incidência de eventos cardiovasculares, as evidências robustas necessárias para comprovar uma relação de causalidade direta ainda são insuficientes. (19)
Adicionalmente, as terapias farmacológicas desenvolvidas com o objetivo primário de elevar os níveis de HDL-c consistentemente falharam em demonstrar um benefício na redução dos eventos cardiovasculares maiores. Desta forma, o HDL-c deve ser interpretado clinicamente como um marcador de risco cardiovascular, mas não deve ser empregado como um alvo terapêutico primário para intervenção. (19)
Triglicerídeos:
- <150 mg/dL (jejum 12h); (19)
- <175 mg/dL (sem jejum); (19)
A concentração sérica de Triglicerídeos (TG) atua como um marcador de risco residual aterosclerótico e sua elevação acompanha a crescente prevalência de condições metabólicas, como obesidade e diabetes tipo 2, nas quais os níveis de TG se encontram tipicamente leve a moderadamente elevados. (19)
No entanto, é imperativo que, em pacientes com hipertrigliceridemia leve a moderada, as metas terapêuticas para LDL e não-HDL mantenham a prioridade clínica. (19)
Além das modificações no estilo de vida, que são eficazes na redução dos TG, esta diretriz recomenda que, quando houver indicação para terapia medicamentosa, seja priorizado o uso de fármacos focados na redução do não-HDL-c, como as estatinas de alta intensidade e a ezetimiba. É crucial ressaltar que a otimização do controle glicêmico contribui significativamente para a redução dos níveis séricos de TG. (19)
Para aqueles com TG entre 150 e 499 mg/dL, a terapia deve ser individualizada, considerando o risco cardiovascular global do paciente e suas condições clínicas associadas (14).
A hipertrigliceridemia grave, definida por níveis séricos de TG ≥500 mg/dL (ou ≥885 mg/dL segundo algumas classificações), está primariamente associada a um risco elevado de pancreatite aguda. Nesses casos, a estratégia terapêutica primordial é o uso de fármacos mais eficazes na redução dos TG, como os fibratos, e o alvo terapêutico prioritário é manter as concentrações séricas abaixo de 500 mg/dL. (19)
Colesterol Não-HDL:
| Categoria de risco | Em jejum (12h) | Sem jejum |
|---|---|---|
| Baixo | <145 mg/dL | <145 mg/dL |
| Intermediário | <130 mg/dL | <130 mg/dL |
| Alto | <100 mg/dL | <100 mg/dL |
| Muito Alto | <80 mg/dL | <80 mg/dL |
| Extremo | <70 mg/dL | <70 mg/dL |
Valores de referência e alvos para colesterol não-HDL (19)
O Colesterol Não-HDL, determinado pela subtração direta do HDL da concentração total de colesterol plasmático, apresenta uma forte correlação com os níveis séricos de Apolipoproteína B (ApoB) circulante. Por essa razão, o não-HDL é considerado um marcador mais fidedigno da carga aterogênica associada às lipoproteínas ricas em triglicerídeos do que a concentração isolada de LDL-c, particularmente em pacientes com hipertrigliceridemia. Desse modo, o não-HDL-c é reconhecido como um preditor mais acurado do risco CV nesses cenários. A meta terapêutica recomendada para o não-HDL-c é definida como um valor 30 mg/dL superior à meta estabelecida para o LDL-c em cada categoria de risco CV. (19)
Apolipoproteína B (ApoB):
| Categoria de risco | Em jejum (12h) | Sem jejum |
|---|---|---|
| Baixo | <100 mg/dL | <100 mg/dL |
| Intermediário | <90 mg/dL | <90 mg/dL |
| Alto | <70 mg/dL | <70 mg/dL |
| Muito Alto | <55 mg/dL | <55 mg/dL |
| Extremo | <45 mg/dL | <45 mg/dL |
Valores de referência e alvos para Apolipoproteína B (ApoB) (19)
As metas de Apolipoproteína B (ApoB) podem ser empregadas como um alvo terapêutico secundário em pacientes que já alcançaram as metas estabelecidas para LDL e não-HDL (19)
Lipoproteína A (Lp(a)):
- <75 nmol/L (<30 mg/dL); (19)
Valor utilizado para a estratificação do risco cardiovascular, sem meta terapêutica. (19)
Até o momento, não está disponível nenhum tratamento farmacológico especificamente desenvolvido e aprovado com o objetivo primário de reduzir os níveis séricos de Lp(a). (19)
No entanto, a diretriz reforça a importância da avaliação da Lp(a), pelo menos uma vez na vida, em todos os indivíduos. A documentação de uma Lp(a) elevada é clinicamente relevante, pois contribui de forma significativa para a estratificação do risco cardiovascular global do paciente. (19)
Metas Terapêuticas e Conduta Clínica de Acordo com a Classificação de Risco:
Indivíduos de baixo risco:
A diminuição do LDL-c demonstrou um benefício clínico significativo: para cada redução de 38,7 mg/dL no LDL-c ao longo de cinco anos, observou-se uma redução absoluta de 11 eventos vasculares maiores por 1.000 pessoas. Este benefício terapêutico supera consideravelmente os riscos inerentes associados à terapia com estatinas. (19)
Mesmo em indivíduos classificados como de baixo risco, está indicada a introdução de terapia hipolipemiante quando os níveis de LDL-c se mantêm ≥145 mg/dL de forma persistente, após a exclusão de fatores secundários e apesar da adesão às modificações no estilo de vida. (19)
Neste cenário clínico específico, as metas terapêuticas recomendadas são: (19)
- Redução Almejada do LDL-c: Igual ou superior a 30%. (19)
- Meta Terapêutica Primária (LDL-c): Inferior a 115 mg/dL. (19)
- Meta Terapêutica Coprimária (na˜o-HDL-c): Inferior a 145 mg/dL. (19)
Indivíduos de risco intermediário:
Para esta categoria de risco, as metas de tratamento lipídico são estabelecidas da seguinte forma:
- Redução Almejada do LDL-c: Redução ≥ 30% em relação ao valor basal. (19)
- Meta Terapêutica Primária (LDL-c): Devem ser mantidos abaixo de 100 mg/dL. (19)
- Meta Terapêutica Coprimária (não-HDL): Deve ser mantido abaixo de 130 mg/dL. (19)
Indivíduos de risco alto:
A abordagem terapêutica de escolha inclui o uso preferencial de estatina de alta potência ou a adoção de terapia combinada (estatina associada à ezetimiba).
As metas a serem alcançadas neste contexto clínico são:
- Redução Almejada do LDL: Redução ≥ 50% em relação ao valor basal. (19)
- Meta Terapêutica Primária (LDL): Devem ser mantidos abaixo de 70 mg/dL. (19)
- Meta Terapêutica Coprimária (não-HDL): Deve ser mantido abaixo de 100 mg/dL. (19)
Indivíduos de risco muito alto:
Neste cenário, recomenda-se:
- Redução Almejada do LDL: Redução ≥50% em relação ao valor basal. (19)
- Meta Terapêutica Primária (LDL): Deve ser mantido abaixo de 50 mg/dl. (19)
- Meta Terapêutica Coprimária (não-HDL): Deve ser mantido abaixo de 80 mg/dl. (19)
Indivíduos de risco extremo:
Neste cenário, recomenda-se:
- Redução Almejada do LDL: Redução ≥50% em relação ao valor basal. (19)
- Meta Terapêutica Primária (LDL): Deve ser mantido abaixo de 40 mg/dl. (19)
- Meta Terapêutica Coprimária (não-HDL): Deve ser mantido abaixo de 70 mg/dl. (19)
Tratamento Farmacológico:
O tratamento farmacológico das dislipidemias depende de diversos fatores, como o risco cardiovascular do paciente e o tipo de dislipidemia presente (14).
Para o tratamento da hipercolesterolemia isolada, as estatinas são os medicamentos de primeira escolha. Elas podem ser utilizadas em associação com ezetimiba, colestiramina e, em algumas situações, com fibratos ou ácido nicotínico (14).
No que diz respeito à hipertrigliceridemia isolada, os fibratos são os fármacos prioritariamente indicados. Em segunda linha, ou em associação, pode-se considerar o ácido nicotínico. Adicionalmente, o ômega-3 pode ser empregado tanto isoladamente quanto em combinação com outras terapias (14).
Na dislipidemia primária, os fármacos utilizados são: (13)
| Tipo | Lipoproteina Elevada | Colesterol | Triglicerídios | Risco de Aterosclerose | Tratamento Medicamentoso |
|---|---|---|---|---|---|
| I | Quilomícrons | + | +++ | Não elevado | Nenhum; |
| IIa | LDL | ++ | Não elevado | Alto | Estatina ± Ezetimiba |
| IIb | LDL + VLDL | ++ | ++ | Alto | Fibratos, Estatina, Ácido nicotínico; |
| III | βVLDL | ++ | ++ | Moderado | Fibratos; |
| IV | VLDL | + | ++ | Moderado | Fibratos; |
| V | Quilomícrons + VLDL | + | ++ | Não elevado | Combinação de Fibrato, Niacina, Óleo de peixe e estatina; |
Tabela: Classificação de Frederickson/Organização Mundial da Saúde e da hiperlipoproteinemia. (13)
Estatinas
As diretrizes clínicas atuais são unânimes em recomendar as estatinas como tratamento de primeira linha para a redução dos níveis de LDL-c e, consequentemente, a diminuição do risco de eventos cardiovasculares. A eficácia das estatinas é bem estabelecida, demonstrando uma relação direta entre a magnitude da redução do LDL-c e a diminuição do risco de eventos cardíacos adversos (6, 7, 8, 9, 14,19).
Uma redução de 40 mg/dL de LDL significa uma redução de 12% na mortalidade (3, 14). As estatinas são recomendadas como terapia de primeira linha tanto para prevenção primária quanto secundária de eventos cardiovasculares. A redução do LDL-c alcançada com estatinas varia entre os diferentes fármacos, mas é diretamente relacionada à dose inicial. Observa-se que dobrar a dose de qualquer estatina resulta em uma redução média adicional de 6-7% no LDL-c. Apesar das variações entre as estatinas, todas demonstram capacidade de reduzir eventos e mortalidade cardiovascular (14).
Estudos demonstram que as estatinas são capazes de diminuir a mortalidade em indivíduos com risco cardiovascular elevado, predominantemente pela redução na mortalidade por doenças coronarianas. No entanto, essa evidência não implica que um nível de colesterol extremamente baixo seja sempre melhor, especialmente em pessoas com baixo risco cardiovascular (2).
As estatinas, em conjunto com mudanças no estilo de vida, são a base da terapia para o controle do LDL-c. O mecanismo primário de ação das estatinas é a inibição da HMG-CoA redutase. Esta inibição leva a uma regulação positiva da expressão do receptor hepático de LDL (LDLR), resultando em um aumento da depuração do LDL da circulação. O grau de redução do LDL é diretamente dependente da dose e varia entre as diferentes estatinas. (19)
Meta-análises de ensaios clínicos randomizados e controlados demonstram uma relação dose-resposta clara: para cada redução de 39 mg/dL no nível de LDL, as estatinas conferem uma diminuição de 10% na mortalidade por todas as causas e reduções relativas de aproximadamente 22% em eventos cardiovasculares (incluindo síndrome coronária aguda, morte coronária, necessidade de revascularização miocárdica ou AVC). (19)
Baseada nestas evidências, a estatina é a primeira opção terapêutica para reduzir o risco cardiovascular em pacientes com dislipidemia. (3, 5, 6, 19).
Efeitos Adversos e Monitoramento: Os efeitos colaterais associados ao tratamento com estatinas são infrequentes. Dentre eles, os efeitos musculares são os mais comuns, podendo surgir em semanas ou até anos após o início da terapia (14). Alguns dos efeitos colaterais incluem elevação de enzimas hepáticas, dores musculares, e maior risco de diabetes e resistência à insulina (3).
Recomenda-se repetir o perfil lipídico cerca de quatro semanas após o início do tratamento ou após qualquer ajuste de dose. Uma vez que as metas lipídicas sejam atingidas, sugere-se a repetição anual do perfil, exceto em casos de suspeita de má aderência ou presença de efeitos adversos. (19)
A creatinoquinase (CK) deve ser dosada no início do tratamento, particularmente em indivíduos com alto risco de eventos adversos musculares, como aqueles com histórico de intolerância a estatinas, histórico familiar de miopatia, ou uso concomitante de fármacos que aumentem o risco de miopatia. A dosagem rotineira de CK não é indicada para pacientes já em uso de estatinas, a menos que surjam sintomas musculares (como dor, sensibilidade, rigidez, cãibras, fraqueza ou fadiga), ou se houver introdução de fármacos que interagem com a estatina, ou aumento da dose utilizada (14).
A avaliação das enzimas hepáticas ALT e AST também é recomendada antes do início da terapia com estatinas. Durante o tratamento, a função hepática deve ser reavaliada se houver sinais ou sintomas sugestivos de hepatotoxicidade (14). Caso ocorra elevação significativa da TGP (acima de três vezes o valor de referência em duas ocasiões consecutivas), é recomendada a suspensão da estatina ou a redução da sua dose. (19)
Ácido Bempedoico:
O ácido bempedoico é um agente terapêutico indicado para pacientes que demonstram intolerância às estatinas ou para aqueles que necessitam de terapias adjuvantes para atingir as metas lipídicas estabelecidas. (19)
Seu mecanismo de ação primário reside na inibição da biossíntese do colesterol, operando de forma análoga às estatinas, mas em uma etapa metabólica anterior na via de síntese. Ao interferir precocemente, o fármaco promove uma redução eficaz dos níveis de LDL-colesterol. Esse efeito é secundário à regulação positiva da síntese de receptores de LDL, um resultado direto da diminuição da concentração intracelular de colesterol. Adicionalmente, sua ação em um ponto metabólico distinto confere-lhe a capacidade de potencializar os efeitos de terapias hipolipemiantes combinadas. (19)
Fibratos
Os fibratos permanecem como a terapia de primeira linha para pacientes com hipertrigliceridemia grave (TG≥500 mg/dL). Nesta população, a principal meta do tratamento é a redução do risco de pancreatite aguda, e a intervenção deve ser iniciada mesmo na ausência de evidências robustas de benefício cardiovascular. (14, 19)
Adicionalmente, são utilizados no manejo da dislipidemia mista com predominância de hipertrigliceridemia (14).
Os fibratos, derivados do ácido fíbrico, atuam por meio da estimulação dos receptores nucleares conhecidos como “receptores alfa ativados da proliferação dos peroxissomas” (PPAR-α). Essa estimulação resulta no aumento da produção e atividade da lipoproteína lipase (LPL), enzima crucial para a hidrólise intravascular dos triglicerídeos (TG), e na redução da Apolipoproteína C-III (ApoC-III), que é um inibidor da LPL (14,19).
A ativação do PPAR-α pelos fibratos também promove uma maior síntese de Apolipoproteína A-I (ApoA-I), o que consequentemente eleva os níveis de HDL. Clinicamente, os fibratos podem reduzir as concentrações séricas de TG em 30-60%, sendo que essa redução é mais expressiva quanto maiores forem os valores basais de trigliceridemia. Eles diminuem significativamente o VLDL circulante e, portanto, os triglicerídeos, com uma redução modesta (aproximadamente 10%) do LDL e um aumento de cerca de 10% no HDL (13, 14,19).
| Fármaco | Dosagem (mg/dia) | ↓TG (%) | ↑HDL (%) | ↓LDL (%) |
|---|---|---|---|---|
| Bezafibrato | 200−600 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Bezafibrato retard | 400 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Gemfibrozila | 600−1200 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Gemfibrozila retard | 900 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Etofibrato | 500 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Fenofibrato | 160−250 | 30−60 | 7−11 | Variável |
| Ciprofibrato | 100 | 30−60 | 7−11 | Variável |
Tabela 2: Doses dos fibratos e alterações lipídicas (porcentagens médias) (14).
Eficácia Clínica e Efeitos Adversos: Em relação aos desfechos cardiovasculares, estudos clínicos com monoterapia de fibratos têm apresentado resultados inconsistentes. Contudo, uma meta-análise que incluiu 18 estudos e 45 mil participantes demonstrou que a terapia com fibratos reduziu o risco relativo de eventos cardiovasculares em 10% e de eventos coronarianos em 13%, embora não tenha sido observado benefício na mortalidade cardiovascular (14).
A ocorrência de efeitos colaterais graves durante o tratamento com fibratos, que exijam a interrupção da terapia, é infrequente. No entanto, podem surgir distúrbios gastrointestinais, mialgia, astenia, litíase biliar, diminuição da libido, erupções cutâneas, prurido, cefaleia e perturbações do sono (14).
Nota: O Estudo PROMINENT demonstrou que não há indicação formal para a utilização de fibratos com o objetivo de reduzir o risco cardiovascular em pacientes de alto risco que já estão em tratamento com estatinas. (19)
Ezetimiba
A ezetimiba atua como um inibidor seletivo da proteína NPC1L1, o transportador responsável pela absorção intestinal de colesterol. (3, 19). Sua administração ocorre em dose única diária de 10 mg, podendo ser feita a qualquer hora do dia, independentemente da alimentação, sem interferir na absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis (3, 14). Os efeitos colaterais são raros e geralmente relacionados ao trânsito intestinal (14). Por precaução, o uso é contraindicado em casos de dislipidemia com doença hepática aguda (14).
Mecanismo de Ação e Efeitos Clínicos: No duodeno, o medicamento inibe a absorção de colesterol (e de estanóis vegetais) através do bloqueio da proteína transportadora NPC1L1, presente nas microvilosidades dos enterócitos. Este mecanismo é seletivo e não afeta a absorção de vitaminas lipossolúveis, triglicerídeos ou ácidos biliares (13, 14).
A inibição da absorção do colesterol, que é em grande parte de origem biliar, resulta na diminuição dos níveis de colesterol hepático. Isso, por sua vez, estimula a síntese de receptores de LDL (LDLR), levando a uma redução de 10-25% nos níveis plasmáticos de LDL (14).
Quando administrada em terapia combinada com estatinas, a ezetimiba oferece uma redução adicional do LDL-colesterol. Este efeito é crucial, pois a inibição da síntese hepática de colesterol pelas estatinas pode induzir um aumento compensatório da absorção intestinal de colesterol, que é neutralizado pela ezetimiba. (19)
Em estudos clínicos, a combinação deste fármaco com estatinas demonstrou reduzir eventos cardiovasculares em pacientes com estenose aórtica degenerativa e doença renal crônica, quando comparado ao placebo (14).
É particularmente relevante em pacientes com intolerância parcial ou total às estatinas. Em muitos contextos clínicos, a ezetimiba é preferível à terapia anti-PCSK9, notavelmente devido a considerações de custo e adesão ao tratamento. (14,19)
A combinação de uma dose menor de estatina potente (ex: 10 mg de rosuvastatina) com ezetimiba demonstrou ser não inferior à monoterapia com uma dose mais alta da estatina (20 mg de rosuvastatina). Estudos clínicos confirmam a boa tolerabilidade da combinação de ezetimiba com rosuvastatina, reforçando sua utilidade clínica. (19)
Terapia anti-PCSK9:
A principal função da proteína PCSK9 é atuar na degradação dos receptores de LDL na superfície dos hepatócitos. (19)
Ao ser inibida, a PCSK9 permite que os receptores de LDL permaneçam intactos e retornem à superfície celular. Este processo aumenta significativamente a captação de partículas de LDL da circulação sanguínea, resultando em uma diminuição acentuada dos níveis séricos de LDL-colesterol. (19)
Em termos de segurança, os estudos de longo prazo (com seguimento de até 8,4 anos) demonstraram a ausência de efeitos colaterais significativos ou de alterações cognitivas, mesmo em subpopulações de pacientes que atingiram níveis ultrabaixos de LDL (inferiores a 25 mg/dL). (19)
Ácido Nicotínico (Niacina)
O ácido nicotínico atua inibindo a lipase tecidual nos adipócitos, o que resulta em menor liberação de ácidos graxos livres na corrente sanguínea. Consequentemente, há uma redução na síntese de triglicerídeos (TG) pelos hepatócitos. Clinicamente, ele promove uma redução do LDL-c em 5-25%, um aumento do HDL-c em 15-35% e uma diminuição dos TG em 20-50% (14). Apesar de seus efeitos benéficos, a taxa de interrupção do tratamento devido a efeitos colaterais tem sido alta em muitos estudos, atingindo cerca de 25% (14).
O ácido nicotínico pode ser empregado, em caráter excepcional, em pacientes com HDL-c baixo isolado, mesmo na ausência de hipertrigliceridemia. Ele também pode ser utilizado como alternativa a fibratos e estatinas, ou em associação com esses fármacos, para indivíduos com hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia ou dislipidemia mista (14).
Tolerabilidade e Administração: Devido à menor tolerabilidade da forma de liberação imediata (associada a rubor e prurido) e aos relatos de hepatotoxicidade com a forma de liberação lenta, tem sido preconizado o uso da formulação de liberação intermediária, que apresenta um perfil de tolerabilidade mais favorável (14).
Para mitigar os efeitos adversos relacionados ao rubor facial ou prurido, que são mais frequentes no início do tratamento, recomenda-se uma dose inicial de 500 mg/dia, com aumentos graduais para 750 mg e, posteriormente, para 1000 mg, respeitando intervalos de 4 semanas entre cada aumento. O objetivo é atingir uma dose de 1-2g/dia. É importante notar que o efeito máximo no perfil lipídico é alcançado somente após vários meses de tratamento (14).
Resinas (Sequestradores de Ácidos Biliares)
A colestiramina, um sequestrador de ácidos biliares, é apresentada em envelopes de 4g. A posologia inicial é de 4g/dia, podendo ser ajustada até um máximo de 24g/dia, embora doses superiores a 16g/dia sejam, em geral, mal toleradas (14).
Mecanismo de Ação: As resinas agem reduzindo a absorção entérica dos ácidos biliares. Consequentemente, ocorre depleção do colesterol celular hepático, o que estimula a síntese de receptores de LDL (LDLR) e de colesterol endógeno. Como efeito secundário desse estímulo à síntese, pode haver um aumento na produção de VLDL e, por conseguinte, nos níveis plasmáticos de triglicerídeos (TG) (3, 14).
Uso Clínico e Eficácia: No Brasil, a colestiramina é a única resina disponível (14). Um estudo demonstrou que a colestiramina reduziu em 19% o desfecho primário combinado de morte por doença coronariana e infarto do miocárdio. No entanto, não há estudos clínicos que comprovem benefício adicional da colestiramina quando associada a estatinas (14). Apesar disso, a adição de colestiramina ao tratamento com estatinas pode ser considerada quando a meta de LDL-c não é atingida, mesmo com o uso de estatinas potentes em doses eficazes (14).
A redução do LDL-c é dose-dependente, variando de 5-30% com doses entre 4-24g/dia (14). É fundamental que a colestiramina seja administrada separadamente de outros medicamentos, pois pode interferir na absorção de muitos deles. Recomenda-se que outros fármacos de uso rotineiro sejam tomados 1 hora antes ou 4 horas após a colestiramina (14).
Populações Específicas e Efeitos Adversos: Por não ser absorvida sistemicamente, a colestiramina é uma opção terapêutica para crianças hipercolesterolêmicas, isoladamente ou em associação com estatinas. É, ainda, o único fármaco liberado para mulheres em idade reprodutiva que não utilizam método contraceptivo eficaz, e durante os períodos de gestação e amamentação (14).
Os principais efeitos colaterais estão relacionados ao sistema digestório, como interferência na motilidade intestinal, obstipação (especialmente em idosos), plenitude gástrica, náuseas e meteorismo, além de exacerbação de hemorroidas preexistentes (14). Raramente, seu uso pode causar obstrução intestinal e acidose hiperclorêmica em idosos e crianças (14).
Entre os efeitos bioquímicos, é possível o aumento dos níveis de TG. Consequentemente, seu uso deve ser evitado em casos de hipertrigliceridemia, particularmente quando os níveis são superiores a 400 mg/dL (14).
Inibidores da Apolipoproteína C-III:
A Apolipoproteína C-III (ApoC-III) é reconhecida como uma glicoproteína fundamental na regulação da Trigliceridemia (TG). (19)
Seu mecanismo de ação contribui diretamente para a elevação dos TG séricos por dois fatores:
- Inibição da Lipoproteína Lipase (LPL), a principal enzima responsável pela hidrólise intravascular dos TG. (19)
- Diminuição da depuração hepática das lipoproteínas ricas em TG. (19)
O desenvolvimento de inibidores dessa apolipoproteína representa uma estratégia terapêutica promissora para o manejo da hipertrigliceridemia. (19)
Inibidores da Proteína Angiopoietina-Like3 (ANGPTL3):
A proteína angiopoietina-like 3 (ANGPTL3) atua como um inibidor endógeno da enzima lipase lipoproteica (LPL). (19)
A modulação da função dessa proteína está diretamente ligada ao risco de Doença Arterial Coronariana (DAC): (19)
- A perda de função da ANGPTL3 está associada a um menor risco de DAC. (19)
- O ganho de função está associado a um maior risco de DAC. (19)
Nesse contexto, a perda de função do gene da ANGPTL3 correlaciona-se a reduções significativas nos níveis séricos de Triglicerídeos (TG), LDL-colesterol (LDL) e, também, HDL-colesterol (HDL). O desenvolvimento de inibidores dessa proteína representa uma estratégia terapêutica promissora para o manejo da dislipidemia. (19)
Inibidores da Lipoproteína A (Lp(a)):
A lipoproteína(a) (Lp(a)), que contém a apolipoproteína(a) (apo(a)), é um fator de risco estabelecido e está correlacionada a desfechos cardiovasculares graves, como Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), Acidente Vascular Cerebral (AVC) e estenose valvar aórtica. (19)
Atualmente, não existe um tratamento farmacológico específico aprovado para a redução direcionada dos níveis de Lp(a) na prática clínica. (19)
Terapias combinadas:
A abordagem terapêutica padrão para atingir as metas de LDL-colesterol (LDL) é baseada no uso escalonado de agentes hipolipemiantes. (19)
O tratamento inicia-se com uma estatina, preferencialmente de alta intensidade, na dose máxima recomendada ou tolerada pelo paciente. A progressão sequencial da terapia de combinação inclui: (19)
- Adição de Ezetimiba: Como segundo passo para potencializar a redução do LDL. (19)
- Terapia Anti-PCSK9: Adicionada se o paciente ainda não atingir as metas lipídicas, representando a etapa mais potente na redução do LDL. (19)
Tratamento não farmacológico:
Controle de Peso:
No manejo da hipertrigliceridemia, as intervenções no estilo de vida, como a redução do peso corporal, podem promover uma melhora dos níveis de triglicerídeos (TG) em até 20%. Para tal, é recomendada uma restrição calórica diária de 500 a 1000 kcal (14).
A redução de peso corporal na faixa de 8% a 10% está intrinsecamente associada a melhorias significativas no perfil lipídico e, consequentemente, na saúde cardiometabólica. (19)
Esta perda ponderal induz as seguintes modificações bioquímicas: (19)
- LDL-Colesterol (LDL): Redução de 5 a 10 mg/dL. (19)
- Triglicerídeos (TG): Diminuição de 20 a 30 mg/dL. (19)
- HDL-Colesterol (HDL): Aumento de 3 a 5 mg/dL. (19)
Tais alterações demonstram a eficácia da intervenção de perda de peso no manejo da dislipidemia e na mitigação do risco cardiovascular. (19)
Aspectos Nutricionais:
A recomendação atual enfatiza uma abordagem qualitativa dos macronutrientes, concentrando-se na otimização da matriz alimentar. Isto implica a priorização de alimentos com elevado teor de fibras dietéticas e a restrição do consumo de açúcares adicionados e carboidratos refinados (alto índice glicêmico). (19)
Gorduras
A substituição dietética de gorduras saturadas por lipídeos insaturados (particularmente mono e poli-insaturados) configura uma estratégia fundamental, evidenciada por sua capacidade de induzir a redução dos níveis de LDL-colesterol e, consequentemente, a prevenção de Doença Cardiovascular (DCV). (19)
Diversas entidades de saúde preconizam uma dieta isenta de gorduras trans e com consumo de gordura saturada inferior a 7% do GET (Gasto Energético Total) para indivíduos com hipercolesterolemia e/ou risco cardiovascular elevado. O mais importante, no entanto, não é apenas a limitação da gordura saturada, mas sim sua substituição parcial por gorduras poli-insaturadas, uma estratégia associada à redução do colesterol total e do LDL-c (14). Aumentar o consumo de ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados é, portanto, uma medida essencial.
O consumo de gordura saturada tem sido associado a efeitos deletérios, tanto metabólicos quanto cardiovasculares, devido à sua capacidade de elevar o colesterol plasmático e por suas propriedades pró-inflamatórias. Uma meta-análise recente reafirmou que a substituição de gorduras saturadas por poli-insaturadas, por um período superior a dois anos, resultou em uma redução de 17% no risco de eventos cardiovasculares (14).
As gorduras trans devem ser completamente excluídas da dieta, pois são capazes de aumentar as concentrações de LDL-c e induzir lesões ateroscleróticas intensas (14). Em contraste, as diretrizes internacionais atuais indicam que não há evidências suficientes para estabelecer um valor de corte para o colesterol dietético, uma vez que o colesterol alimentar exerce pouca influência na mortalidade cardiovascular (14).
Em contraste, a permuta das gorduras saturadas por carboidratos refinados estabelece um perfil de risco. Esta troca nutricional promove uma dislipidemia aterogênica, manifestada pelo aumento dos triglicerídeos (TG) e pela diminuição do HDL-colesterol (HDL-C), um quadro que culmina em um elevado risco cardiovascular.
Carboidratos
Todas as recomendações atuais enfatizam a importância do controle do consumo de carboidratos e a redução da ingestão de açúcares, particularmente em casos de hipertrigliceridemia secundária (14). Diminuir o consumo de carboidratos simples é crucial.
Meta-análises de coortes prospectivas demonstram que dietas com teor extremamente baixo (<40%) ou excessivamente alto (>65% da energia) de carboidratos estão associadas a uma elevação da mortalidade geral.
Portanto, a conduta ideal exige a restrição/eliminação de açúcares adicionados e carboidratos refinados (alto índice glicêmico). Em contrapartida, é mandatório priorizar fontes de carboidratos com baixo índice glicêmico e alto teor de fibras para otimizar os desfechos de saúde.
A ingestão elevada de carboidratos provoca um aumento na glicemia, o que, por sua vez, eleva os níveis de insulinemia. Este processo ativa fatores de transcrição que promovem a síntese de ácidos graxos e triglicerídeos, além de contribuir para outros fatores de risco cardiovascular (14).
Fibras
A recomendação mínima de ingestão de fibras totais é estabelecida em 25 g/dia. Fontes alimentares que devem ser priorizadas para alcançar essa meta incluem a β-glucana (encontrada na aveia), psyllium, leguminosas e frutas com casca.
O consumo de fibras solúveis forma um gel no lúmen intestinal que se liga aos ácidos biliares, aumentando sua excreção fecal e reduzindo sua reabsorção no ciclo entero-hepático. Essa diminuição estimula a síntese de novos ácidos biliares, o que reduz o colesterol disponível para incorporação em lipoproteínas. Quanto maior a viscosidade da fibra, mais pronunciado é seu efeito na redução do colesterol (14). Aumentar o consumo de fibras, principalmente as solúveis, é uma conduta recomendada.
Tipos de Fibras Solúveis e Seus Efeitos: O psyllium é a fibra solúvel mais estudada em relação à redução do colesterol. Uma revisão demonstrou que doses diárias de 7-15g estão associadas a uma redução de 5-20% no LDL-c e de 2-15% no colesterol total, sem afetar significativamente os níveis de HDL-c e triglicerídeos. O consumo deve ser fracionado antes das refeições principais (14).
O farelo de aveia apresenta resultados semelhantes, com uma redução de 5-6% no LDL-c, sem efeitos significativos sobre o HDL-c e os triglicerídeos. Para isso, sugere-se o consumo de 3g/dia de betaglucanas. É importante notar que as maiores concentrações de fibras solúveis (betaglucanas) são encontradas no farelo de aveia (14).
Probióticos
A suplementação com probióticos demonstra potencial terapêutico na modulação de fatores de risco cardiometabólico. Estudos indicam que o uso de probióticos pode contribuir para a redução dos níveis séricos de Colesterol Total (CT) e LDL-colesterol, além de promover a melhoria do Índice de Massa Corporal (IMC) e de marcadores inflamatórios. (19)
O uso de probióticos demonstrou a capacidade de reduzir os níveis séricos de colesterol total, com uma redução média de 13 mg/dL, conforme evidenciado por um estudo de meta-análise que corrobora achados de outras análises semelhantes. Observa-se que estudos de maior duração apresentaram resultados mais favoráveis, sugerindo que o benefício dos probióticos pode ser mais pronunciado a longo prazo (mínimo de 8 semanas de uso) (4, 14). Adicionalmente, investigações in vitro e in vivo já confirmaram as propriedades hipolipidêmicas dos probióticos (4).
O principal mecanismo de ação postulado envolve a diminuição da circulação entero-hepática de sais biliares, processo que aumenta a excreção de colesterol e reduz a sua reabsorção. (19)
Especificamente, cepas como o Lactobacillus plantarum têm sido associadas à observação desses efeitos benéficos. (19)
Ômega-3
Entre os ácidos graxos poli-insaturados, os da série ômega-3 são reconhecidos por sua atividade cardioprotetora. (14)
O óleo de peixe, uma fonte de ácidos graxos ômega-3, é formalmente recomendado em diretrizes clínicas para o manejo de pacientes com hipertrigliceridemia.
É recomendado o consumo de duas porções semanais de peixes ricos em EPA e DHA (14). Adicionalmente, doses de 2 a 4g de ômega-3 (EPA/DHA) podem ser utilizadas para tratar a hipertrigliceridemia, devido à sua capacidade de inibir a produção de VLDL, ao inibir a sintese e a taxa de renovaçao de TG, e a mecanismos anti-inflamatórios (3, 14,19). Essa recomendação é particularmente relevante para casos de hipertrigliceridemia grave (acima de 500 mg/dL) com risco de pancreatite, especialmente quando refratária a medidas não farmacológicas e tratamento medicamentoso (14).
Em doses elevadas (4-10g/dia), os ômega-3 são capazes de reduzir os triglicerídeos (TG) e aumentar discretamente o HDL, embora possam, em contrapartida, elevar o LDL-c. Seus efeitos no perfil lipídico são dose-dependentes (14).
Em pacientes com hipertrigliceridemia grave (TG≥500 mg/dL), o uso de suplementos de ômega-3 é crucial, sendo o principal respaldo clínico a redução do risco de pancreatite. Evidências demonstram que a administração de doses diárias de 2 a 4 g de EPA + DHA pode induzir uma redução nos níveis de triglicerídeos de até 45% nesta população. (19)
O óleo de krill destaca-se por apresentar maior biodisponibilidade em comparação ao óleo de peixe convencional, em uma proporção de 2:1. Por ser hidrossolúvel, o óleo de krill oferece melhor digestibilidade e minimiza o odor residual de peixe. É importante ressaltar que o óleo de krill não apresenta risco de contaminação por mercúrio (14).
Álcool
Estudos recentes empregando a metodologia de randomização mendeliana sugerem que o menor risco de desfechos cardiovasculares é observado em indivíduos abstemios. Além disso, a ingestão de qualquer quantidade de álcool parece estar associada a um aumento da Pressão Arterial (PA) e do Índice de Massa Corporal (IMC). (19)
O limite de consumo considerado de baixo risco é de aproximadamente 100 g de álcool por semana. Entretanto, o consumo elevado (>30 g/dia) está comprovadamente associado à dislipidemia, manifestada pelo aumento dos níveis de Triglicerídeos (TG) e Colesterol Total (CT). (19)
Considerando os efeitos deletérios amplamente documentados do consumo alcoólico excessivo, as recomendações clínicas devem ser pautadas pela cautela, visto que a definição de um limiar seguro e as conclusões definitivas sobre a relação dose-resposta ainda permanecem em debate na literatura científica. (19)
Para indivíduos com hipertrigliceridemia, o consumo de bebidas alcoólicas não é recomendado. Isso se deve a dois fatores principais: a metabolização do álcool resulta na produção de acetil-CoA, um precursor essencial na síntese de ácidos graxos, e, geralmente, a ingestão de álcool está associada a um aumento concomitante no consumo de gorduras saturadas (14).
Alho (Allium Sativum)
As saponinas encontradas no alho demonstraram, em estudos com animais, a capacidade de inibir a absorção intestinal de colesterol, resultando em uma redução da concentração plasmática de colesterol (11). Adicionalmente, o alho foi capaz de reduzir os níveis de triglicerídeos e aumentar o HDL, além de diminuir a síntese de colesterol através da inibição da enzima HMG-CoA redutase (1, 10).
Cúrcuma (Curcuma Longa)
A curcumina tem demonstrado atividade sobre o metabolismo lipídico, promovendo a redução do colesterol total e de outros lipídios, além de elevar o HDL-colesterol e diminuir os triglicerídeos, fosfolipídios e apolipoproteínas (1, 2).
Mecanismos de Ação: Esses efeitos são atribuídos a múltiplos mecanismos, incluindo:
- Aumento da adiponectina e redução da resistina e leptina.
- Inibição das Proteínas de Ligação ao Elemento Regulador de Esterol (SREBPs).
- Repressão da enzima 11β-hidroxiesteroide desidrogenase (2).
- Inibição da absorção de colesterol via bloqueio da proteína NPC1L1.
- Ativação do eixo AMPK-SIRT1-LXR.
- Aumento dos receptores de LDL (LDL-R) por inibição da PCSK9.
Um estudo utilizando 650 mg de curcumina (com 95% de curcuminoides) três vezes ao dia demonstrou diminuição dos níveis de triglicerídeos e LDL-c.
Fitosteróis
O uso de fitosteróis deve ser integrado às mudanças no estilo de vida e é recomendado para indivíduos com colesterol elevado e risco cardiovascular baixo ou intermediário, que não se qualificam para tratamento farmacológico. Também serve como medida adjuvante ao tratamento farmacológico em pacientes que não atingem as metas de LDL-c com estatinas, ou para aqueles que são intolerantes a elas. Podem ser utilizados por adultos e crianças a partir dos 5 anos de idade (14).
Os efeitos dos fitosteróis são observados a partir de 3-4 semanas de uso, são bem tolerados e não apresentam efeitos adversos significativos (14). Em crianças, o uso é seguro, com doses de até 2g/dia em casos de hipercolesterolemia familiar. Durante a gestação e lactação, é necessário cautela, mas seu uso pode ser considerado (14).
Mecanismo de Ação dos Fitosteróis: Os fitosteróis, fitostanóis e seus ésteres são um grupo de esteroides alcoólicos e ésteres encontrados exclusivamente em plantas e vegetais (14). No intestino delgado, sua ação ocorre em três etapas:
- Incorporação às micelas: Permitem o transporte dos fitosteróis até a borda em escova do enterócito (14).
- Transporte para o enterócito: Os esteróis são transportados das micelas para o interior do enterócito via transportador NPC1-L1 (14).
- Transporte de volta ao lúmen intestinal: Os esteróis são transportados de volta ao lúmen intestinal pelos cotransportadores ABC G5/G8 (14).
Seu consumo reduz a absorção de colesterol principalmente por comprometer a solubilização intraluminal (micelas), embora novos mecanismos também tenham sido propostos (14).
Efeitos na Redução do Colesterol: Foi observada uma relação inversa entre o consumo habitual de fitosteróis na dieta e os níveis séricos de colesterol total ou LDL-c. Considera-se que o consumo de 2g/dia reduza o LDL-c em cerca de 10%, com diminuições ainda maiores quando associado a uma dieta pobre em gordura saturada e colesterol (14). Quando utilizados em adição às estatinas, os fitosteróis promovem uma redução de 10-15% no LDL-c, um efeito superior ao dobro da dose de estatina, que geralmente resulta em uma redução próxima a 6% (14).
Chá-verde:
O consumo de chá verde está associado a efeitos protetores na saúde cardiovascular, notavelmente pela melhoria da função endotelial.
Os mecanismos de ação propostos para este benefício incluem: (19)
- Bloqueio da Absorção de Colesterol: Inibição da absorção intestinal de colesterol. (19)
- Aumento da Excreção Fecal de Lipídeos: Maior excreção fecal de ácidos graxos. (19)
Essas ações contribuem para a modulação do metabolismo lipídico e a proteção vascular. (19)
Gergelim ou Sesame:
O consumo de gergelim (sésamo) está associado a potenciais efeitos favoráveis no perfil lipídico e na saúde cardiovascular. Sua composição nutricional é rica em ácidos graxos insaturados, vitamina E e lignanas. (19)
A ação combinada desses componentes é proposta como mecanismo para a redução dos níveis séricos de triglicerídeos (TG), contribuindo assim para a otimização dos fatores de risco cardiometabólico. (19)
Proteína de Soja:
Acredita-se que a proteína de soja exerce efeitos benéficos no perfil lipídico por meio de dois mecanismos principais relacionados ao metabolismo do colesterol: (19)
- Diminuição da Absorção de Colesterol: A proteína pode interferir na absorção intestinal do colesterol dietético. (19)
- Aumento da Excreção de Esteroides Fecais: Aumenta a eliminação de esteroides (incluindo colesterol e seus metabólitos) pelas fezes. (19)
Essas ações combinadas contribuem para a redução dos níveis séricos de colesterol. (19)
Atividade Física
O exercício físico desempenha um papel crucial na melhoria da estrutura e função vascular. No nível endotelial, a prática regular de exercícios eleva a biodisponibilidade de óxido nítrico e reduz a concentração de endotelina (14).
Em indivíduos com DCV, há evidências de que o exercício físico regular diminui a formação de neoíntima, aumenta a circunferência luminal e estimula a angiogênese. Além disso, o exercício potencializa a mobilização de células progenitoras do endotélio e a expressão da óxido nítrico-sintase endotelial (eNOS). Essa melhora na vasculatura está associada ao fator de crescimento derivado do endotélio de fibroblastos. Como resultado, essa conduta reverte a resposta vasoconstritora da artéria coronária à administração de acetilcolina e aumenta o fluxo de reserva coronária à infusão intracoronária de adenosina (14).
Efeitos nos Lípidos Plasmáticos: Em relação aos lípidos plasmáticos, o exercício é capaz de aumentar o HDL-c e exerce efeitos menores sobre o LDL-c. Contudo, ele pode aumentar a cinética do LDL-c e prolongar o período em que o LDL-c permanece em sua forma reduzida (14). Os efeitos do exercício nos triglicerídeos (TG) são bastante significativos, com uma redução consistente na concentração plasmática de TG (14).
Prescrição do Exercício: Um programa de exercícios deve ser iniciado com uma avaliação clínica e um teste ergoespirométrico progressivo máximo. Isso permite avaliar as respostas cardiovasculares e metabólicas ao esforço, bem como a capacidade física do indivíduo (14). A frequência recomendada é de 3-5 sessões por semana, as quais devem incluir aquecimento, alongamento, exercícios aeróbicos e exercícios de força (14).
Adultos devem aderir a um regime de atividade física aeróbia que totalize, no mínimo, 150 minutos por semana em intensidade moderada ou 75 minutos por semana em intensidade vigorosa. É importante notar que períodos mais curtos de atividade moderada a intensa já conferem benefícios significativos. (19)
O treinamento de resistência está associado à redução do risco de eventos cardiovasculares totais e à diminuição da mortalidade por todas as causas. (19) A prescrição ideal sugere a execução de 1 a 3 séries de 8 a 12 repetições por exercício, mantendo uma intensidade de 60% a 80% da capacidade de uma repetição máxima (1RM). A frequência mínima recomendada é de pelo menos 2 dias por semana, abrangendo 8 a 10 exercícios distintos que envolvam os principais grupos musculares. (19)
Tabagismo
A doença aterosclerótica está intrinsecamente ligada à disfunção endotelial. A exposição à fumaça do cigarro, por exemplo, compromete a vasodilatação dependente do endotélio tanto em artérias coronárias quanto em leitos microvasculares (14).
A cessação do tabagismo é benéfica em qualquer estágio da vida do fumante (14).
O tabagismo é o fator causal primário em aproximadamente 50% de todas as mortes evitáveis em indivíduos fumantes, sendo que metade dessas fatalidades está diretamente associada à Doença Cardiovascular Aterosclerótica (DCV). (19)
A contribuição do tabaco para a aterosclerose ocorre por meio de múltiplos mecanismos fisiopatológicos: (19)
- Disfunção Endotelial: Redução significativa da biodisponibilidade do óxido nítrico (NO) endotelial. (19)
- Estresse Oxidativo: Aumento da produção de Espécies Reativas de Oxigênio (ERO), que promovem a oxidação do LDL-colesterol. (19)
- Inflamação e Trombose: Elevação dos níveis circulantes de marcadores inflamatórios e estímulo a um estado pró-trombótico. (19)
- Dislipidemia: Impacto negativo na concentração de lipoproteínas, especificamente a diminuição do HDL-colesterol. (19)
A cessação do tabagismo demonstra um benefício clínico rápido e significativo, com uma redução de aproximadamente 50% no risco de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) após apenas um ano de abstinência. (19)
Os medicamentos de primeira linha para auxiliar na cessação tabágica incluem a terapia de reposição de nicotina (TRN), disponível em formas como goma ou adesivo, a bupropiona e a vareniclina (14).
Esses fármacos demonstraram eficácia comprovada. Embora a segurança de seu uso em pacientes com DCV tenha sido questionada no passado, meta-análises recentes concluíram que não há aumento no risco de eventos cardiovasculares maiores, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC). O benefício da interrupção do tabagismo na morbimortalidade dos pacientes é, portanto, inquestionável (14).
Espiritualidade:
A integração de suporte espiritual e religioso adequado, fundamentado na identificação das necessidades e na relevância para o paciente, transcende o benefício individual, impactando positivamente o sistema de saúde e a equipe multidisciplinar. (19)
As evidências científicas disponíveis corroboram a associação entre religiosidade e espiritualidade e a adoção de comportamentos promotores de saúde. Tais fatores estão correlacionados a: (19)
- Menores prevalências de tabagismo e consumo de álcool. (19)
- Redução do sedentarismo e aumento da atividade física. (19)
- Melhor adesão a regimes nutricionais e farmacológicos no manejo de condições crônicas, como dislipidemias, hipertensão arterial, obesidade e diabetes mellitus. (19)
A compreensão e o provimento desse suporte representam um componente essencial na abordagem integral e humanizada do cuidado em saúde. (19)
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