Manejo da Dismenorreia Primária: Abordagem Multimodal
Introdução
A dismenorreia primária é definida como dor associada à menstruação na ausência de patologias pélvicas subjacentes. Caracteriza-se por dor que se inicia com o sangramento menstrual e diminui gradualmente nas 12 a 72 horas seguintes (1, 5). Essa condição é uma das desordens ginecológicas mais prevalentes e seus sintomas podem ser incapacitantes, levando a faltas no trabalho e/ou na escola (1).
Fisiopatologia
Embora a causa da dismenorreia primária não seja totalmente compreendida, evidências sugerem que uma das principais etiologias é o aumento na produção de prostaglandinas derivadas da ciclooxigenase-2 (COX-2) e de outros mediadores inflamatórios. Essas substâncias são responsáveis por desencadear contrações uterinas excessivas, diminuição do fluxo sanguíneo, aumento da hipersensibilidade dos nervos periféricos e, consequentemente, dor e outros sintomas (5).
A dismenorreia pode ser classificada em primária, quando a dor está exclusivamente associada à menstruação, ou secundária, quando é causada por uma patologia pélvica subjacente, como endometriose, doença inflamatória pélvica, cistos ovarianos ou adenomiose (4, 5).
Conduta Clínica
O manejo da dismenorreia primária envolve uma abordagem multifacetada, incluindo terapia nutricional, fitoterapia e, quando necessário, intervenção farmacológica.
Terapia Nutricional
A dieta e a suplementação nutricional desempenham um papel relevante no controle dos sintomas da dismenorreia.
Dieta Anti-inflamatória
Recomenda-se a adoção de uma dieta com foco anti-inflamatório.
Gengibre (Zingiber officinale)
O gengibre (Zingiber officinale) tem demonstrado atividade farmacológica pleiotrópica, com ações no sistema gastrointestinal, além de propriedades antioxidantes, cardiovasculares, analgésicas e anti-inflamatórias (1). Estudos indicam que o gengibre exerce efeito anti-inflamatório através da inibição da COX-2, NF-kB e 5-LOX (1).
Uma meta-análise concluiu que o gengibre é capaz de reduzir a experiência subjetiva de dor, incluindo a dor associada à dismenorreia em mulheres (1). Em estudos, a administração de 750 a 2000 mg/dia de gengibre em pó durante os 3-4 primeiros dias da menstruação mostrou-se tão eficaz quanto alguns anti-inflamatórios na redução da dor (1).
Ômega-3
Estudos recentes indicam que o óleo de peixe, rico em ômega-3, é capaz de suprimir a síntese de prostaglandinas (2). Diversas pesquisas demonstraram uma redução na severidade dos sintomas da dismenorreia, mesmo após a interrupção do uso de ômega-3, com efeitos superiores aos do ibuprofeno em alguns estudos. As doses variam de 1 a 4 g/dia (2).
Óleo de Prímula (Oenothera biennis)
A suplementação de óleo de prímula (2 g/dia) é recomendada.
Fitoterapia
A fitoterapia oferece opções complementares para o manejo da dismenorreia, atuando em diferentes mecanismos.
Canela (Cinnamomum zeylanicum)
O chá da casca e o óleo essencial de Cinnamomum zeylanicum (canela) apresentaram propriedades emenagogas e antiespasmódicas (3). Recomenda-se o consumo de 2-4 g/dia da casca em forma de chá.
Agoniada (Plumeria lancifolia)
O extrato de Plumeria lancifolia (agoniada) demonstrou características anti-inflamatórias e antiespasmódicas no músculo liso do útero (3). Observou-se que a fração do extrato rica em alcaloides, com a uleína como principal constituinte, foi capaz de provocar redução nas contrações da musculatura lisa vascular e não vascular, possivelmente relacionada ao bloqueio da entrada de cálcio na célula (3). A dosagem recomendada é de 2-10 g/dia da planta rasurada, dividida em três tomadas na forma de chá.
Angélica Chinesa (Angelica sinensis) – Dong Quai
O mecanismo de ação de Angelica sinensis (dong quai) ainda é incerto, mas alguns estudos sugerem que o principal componente ativo de seu óleo essencial é o butilidenoftalídeo, um potente espasmolítico uterino que, juntamente com o ácido ferúlico, provavelmente é responsável pelo alívio da dismenorreia (3).
Feno Grego (Trigonella foenum-graecum)
Um estudo controlado com 101 mulheres utilizando o extrato das sementes de Trigonella foenum-graecum (feno grego) encontrou melhora nos sintomas da dismenorreia (4). Observou-se uma diminuição da duração da dor e uma redução de sintomas como fadiga, dor de cabeça e náuseas (4). No entanto, as evidências para suportar o uso do feno grego na dismenorreia ainda são consideradas escassas (4).
Borragem (Borago officinalis)
A Borago officinalis (borragem) é uma planta com potencial uso na fitoterapia para dismenorreia.
Tratamento Médico Farmacológico
O tratamento farmacológico visa o alívio dos sintomas agudos da dismenorreia.
Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs)
Alguns estudos demonstraram que os AINEs são capazes de inibir a COX-2, diminuindo a síntese de prostaglandinas, o que contribui para a analgesia e seus efeitos antitéticos, tornando-os eficazes na redução da severidade dos sintomas, com uma taxa de resposta superior a 80% (1, 5).
O ibuprofeno destaca-se como uma das melhores drogas não esteroidais anti-inflamatórias no combate à cólica, apresentando baixos efeitos colaterais e resultados expressivos (2). O ibuprofeno suprime a síntese de prostaglandinas e suas pré-formas, além da produção de tromboxanos a partir do ácido araquidônico (2). Além do ibuprofeno, podem ser utilizados naproxeno, cetoprofeno, ácido mefenâmico e nimesulida (5).
Progestinas
As progestinas são uma opção terapêutica (4).
Contraceptivos Orais
Os contraceptivos orais são outra abordagem farmacológica (4). A falha dos AINEs e/ou contraceptivos orais é sugestiva de distúrbio pélvico, como a endometriose, devendo a laparoscopia diagnóstica ser considerada (5).
Vitamina K
Na China, a injeção de vitamina K via acupuntura é utilizada desde 1980. Um estudo piloto não controlado, realizado na China e na Itália, sugeriu que a vitamina K administrada por essa via é capaz de diminuir as dores menstruais (6).
Outros Tratamentos
Além das abordagens mencionadas, a aplicação de compressas quentes sobre a região pélvica pode proporcionar alívio sintomático (5).
Referências Bibliográficas
- DAILY, J. W. et al. Efficacy of Ginger for Alleviating the Symptoms of Primary Dysmenorrhea: A Systematic Review and Meta-analysis of Randomized Clinical Trials. Pain Med (United States), v. 16, n. 12, p. 2243–55, 2015.
- ZAFARI, M.; BEHMANESH, F.; AGHA MOHAMMADI, A. Comparison of the effect of fish oil and Ibuprofen on treatment of severe pain in primary dysmenorrhea. Caspian J Intern Med., v. 2, n. 3, p. 279-282, 2011.
- SAAD, G. DE A. et al. Fitoterapia Contemporânea – Tradição e Ciência na Prática Clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 441 p.
- KENDA, M. et al. Herbal Products Used in Menopause and for Gynecological Disorders. Molecules, v. 26, n. 24, p. 7421, 8 dez. 2021. Disponível em: https://www.mdpi.com/1420-3049/26/24/7421.
- JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.
- COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p