Doença Diverticular do Cólon: Abordagem Clínica e Terapêutica
A doença diverticular do cólon (DDC) é uma condição comum, especialmente em indivíduos acima dos 50 anos, embora sua incidência esteja crescendo em faixas etárias mais jovens. Caracteriza-se pela formação de saculações na parede do cólon, denominadas divertículos.
Fisiopatologia
Os divertículos podem ser classificados como verdadeiros ou pseudodivertículos. Divertículos verdadeiros são herniações saculares que envolvem todas as camadas da parede intestinal, enquanto os pseudodivertículos (mais comuns no cólon) são protrusões restritas à mucosa e submucosa através da camada muscular própria.
A formação dos divertículos ocorre devido a falhas na camada muscular média e espessa do cólon, permitindo a projeção das camadas internas e a criação dessas bolsas. A localização mais comum é no cólon esquerdo e sigmoide, exceto em populações asiáticas, onde 70% dos divertículos são encontrados no cólon direito e ceco (4).
A etiologia exata da diverticulose ainda está sob investigação. No entanto, acredita-se que uma interação complexa entre a arquitetura colônica, a motilidade intestinal, a predisposição genética e, principalmente, uma ingestão insuficiente de fibras dietéticas ao longo da vida, contribuam para o aumento da pressão intraluminal (5).
A hipótese prevalente sugere que a deficiência de fibras dietéticas resulta em menor volume fecal e redução do diâmetro luminal. Nesse cenário, as forças peristálticas são direcionadas para a parede colônica, ao invés do conteúdo luminal, provocando hérnias e saculações nos pontos de menor resistência da mucosa e submucosa (6). Os divertículos frequentemente se desenvolvem nos locais de penetração das artérias nutrientes (vasos retos) através da muscular própria, criando pontos de fragilidade na parede colônica. Essa vulnerabilidade anatômica pode ser exacerbada pela zona de alta pressão na musculatura do cólon sigmoide (4).
Contrações de maior amplitude, associadas à presença de fezes endurecidas e ricas em gorduras no lúmen sigmoide, em uma área de fragilidade da parede colônica, culminam na formação dos divertículos (4). Consequentemente, os vasos retos podem sofrer compressão ou erosão, resultando em perfuração ou sangramento. Adicionalmente, um processo inflamatório crônico de baixa intensidade parece desempenhar um papel relevante na degeneração neuronal, que por sua vez acarreta distúrbios da motilidade e elevação da pressão intraluminal (4).
Fatores de Risco e Prevalência
Fatores de risco para a doença diverticular incluem:
- Dieta pobre em fibras e rica em gorduras (6)
- Sedentarismo
- Obesidade/IMC elevado
- Diabetes Mellitus
- Dislipidemia
- Tabagismo/Consumo de álcool
- Uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), opioides e corticosteroides
A DDC apresenta uma prevalência ligeiramente maior no sexo masculino e é comumente diagnosticada em indivíduos com idade superior a 50 anos. Contudo, observa-se uma crescente incidência em pacientes mais jovens, e nos homens, a manifestação da doença tende a ocorrer em faixas etárias mais precoces (4). A diverticulite pode se manifestar de forma grave em indivíduos de todas as faixas etárias, mas há uma tendência a maior severidade em indivíduos mais idosos. Pacientes em uso de corticosteroides ou outras terapias imunossupressoras são mais vulneráveis devido ao risco aumentado de processos infecciosos, incluindo infecções colônicas. Pacientes com infecção pelo HIV e aqueles submetidos à quimioterapia também demonstram um risco aumentado de desenvolver diverticulite.
Sintomatologia
Os sintomas da doença diverticular podem incluir:
- Vômitos (6)
- Náuseas (6)
- Febre (6)
- Diarreia (6)
- Constipação (6)
- Dor abdominal (6)
- Inchaço (6)
É importante notar que os sinais e sintomas da Síndrome do Intestino Irritável (SII) podem simular o quadro clínico da diverticulite aguda (4).
Causas da Diverticulite
A etiopatogenia da diverticulite ainda não está totalmente elucidada, apresentando variabilidade interindividual. Classicamente, postula-se que a diverticulite se instala mediante o desenvolvimento de macro ou microperfurações em um divertículo, culminando na liberação de microbiota intestinal e na deflagração de um processo inflamatório. Entretanto, evidências recentes insinuam que, em certos pacientes, o quadro agudo de diverticulite se configura primariamente como um evento inflamatório, em detrimento de um processo infeccioso. Adicionalmente, o citomegalovírus emerge como um potencial agente deflagrador dessa inflamação, com detecção de replicação viral ativa no tecido colônico afetado em mais de dois terços dos pacientes diagnosticados com diverticulite.
Estudos têm demonstrado uma correlação positiva entre a frequência semanal do consumo de carne vermelha, o hábito tabagista e a obesidade com a incidência de diverticulite (3,5). O uso de anti-inflamatórios não esteroides, ácido acetilsalicílico, corticosteroides e opioides também se associa a um aumento do risco de desenvolvimento de diverticulose e diverticulite (2,7). Contrariamente a concepções anteriores, não se estabeleceu uma relação causal entre o consumo de oleaginosas, sementes, milho ou pipoca e a ocorrência de diverticulite. Investigações longitudinais com 18 anos de duração não demonstraram correlação entre a ingestão de frutos de casca rígida, milho ou pipoca e a ocorrência de hemorragia diverticular. De fato, observou-se uma associação inversa entre o consumo desses alimentos e o risco de desenvolvimento de diverticulite (4,5).
Estudos têm evidenciado que a prática regular de atividade física e a adequada ingestão de fibras alimentares exercem um papel preventivo na formação de divertículos e no desenvolvimento de diverticulite (2,7).
A diverticulite consiste em um processo inflamatório circunscrito ao divertículo, frequentemente associado a distúrbios da motilidade intestinal, alterações na composição da microbiota e um estado de inflamação crônica de baixa intensidade (5). Além disso, a disfunção intestinal, frequentemente relacionada à ingestão inadequada de fibras e água, contribui para a instalação de um processo inflamatório crônico. Este, por sua vez, pode induzir hipertrofia muscular da parede colônica e remodelamento do sistema nervoso entérico, resultando em alterações da motilidade e no desenvolvimento de hipersensibilidade visceral (5).
Classificação da Doença Diverticular
- Doença Diverticular Sintomática Sem Complicações (DDSSC): A diverticulite aguda não complicada, também referida como DDNC, manifesta-se clinicamente por febre, anorexia, dor localizada no quadrante inferior esquerdo do abdômen e constipação intestinal (5). Em casos de DDNC com confirmação de inflamação e infecção do cólon, a conduta inicial preconizada é o repouso intestinal (4).
- Doença Diverticular Complicada: É definida pela associação da diverticulose com abscesso ou perfuração e, em menor frequência, com a formação de fístulas (4).
Complicações
O espectro de complicações associadas à doença diverticular abrange desde quadros assintomáticos, sangramento de baixa intensidade e alterações nos hábitos intestinais até o desenvolvimento de diverticulite (5). A diverticulite, por sua vez, manifesta-se através de um amplo leque de condições, incluindo inflamação, formação de abscessos, perfuração aguda, hemorragia aguda, obstrução intestinal e sepse (5).
Investigações científicas têm demonstrado a ocorrência de alterações na microbiota intestinal em pacientes com doença diverticular, caracterizadas por um supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) e uma redução na diversidade microbiana, comumente associada à predominância de proteobactérias.
Sangramento Diverticular
Em pacientes com idade superior a 60 anos, a hemorragia diverticular colônica representa a etiologia mais frequente de hematoquezia. Contudo, apenas uma parcela limitada, correspondente a 20%, dos indivíduos diagnosticados com diverticulose desenvolve sangramento gastrointestinal (4).
Diagnóstico
O diagnóstico de diverticulite deve ser confirmado preferencialmente por tomografia computadorizada (TC) com os seguintes achados (4):
- Divertículos no sigmoide;
- Parede colônica espessada >4 mm;
- Inflamação da gordura pericólica, com maior ou menor quantidade de acúmulo de contraste ou líquido.
Após o fim do episódio de diverticulite, pode ser realizada a endoscopia para avaliação complementar.
Conduta Clínica e Tratamento
Terapia Nutricional
A terapia nutricional desempenha um papel fundamental no manejo da doença diverticular, tanto na fase de remissão quanto durante as crises.
- Ingestão de Fibras: Atualmente, o conhecimento científico estabelece que uma dieta rica em fibras, aliada a uma hidratação apropriada, favorece a formação de fezes com consistência macia e volume adequado, o que facilita o trânsito intestinal e minimiza o esforço necessário para a defecação (5). Observou-se que a implementação de uma dieta com elevado teor de fibras contribui para o alívio sintomático na maioria dos pacientes (5). Um estudo prospectivo com acompanhamento de 66 meses demonstrou que uma maior ingestão de fibras dietéticas esteve associada a uma redução de 19% na taxa de recorrência dos sintomas relacionados à doença diverticular (4).
- Fora da crise: Recomenda-se a ingestão de 25g a 38g de fibras por dia. O uso de suplementos como psyllium e metilcelulose pode ser benéfico.
- Durante as crises: Recomenda-se repouso intestinal e uma dieta baixa em resíduos, com aumento gradativo da fibra.
- Hidratação: Adequar a ingestão de água é fundamental para o efeito das fibras.
- Dieta “Anti-inflamatória”: Apesar de ainda não haver consenso, a inflamação crônica parece estar ligada à doença, sugerindo benefício de uma dieta com propriedades anti-inflamatórias.
- Alimentos a Evitar: Recomenda-se evitar o consumo de café e chocolate, pois produtos derivados da torra podem gerar problemas.
- Alimentos sem Restrição: Não é necessário retirar o milho, a pipoca e outros alimentos previamente associados, pois investigações longitudinais não demonstraram correlação com hemorragia diverticular e, inversamente, observaram associação com redução do risco de diverticulite (4,5).
Suplementos
- Psyllium: Estudos em humanos demonstraram que a administração de psyllium promove uma redução no tempo de trânsito do bolo fecal, estimula a atividade peristáltica e aumenta o volume da massa fecal (1). Essas propriedades farmacológicas são atribuídas ao elevado teor de mucilagem presente no psyllium, uma substância que, ao entrar em contato com a água, expande seu volume em até 14 vezes (1). A formação dessa massa gelatinosa facilita o peristaltismo intestinal, promove a hidratação das fezes, estimula o reflexo de evacuação e, consequentemente, alivia a constipação (1). Em virtude dessas características, o psyllium pode apresentar utilidade terapêutica em outras condições clínicas, como a Síndrome do Intestino Irritável (SII), a diverticulite, as colites, a cistite, as úlceras gastrointestinais e a diarreia (1).
- Vitamina D: Ajustar os níveis acima de 25 ng/mL.
- Probióticos: A prescrição de probióticos por gastroenterologistas é uma prática comum no tratamento de diversas patologias intestinais e na prevenção de recorrências da diverticulite (4). Ainda não há estudos suficientes que justifiquem sua prescrição de forma generalizada, mas já é cogitada como uma proposta de tratamento. Especificamente, formulações probióticas que contêm cepas de Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium podem apresentar efeitos benéficos no contexto da doença diverticular (4).
Tratamento Médico e Farmacologia
Em pacientes durante a crise aguda de diverticulite, o manejo inicial envolve a instituição de repouso intestinal, com a progressão da dieta estabelecida em consonância com a evolução clínica individual (6). Tipicamente, inicia-se uma dieta com baixo teor de fibras (aproximadamente 10g/dia), com incrementos graduais de até 5g por semana, objetivando atingir uma ingestão diária entre 25g e 35g de fibras (6). Recomenda-se que os pacientes mantenham uma dieta de restrição até a remissão do quadro de dor (4).
- Antibióticos: O regime antimicrobiano atualmente recomendado para o tratamento da diverticulite aguda complicada compreende uma cefalosporina de terceira geração ou a combinação de ciprofloxacino e metronidazol, visando a erradicação de bacilos gram-negativos e bactérias anaeróbias (4). Contudo, é importante notar que esses fármacos não abrangem a cobertura para enterococos. Em pacientes que não apresentam melhora clínica com o esquema inicial, recomenda-se a adição de ampicilina para ampliar o espectro de ação (4).
Referências Bibliográficas
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