Doença de Huntington: Fisiopatologia, Manejo Farmacológico e Terapia Nutricional
Introdução
A Doença de Huntington (DH) é uma condição neurodegenerativa progressiva, de caráter genético e hereditário, que impacta significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Caracterizada por distúrbios motores, cognitivos e comportamentais, a DH exige uma abordagem terapêutica que combine o manejo farmacológico com intervenções nutricionais e de suporte. Este artigo visa detalhar a fisiopatologia da DH e apresentar as estratégias atuais de tratamento, com foco na suplementação de creatina como um agente neuroprotetor promissor.
Fisiopatologia da Doença de Huntington
A Doença de Huntington é uma patologia neurodegenerativa progressiva e autossômica dominante, com uma prevalência estimada entre 3 e 7 a cada 100 mil indivíduos, manifestando-se tipicamente entre 40 e 50 anos de idade, em ambos os gêneros (1). A DH é a mais comum entre as doenças neurodegenerativas por repetição de trinucleotídios, sendo associada à expansão do número de repetições da sequência CAG em genes específicos (2). Essa expansão leva à expressão de uma proteína mutante contendo 40 ou mais resíduos consecutivos de glutamina (2). A severidade da doença e a precocidade do aparecimento dos sintomas estão diretamente correlacionadas com o número de repetições CAG: quanto maior o número, mais precoce o início dos sintomas (2).
Clinicamente, a DH é caracterizada por uma tríade de distúrbios principais: movimento, cognição e comportamento (1). A degeneração cerebral progressiva, que se inicia na idade adulta, culmina em rápida deterioração e óbito (2). Os sintomas motores incluem movimentos coreiformes (involuntários, rápidos e súbitos), predominantemente nos dedos, face ou língua (2).
Acredita-se que a agregação da proteína mutante seja responsável pela perda neuronal, afetando principalmente o córtex e o estriado, o que resulta em demência progressiva e nos movimentos involuntários graves (2). A fisiopatologia da DH envolve também uma perda da inibição mediada pelo GABA nos núcleos da base, levando a uma hiperatividade nas sinapses dopaminérgicas (2). Dessa forma, em alguns aspectos, a síndrome pode ser considerada um espelho da Doença de Parkinson (DP), onde os efeitos na transmissão dopaminérgica são opostos (2).
Fatores endógenos podem influenciar negativamente a patogenia da DH. A excitotoxicidade celular, causada pelo acúmulo de neurotransmissores como o glutamato, é um desses fatores (1). Além disso, observa-se um comprometimento no metabolismo celular, decorrente de danos mitocondriais (1). Como consequência, há um aumento dos níveis de lactato cerebral, redução das concentrações de PCr/Pi no músculo esquelético e diminuição da regeneração de ATP e PCr (1). Alguns pesquisadores sugerem que o distúrbio no metabolismo energético em pacientes com DH pode ser atribuído à redução na expressão da creatina quinase (CK-BB), observada tanto em modelos animais quanto em pacientes (1).
Conduta Clínica: Manejo Farmacológico e Terapia Nutricional
O manejo da Doença de Huntington é sintomático, visando controlar os movimentos involuntários e outras manifestações, uma vez que não há cura ou terapia que altere a demência ou atrase o curso da doença (2).
Tratamento Farmacológico
Os fármacos que influenciam a transmissão dopaminérgica são fundamentais no controle dos sintomas motores. Os efeitos desses fármacos na DH são opostos aos observados na Doença de Parkinson (DP):
- Antagonistas da dopamina, como a clorpromazina e o haloperidol, são eficazes na redução dos movimentos involuntários (2).
- Fármacos como a levodopa e a bromocriptina, que aumentam a atividade dopaminérgica, tendem a piorar o quadro clínico da DH (2).
Outros fármacos utilizados para aliviar os sintomas motores incluem:
- Tetrabenazina: um inibidor do transporte vesicular de monoaminas que reduz o armazenamento e a liberação de dopamina (2).
- Agonistas do receptor GABAb: o baclofeno é um exemplo utilizado para controle de espasticidade e discinesias (2).
É importante ressaltar que nenhuma dessas medicações altera a progressão da demência ou o curso da doença (2).
Terapia Nutricional: O Papel da Creatina
A suplementação de creatina (Cr) emerge como uma estratégia promissora para o tratamento de pacientes com a Doença de Huntington, principalmente devido ao seu potencial neuroprotetor (1). A hipótese é que a Cr atuaria promovendo um aumento das concentrações de fosfocreatina (PCr) no Sistema Nervoso Central (SNC), o que elevaria a provisão de energia e, possivelmente, estabilizaria a permeabilidade mitocondrial (1).
Alguns estudos clínicos realizados com pacientes demonstraram que a suplementação de Cr pode ocasionar maior estabilização na progressão da doença (1). Em um estudo de 12 meses, pacientes suplementados com 5g/dia de creatina apresentaram os mesmos índices funcionais do início do estudo, sugerindo a não progressão da doença durante o período de intervenção (1).
Além dos benefícios funcionais, a suplementação de Cr também demonstrou efeitos biomarcadores promissores:
- As concentrações de Cr no cérebro aumentaram em até 15 vezes com a suplementação (1).
- As concentrações de N-acetil aspartato (NAA), um biomarcador de neuroproteção, também estavam aumentadas (1).
- As concentrações de 8-hidroxi-2-desoxiguanosina (8OH2dG), um indicador de dano oxidativo no DNA frequentemente elevado em pacientes com DH, foram significativamente diminuídas (1).
Esses achados corroboram o potencial da creatina como um agente terapêutico capaz de modular o metabolismo energético e o estresse oxidativo no cérebro de pacientes com Doença de Huntington, contribuindo para a neuroproteção.
Referências Bibliográficas
- GUALANO, B. Suplementação de Creatina. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 157 p.
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. [S. l.]: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.