Doenças Neurodegenerativas: Patogênese, Mecanismos de Morte Neuronal e Desafios Terapêuticos
Introdução
As doenças neurodegenerativas representam um grupo crescente de patologias que afetam o sistema nervoso central, com o envelhecimento sendo o principal fator de risco associado. Caracterizadas pela morte neuronal irreversível e pela incapacidade de regeneração dos neurônios no cérebro adulto, essas condições apresentam consequências clínicas variadas, dependendo das regiões cerebrais acometidas.
Aspectos Gerais e Prevalência
De forma geral, neurônios mortos no sistema nervoso central (SNC) de um adulto não são substituídos, tampouco seus terminais podem regenerar-se quando os axônios são interrompidos (1). Nesse sentido, qualquer processo que cause morte neuronal, em geral, tem consequências irreversíveis (1).
Alguns exemplos de doenças neurodegenerativas são:
- Lesão isquêmica cerebral (acidente vascular encefálico – AVE) (1).
- Doença de Alzheimer (DA) (1).
- Doença de Huntington (DH) (1).
- Doença de Parkinson (DP) (1).
- Esclerose lateral amiotrófica (ELA) (1).
- Atrofia muscular espinal (AME) (1).
- Esclerose múltipla (EM) (1).
Os sintomas clínicos variam conforme as regiões cerebrais acometidas pela degeneração neuronal (2). Desse modo, as doenças neurodegenerativas podem ser subdivididas em categorias baseadas nas características genéticas ou patológicas, como doenças com sintomas predominantemente relacionados à cognição (incluindo a doença de Alzheimer – DA) e doenças em que prevalecem alterações motoras (como a doença de Parkinson – DP) (2).
Muitas doenças neurodegenerativas compartilham mecanismos fisiopatológicos semelhantes, porém, em geral, é impossível distinguir entre os mecanismos que iniciam a doença daqueles que contribuem para sua progressão (2). Assim, destaca-se o estresse oxidativo, considerado por muitos o primeiro processo que antecede essas enfermidades, ao passo que também efetivamente contribui para a progressão da morte neuronal (2).
Patogênese das Doenças Neurodegenerativas
Erros no Dobramento (Misfolding) e Agregação Proteica
Erros no dobramento (misfolding) e agregação proteica são a primeira etapa de muitas doenças neurodegenerativas (1). O dobramento incorreto refere-se à adoção de conformações anômalas por certas proteínas normalmente expressas, de maneira que elas tendem a formar grandes agregados insolúveis (1).
Frequentemente, dobramentos proteicos errados significam que resíduos hidrofóbicos que normalmente estariam enterrados no centro da proteína estão expostos em sua superfície. Isso confere à molécula uma forte tendência para aderir às membranas celulares e para agregação, inicialmente como oligômeros e, em seguida, como agregados microscópicos insolúveis, o que acaba levando à morte dos neurônios (1). Essas conformações com dobramentos proteicos errados podem ser geradas espontaneamente em velocidade lenta por toda a vida, de forma que os agregados acumulam-se gradualmente com a idade (1). Embora os mecanismos não estejam totalmente esclarecidos, tais agregados — ou os precursores proteicos com dobramentos errados — levam à morte neuronal (1).
O cérebro apresenta diversos mecanismos de defesa que limitam o acúmulo desses agregados proteicos (1). Os principais envolvem:
- A produção das proteínas “acompanhantes” (chaperones), que se ligam às proteínas recém-sintetizadas ou com dobramentos errados e as encorajam a dobrar-se corretamente.
- A reação de ubiquitinação, que prepara as proteínas para destruição dentro da célula.O acúmulo de depósitos proteicos ocorre quando esses mecanismos protetores são incapazes de evitá-los (1).
Mecanismos da Morte Neuronal
A lesão aguda das células faz com que elas sofram necrose, reconhecida patologicamente por inchaço celular, vacuolização e lise, e associada à sobrecarga de cálcio (Ca2+) nas células e lesão da membrana (1). As células necróticas tipicamente esvaziam seu conteúdo no tecido adjacente, evocando a resposta inflamatória (1). A inflamação crônica é característica de quase todas as alterações neurodegenerativas e um possível alvo para a intervenção terapêutica (1).
As células também podem morrer por apoptose (morte celular programada), um mecanismo mais lento que é essencial para muitos processos durante a vida, incluindo desenvolvimento, regulação imune e remodelação tecidual (1). A apoptose, bem como a necrose, ocorre tanto em doenças neurodegenerativas agudas (como AVE e o traumatismo cranioencefálico) como em doenças crônicas (como DA e DP) (1).
Ambos os processos, portanto, representam possíveis alvos para o tratamento farmacológico neuroprotetor putativo (1). A interferência farmacológica nas vias apoptóticas pode tornar-se possível no futuro. Contudo, no presente, a maioria dos esforços está dirigida para os processos envolvidos na necrose celular e para a compensação farmacológica da perda neuronal (1).
Excitotoxicidade
Apesar de seu papel onipresente como neurotransmissor, o glutamato é altamente tóxico para os neurônios, fenômeno denominado excitotoxicidade (1). Em 1970, foi constatado que o glutamato administrado oralmente produz neurodegeneração in vivo, embora a possibilidade de neurotoxicidade em humanos seja apenas hipotética (1). O exemplo mais “sério” sobre isso é a chamada “síndrome do restaurante chinês” — um ataque agudo de rigidez de nuca e dor torácica (1).
O glutamato e o Ca2+ são indiscutivelmente os dois sinais químicos mais presentes, extracelular e intracelularmente, respectivamente, subjacentes à função cerebral (1). Portanto, é desconcertante que tal estrago citotóxico possa ser desencadeado quando eles saem de controle (1). Ambos são estocados em quantidades perigosas nas organelas subcelulares, e, nesse sentido, a defesa contra a excitotoxicidade é essencial para que o cérebro se mantenha vivo (1). O metabolismo energético mitocondrial oferece uma linha de defesa, porém, o comprometimento da função mitocondrial torna os neurônios vulneráveis a lesões excitotóxicas, podendo ser um fator nas diversas patologias neurodegenerativas, incluindo a doença de Parkinson (1).
Apoptose Detalhada
A apoptose pode ser iniciada por vários sinais da superfície celular. A célula é sistematicamente desmantelada, e os resíduos contraídos são removidos pelos macrófagos, sem causar inflamação (1).
Muitas vias de sinalização diferentes podem resultar em apoptose, porém, em todos os casos, a via final que resulta na morte da célula é a ativação de uma família de proteases denominadas caspases, que inativam várias proteínas intracelulares (1). A apoptose neural é normalmente evitada pelos fatores de crescimento neuronal, incluindo o fator de crescimento do nervo e o fator neurotrófico derivado do cérebro, que são proteínas secretadas necessárias para a sobrevivência de diferentes populações de neurônios no SNC (1). Nesse sentido, o bloqueio da apoptose, interferindo em pontos específicos dessas vias, representa uma estratégia interessante para o desenvolvimento de fármacos neuroprotetores (1).
Estresse Oxidativo
O cérebro tem uma elevada necessidade energética, suprida basicamente pela fosforilação oxidativa mitocondrial, gerando ATP e, ao mesmo tempo, reduzindo o oxigênio molecular (O2) a água (H2O) (1). Em certas circunstâncias, espécies altamente reativas de oxigênio (como radicais livres de oxigênio e hidroxilas, e peróxido de hidrogênio – H2O2) podem ser geradas como produtos colaterais desse processo (1).
O estresse oxidativo é o resultado da produção excessiva dessas espécies (1). Sem antagonismo, os radicais reativos atacam muitas moléculas-chave, incluindo enzimas, lipídios da membrana e DNA (1). A mitocôndria desempenha um papel central no metabolismo energético, e sua falha leva ao estresse oxidativo (1). Os danos à mitocôndria levam à liberação de citocromo C no citosol, o que também inicia a apoptose (1). Portanto, a integridade da mitocôndria é essencial para a sobrevivência neuronal, e a disfunção mitocondrial é vista como o principal fator em muitas alterações neurodegenerativas (1). O estresse oxidativo é tanto causa quanto consequência da inflamação, a qual é uma característica comum das doenças neurodegenerativas, e acredita-se que contribua para o dano neuronal (1).
Tratamento Farmacológico
No geral, o tratamento farmacológico para doenças neurodegenerativas ainda é muito limitado, com exceção do tratamento da doença de Parkinson (1).
Referências Bibliográficas
- Ritter JM, Flower R, Henderson G, Loke YK, MacEwan D, Rang HP. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan; 2020. 789 p.
- Cominetti C, Cozzolino S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Manole; 2020. 1369 p.