Epilepsia: Fisiopatologia, Classificação e Abordagens Terapêuticas
Introdução
A epilepsia é um distúrbio neurológico caracterizado por convulsões recorrentes, que resultam de despolarizações neuronais episódicas anômalas. A manifestação clínica da convulsão é determinada pela área cerebral afetada. Esta condição pode ser de origem genética (idiopática) ou desenvolver-se secundariamente a lesões cerebrais, como traumatismos, acidentes vasculares encefálicos (AVE), infecções, tumores ou outras doenças neurológicas (1).
Fisiopatologia da Epilepsia
O termo “epilepsia” define um grupo de alterações neurológicas marcadas pela ocorrência de convulsões periódicas, embora seja importante notar que nem todas as crises epilépticas envolvem convulsões (1). As convulsões estão associadas a uma despolarização episódica de alta frequência de impulsos por um grupo de neurônios, frequentemente denominado foco epiléptico, localizado no cérebro (1). O que se inicia como uma despolarização local anômala pode, subsequentemente, propagar-se para outras áreas cerebrais. A localização da despolarização primária e o grau de sua propagação determinam os sintomas manifestados, que podem variar de um breve lapso de atenção a uma convulsão generalizada de alguns minutos, ou sensações e comportamentos atípicos (1).
Os sintomas específicos produzidos dependem da função da região cerebral envolvida (1):
- O envolvimento do córtex motor causa convulsões.
- O envolvimento do hipotálamo pode resultar em despolarização autônoma periférica.
- O envolvimento da formação reticular na parte superior do tronco encefálico pode levar à perda de consciência.
Mecanismos Neurais Subjacentes
A anormalidade neuronal subjacente na epilepsia ainda não é completamente compreendida (1). Embora a excitação neuronal tenda a se propagar por redes interconectadas, ela é normalmente contida por mecanismos inibitórios (1). A epileptogênese pode ocorrer se a transmissão excitatória for facilitada ou se a transmissão inibitória for reduzida (1).
Em alguns aspectos, a epileptogênese se assemelha à potencialização de longo prazo, e tipos semelhantes de plasticidade sináptica dependente do uso podem estar envolvidos (1). Os neurônios de onde se origina a descarga epiléptica demonstram um comportamento elétrico incomum chamado desvio despolarizante paroxístico (DDP), no qual o potencial de membrana diminui subitamente em cerca de 30 mV e permanece despolarizado por até alguns segundos antes de retornar ao normal (1). Uma salva de potenciais de ação frequentemente acompanha essa despolarização, provavelmente resultado de uma ação anormalmente prolongada e exagerada da transmissão excitatória (1). A ativação dos receptores NMDA pode produzir respostas despolarizantes em “formas de platô” muito semelhantes ao DDP (1).
Devido à dificuldade de realizar estudos detalhados em pacientes epilépticos, muitos modelos animais de epilepsia têm sido investigados (1). Em epilepsias focais humanas, a remoção cirúrgica de uma região cortical danificada pode não ser suficiente para a cura, sugerindo que a descarga anômala da lesão primária pode induzir hiperexcitabilidade secundária em outras áreas cerebrais (1). Além disso, após lesões cranianas graves, o tratamento profilático com fármacos antiepilépticos pode reduzir a incidência de epilepsia pós-traumática, indicando que um fenômeno semelhante à excitação pode estar subjacente a essa forma de epilepsia (1).
Prevalência
A epilepsia afeta aproximadamente 0,5-1% da população global, totalizando cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo (1).
Classificação dos Tipos de Crises Epilépticas
A classificação da epilepsia baseia-se nas características da crise convulsiva (1). Existem duas grandes categorias de crises (1):
- Crises parciais (focais): Localizadas em uma parte específica do cérebro.
- Crises generalizadas: Envolvem todo o cérebro.
Crises Parciais
As convulsões parciais (focais) são aquelas em que a despolarização neuronal se inicia localmente e geralmente permanece restrita a essa área (1). Os sintomas dependem da região (ou regiões) afetada(s) e podem incluir contrações musculares involuntárias, experiências sensitivas anômalas, despolarização autonômica ou efeitos sobre o humor e o comportamento (1). Esta última manifestação é frequentemente denominada epilepsia psicomotora, que pode ter origem em um foco no lobo temporal (1).
A despolarização nesse tipo de epilepsia geralmente se restringe a um hemisfério cerebral (1). As crises parciais podem ser atribuídas a lesões cerebrais focais, e sua incidência aumenta com a idade (1). Em alguns indivíduos, uma crise parcial pode, durante o evento, generalizar-se quando a atividade neuronal anormal se espalha por todo o cérebro (1).
Um foco epiléptico no córtex motor resulta em convulsões, por vezes chamadas de epilepsia jacksoniana (1). Estas consistem em abalos repetitivos de um grupo muscular específico, iniciando-se em um lado do corpo (muitas vezes no polegar, hálux ou ângulo da boca) e propagando-se para envolver grande parte do corpo por aproximadamente 2 minutos (1). O paciente perde o controle voluntário das partes do corpo afetadas, mas não necessariamente a consciência (1).
Na epilepsia psicomotora, a convulsão pode manifestar-se como movimentos voluntários estereotipados, como esfregar ou alisar, ou até comportamentos mais complexos, como vestir-se, caminhar ou pentear os cabelos (1). A convulsão geralmente dura poucos minutos, e o paciente se recupera sem recordar o evento. O comportamento durante a convulsão pode ser bizarro e acompanhado por forte resposta emocional (1).
Crises Generalizadas
As crises generalizadas envolvem todo o cérebro, incluindo o sistema reticular, produzindo atividade elétrica anômala em ambos os hemisférios (1). A perda imediata de consciência é uma característica dessas convulsões (1). Existem muitos tipos de crises generalizadas, sendo as duas categorias mais importantes as tônico-clônicas (anteriormente conhecidas como “grande mal”) e as crises de ausência (denominadas “pequeno mal”) (1). Outros tipos incluem convulsões mioclônicas, tônicas, atônicas e clônicas (1).
A convulsão tônico-clônica consiste em uma forte contração inicial da musculatura como um todo, causando espasmo extensor rígido e, por vezes, um grito involuntário (1). A respiração cessa, e podem ocorrer defecação, micção e salivação (1). Essa fase tônica dura cerca de 1 minuto, durante a qual a face pode ficar congesta e até cianótica (distinção clínica importante da síncope, onde a face fica pálida e acinzentada) (1). Segue-se uma série de violentos abalos sincronizados que, gradualmente, desaparecem em 2 a 4 minutos (1). Traumatismos podem ocorrer durante o episódio convulsivo (1).
As crises de ausência afetam crianças; são menos intensas, mas podem ocorrer com maior frequência (muitas crises por dia) do que as convulsões tônico-clônicas (1). O paciente cessa subitamente suas atividades, podendo parar de falar no meio de uma frase, e olha fixamente para o vazio por alguns segundos, com pouca ou nenhuma alteração motora (1). Os pacientes não estão cientes do que os rodeia e se recuperam rapidamente, sem efeitos posteriores (1). O padrão do EEG (eletroencefalograma) mostra uma despolarização rítmica característica durante o período da crise (1). Essa ritmicidade parece ser causada por um feedback oscilatório entre o córtex e o tálamo, sendo as propriedades especiais dos neurônios talâmicos dependentes dos canais de cálcio tipo T que eles expressam (1).
Assim, os fármacos utilizados especificamente para tratar crises de ausência atuam principalmente pelo bloqueio dos canais de cálcio tipo T, enquanto os fármacos eficazes contra outros tipos de epilepsia atuam predominantemente pelo bloqueio dos canais de sódio ou pela potencialização da inibição mediada pelo GABA (1).
Um tipo particularmente grave de epilepsia, a síndrome de Lennox-Gastaut, ocorre em crianças e está associada a retardamento mental progressivo, possivelmente um reflexo de neurodegeneração excitotóxica (1). O estado de mal epiléptico refere-se a crises contínuas e ininterruptas, exigindo tratamento clínico de emergência (1).
Tratamento da Epilepsia
O tratamento da epilepsia é primariamente farmacológico, embora a cirurgia possa ser uma opção para casos graves específicos (1). Os antiepilépticos atuais são eficazes no controle das crises em aproximadamente 70% dos casos, mas seu uso é frequentemente limitado pelos efeitos adversos (1). Além do uso em pacientes com epilepsia, esses fármacos são empregados para tratar ou prevenir convulsões causadas por outras doenças cerebrais (1). Por essa razão, são por vezes denominados anticonvulsivantes, e não exclusivamente antiepilépticos (1). Adicionalmente, fármacos antiepilépticos demonstraram efeitos benéficos em condições não convulsivas, como dor neuropática, depressão bipolar e ansiedade (1).
Com a otimização da terapia farmacológica, a epilepsia é completamente controlada em cerca de 75% dos pacientes (1). No entanto, aproximadamente 10% (50.000 pessoas na Inglaterra) continuam a ter crises com intervalos de 1 mês ou menos, o que impacta gravemente sua vida e trabalho (1). Pacientes com epilepsia necessitam de medicação contínua por muitos anos, tornando a prevenção de efeitos adversos particularmente importante (1).
Mecanismos de Ação dos Fármacos Antiepilépticos
Os fármacos antiepilépticos visam inibir a despolarização neuronal anômala, em vez de corrigir a causa subjacente do fenômeno (1). Três mecanismos de ação principais são considerados importantes (1):
- Potencialização da ação do GABA (Ácido Gama-aminobutírico): Vários antiepilépticos, como fenobarbital e benzodiazepínicos, potencializam a ação dos receptores GABAa, facilitando a abertura dos canais de cloreto mediados pelo GABA (1).
- Inibição da função dos canais de sódio: Muitos fármacos antiepilépticos (ex: carbamazepina, fenitoína e lamotrigina) afetam a excitabilidade da membrana atuando sobre os canais de sódio dependentes de voltagem, que são essenciais para a geração de um potencial de ação (1). Sua ação bloqueadora exibe propriedade de dependência do uso, o que significa que eles bloqueiam preferencialmente a excitação de células que estão disparando repetitivamente; quanto maior a frequência dos disparos, maior o bloqueio produzido (1). Essa característica permite que os fármacos bloqueiem a despolarização de alta frequência que ocorre durante uma crise epiléptica, sem interferir significativamente nos disparos de baixa frequência dos neurônios em estado normal (1). Isso se deve à capacidade dos fármacos bloqueadores de discriminar canais de sódio em seus estados de repouso, aberto e inativado (1). A despolarização de um neurônio aumenta a proporção de canais de sódio no estado inativado. Os antiepilépticos ligam-se preferencialmente a canais nesse estado, impedindo-os de retornar ao estado de repouso e, consequentemente, reduzindo o número de canais funcionais disponíveis para gerar potenciais de ação subsequentes (1).
- Inibição da função dos canais de cálcio: Todos os fármacos utilizados para tratar crises de ausência (ex: etossuximida e valproato) compartilham a capacidade de bloquear os canais de cálcio ativados por baixa voltagem do tipo T (1). A atividade do canal do tipo T é crucial para a determinação da despolarização rítmica dos neurônios do tálamo associados às crises de ausência (1).
Alguns fármacos antiepilépticos podem exercer mais de uma ação benéfica, sendo exemplos importantes o valproato e o topiramato (1).
Referências Bibliográficas
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.