Esôfago: Distúrbios Inflamatórios e Abordagens Terapêuticas
Introdução
A esofagite, inflamação do esôfago, pode ser de natureza aguda ou crônica e é frequentemente resultante da exposição prolongada a agentes irritantes. Compreender a fisiopatologia, os fatores de risco e as diversas abordagens terapêuticas é crucial para o manejo eficaz dessas condições. Este documento técnico visa fornecer informações abrangentes sobre os tipos de esofagite, seu diagnóstico e as estratégias de tratamento, incluindo intervenções médicas e nutricionais.
Fisiopatologia da Esofagite
A esofagite é uma condição inflamatória que afeta o esôfago, podendo ser classificada em aguda ou crônica.
Esofagite Crônica
Geralmente é uma consequência da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), resultando da exposição prolongada à acidez estomacal (1). Essa exposição causa inflamação, erosão, ulceração, cicatrização, estenose e, em alguns casos, disfagia (dificuldade para engolir) (1). A gravidade da esofagite por refluxo é influenciada por múltiplos fatores, incluindo a composição, frequência e volume do refluxo gástrico, o tempo de exposição do esôfago ao ácido, a saúde da barreira mucosa esofágica e a taxa de esvaziamento gástrico (1).
A hérnia de hiato, onde parte do estômago se projeta acima do diafragma, é um fator de risco comum, pois aumenta o contato do esôfago com o ácido estomacal, elevando as chances de esofagite (1).
Esofagite Aguda
Pode ser desencadeada por diversos fatores, como refluxo, ingestão de agentes corrosivos, infecções virais ou bacterianas, intubação, radiação ou infiltração eosinofílica (1). Agentes irritantes como o tabagismo ou o uso crônico de aspirina e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) também podem aumentar o risco (1).
Esôfago de Barrett
É uma condição pré-cancerosa onde o epitélio escamoso normal do esôfago distal é substituído por um epitélio anormal (metaplasia) (1). Estima-se que 5% a 15% dos indivíduos com DRGE desenvolvam Esôfago de Barrett (1).
Esofagite Eosinofílica (EE)
A EE tem mostrado uma prevalência crescente em adultos e crianças nos Estados Unidos, com 4-6 casos por 10.000 pessoas (3). É diagnosticada pela combinação de sintomas esofágicos típicos e biópsias da mucosa esofágica que demonstram inflamação do epitélio escamoso com predomínio de eosinófilos (3).
Outras causas de eosinofilia esofágica incluem DRGE, hipersensibilidade a fármacos, doenças do tecido conectivo, síndrome de hipereosinofilia, Doença de Crohn e infecções (3). No entanto, a evidência atual aponta a EE como um distúrbio imunológico induzido pela sensibilização antigênica em indivíduos suscetíveis (3). Fatores dietéticos desempenham um papel crucial na patogênese e tratamento da EE, enquanto alérgenos respiratórios podem contribuir, mas com evidências mais fracas (3).
A história natural da EE não é totalmente clara, mas há um risco aumentado de estenose esofágica com a duração da doença não tratada (3).
Sintomas da EE:
- Pré-adolescentes: Dor torácica ou abdominal, náuseas, vômitos e aversão a alimentos (3).
- Adultos: Dor torácica atípica e pirose (azia), especialmente se refratária ao tratamento com Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs) (3).
A maioria dos pacientes com EE tem histórico de atopia, como alergia alimentar, asma, eczema ou rinite alérgica (3). A eosinofilia no sangue periférico pode ser observada em até 50% dos pacientes, mas sua especificidade é questionável em casos de atopia concomitante (3).
Achados Endoscópicos e Histológicos da EE:
Anormalidades endoscópicas típicas incluem desaparecimento das tramas vasculares (edema), múltiplos anéis esofágicos, depressões orientadas longitudinalmente e exsudato puntiforme (3). A presença de depressões lineares e múltiplos anéis corrugados em todo o esôfago estreitado (esôfago felino) deve levantar a suspeita de EE, uma causa crescente de disfagia e impactação alimentar recorrentes (3). A confirmação histológica é feita pela demonstração de eosinofilia na mucosa esofágica (geralmente ≥ 15 eosinófilos por campo de grande aumento) (3).
Complicações da EE:
Estenose esofágica, esôfago de calibre reduzido, impactação alimentar e perfuração esofágica (3).
Tratamento da Esofagite
Os objetivos do tratamento da esofagite são o controle dos sintomas e a prevenção de complicações (3).
Tratamento Médico
Para Esofagite por Refluxo
O tratamento primário visa conter o refluxo esofágico através da supressão da secreção ácida (1). Os Inibidores da Bomba de Prótons (IBPs), que diminuem a produção de ácido pelas células parietais gástricas, são os mais eficazes (1). O objetivo é elevar o pH gástrico acima de 4 durante os períodos de maior probabilidade de refluxo (1).
Para Esofagite Eosinofílica (EE)
- A EE responsiva a IBPs, caracterizada pela eliminação da eosinofilia da mucosa, ocorre em 30-50% dos casos suspeitos (3).
- Dietas de fórmulas elementares são altamente eficazes, mas a palatabilidade é um desafio (3).
- Testes de alergia (como dosagem de IgE sérica ou testes cutâneos) têm pouca sensibilidade e especificidade na identificação de alimentos que causam a resposta inflamatória esofágica (3).
- A eliminação empírica de alérgenos alimentares comuns (leite, ovos, soja, nozes, trigo e frutos do mar), seguida pela reintrodução sistemática, é uma abordagem dietética eficaz em crianças e adultos (3).
- Glicocorticoides tópicos deglutidos (ex: propionato de fluticasona ou budesonida) são eficazes, mas a recidiva da doença é comum após a interrupção do tratamento de curto prazo (3).
- Glicocorticoides sistêmicos são reservados para pacientes graves com sintomas refratários a medidas menos agressivas (3).
- A dilatação esofágica é muito eficaz para atenuar a disfagia em pacientes com fibroestenose. Deve ser realizada com cautela devido ao risco de laceração profunda da parede esofágica ou perfuração em um esôfago com paredes rígidas, uma característica da EE (3).
Conduta Nutricional e Orientações para Pacientes
Fatores a Evitar:
Os principais fatores desencadeantes são o álcool, a cafeína e o tabaco (1). Outros alimentos que podem interferir incluem gordura, chocolate, café, cebola, pimenta, especiarias, alimentos cítricos e vinho (1). Em relação às pimentas, a quantidade de capsaicina é relevante (1).
- Evitar bebidas alcoólicas, especialmente as fermentadas (vinho e cerveja).
- Evitar cafeína (pequenas quantidades de café podem ser toleradas se não afetarem os sintomas).
- Evitar fumar.
- Evitar refeições ricas em gorduras (aumentam o tempo de trânsito intestinal).
- Evitar comer entre 3 e 4 horas antes de dormir.
- Evitar atividades vigorosas logo após comer.
- Evitar roupas apertadas (principalmente em mulheres).
- Evitar alimentos ácidos e muito condimentados durante as crises.
- Perder peso, se estiver acima do ideal.
- Elevar a cabeceira da cama em 15 a 20 cm.
- Não há necessidade de eliminar alimentos se eles não afetam os sintomas.
Manejo em Crises:
Em momentos de crise, alimentos como tomate, suco de frutas cítricas e refrigerantes podem causar dor. Nesses casos, uma dieta líquida costuma ser mais bem tolerada e, portanto, mais recomendada.
Embora se proponha que a goma de mascar, ao aumentar as secreções salivares, possa ser útil na elevação do pH do esôfago, não há comprovação científica para essa medida.
Referências Bibliográficas
- MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
- ROSS, A. C. et al. Nutrição Moderna de Shills na Saúde e na Doença. 11. ed. São Paulo: Manole, 2016. 1642 p.
- JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.