Farmacologia Clínica das Estatinas: Mecanismos, Indicações e Efeitos Adversos


Farmacologia Clínica das Estatinas: Mecanismos, Indicações e Efeitos Adversos


Introdução

As estatinas representam a principal classe de medicamentos no manejo da dislipidemia, atuando fundamentalmente na redução dos níveis plasmáticos de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Este documento detalha a classificação, o mecanismo de ação, as indicações clínicas e os potenciais efeitos adversos associados ao uso desses fármacos.


Classificação das Estatinas

As estatinas podem ser classificadas de acordo com sua potência de redução do colesterol, em:

  • Fracas: Sinvastatina, Pravastatina e compostos de origem natural (1).
  • Normais: Fluvastatina, Lovastatina (1).
  • Fortes: Atorvastatina, Pitavastatina, Rosuvastatina e moléculas sintéticas (1).

Mecanismo de Ação

As estatinas exercem seu efeito terapêutico através da inibição competitiva da enzima hidroximetilglutaril-coenzima A (HMG-CoA) redutase (2, 3, 5, 6). Esta enzima é uma etapa-chave na via da biossíntese do colesterol no fígado. Ao reduzir a síntese hepática de colesterol, as estatinas provocam uma super-regulação (upregulation) dos receptores de LDL na superfície dos hepatócitos (4). Consequentemente, há um aumento na remoção de LDL do plasma para o interior dos hepatócitos, o que resulta na diminuição dos níveis de LDL plasmático (4). A redução do LDL, juntamente com modificações no estilo de vida, é a pedra fundamental no controle da dislipidemia (2, 3, 5, 6). Uma redução de 40 mg/dL no LDL já está associada a uma diminuição de 12% na mortalidade (3).


Farmacocinética

As estatinas de ação curta são tipicamente administradas por via oral, preferencialmente à noite, a fim de sincronizar com o pico matinal da síntese de colesterol (4). Esses fármacos são bem absorvidos e sofrem extensa extração e metabolismo pré-sistêmico no fígado, principalmente pelas vias do citocromo P450 e glicuronidação (4).


Indicações Clínicas

Todas as diretrizes clínicas consensualmente indicam o uso de estatinas como primeira linha de tratamento para a redução do LDL (2, 6, 7, 8, 9). A diminuição dos níveis de LDL está diretamente relacionada à redução proporcional do risco de eventos cardiovasculares (6). Além disso, algumas agências europeias recomendam estatinas até mesmo para indivíduos com hipertrigliceridemia (2). Estudos têm demonstrado que o uso de estatinas pode reduzir a mortalidade em pacientes com risco cardiovascular elevado, principalmente pela diminuição da mortalidade por doenças coronarianas (2). Contudo, essa evidência não implica que “quanto menor o colesterol, melhor”, especialmente em indivíduos de baixo risco (5).


Efeitos Colaterais

Embora os efeitos colaterais graves sejam raros (2), existem alguns eventos adversos que podem ocorrer com o uso de estatinas:

Efeitos Indesejáveis Leves

Os efeitos indesejáveis leves incluem dor muscular (mialgia), desconforto gastrointestinal, elevação das concentrações plasmáticas de enzimas hepáticas, insônia e rash cutâneo (4). A mialgia é um efeito comumente documentado com o uso crônico e tem sido investigada a suplementação de Coenzima Q10 (CoQ10) para seu controle (2, 3). A elevação de enzimas hepáticas, assim como um maior risco de resistência à insulina e o desenvolvimento de diabetes, também são observados (3).

Efeitos Adversos Sérios

Efeitos adversos mais sérios são incomuns, mas incluem dano ao músculo estriado, manifestando-se como miosite e, em casos graves, rabdomiólise, além de angioedema (4). A miosite é um efeito de classe das estatinas e pode ocorrer também com outros redutores de lipídios, notadamente os fibratos, sendo um efeito dose-dependente (4). É mais prevalente em pacientes com baixa massa magra ou hipotireoidismo não controlado (4).


Referências Bibliográficas

  1. HOANG, T.; KIM, J. Comparative effect of statins and omega-3 supplementation on cardiovascular events: Meta-analysis and network meta-analysis of 63 randomized controlled trials including 264,516 participants. Nutrients, [s.l.], v. 12, n. 8, p. 1–33, 2020.
  2. LIBBY, P. et al. Atherosclerosis. Nat Rev Dis Prim, [s.l.], v. 5, n. 1, p. 1–18, 16 ago. 2019. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41572-019-0106-z.
  3. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  4. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
  5. YI, S. W. et al. Total cholesterol and all-cause mortality by sex and age: a prospective cohort study among 12.8 million adults. Sci Rep, [s.l.], v. 9, n. 1, p. 1–10, 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1038/s41598-018-38461-y.
  6. LIBBY, P. et al. Atherosclerosis. Nat Rev Dis Prim, [s.l.], v. 5, n. 1, p. 1–18, 16 ago. 2019. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41572-019-0106-z.
  7. REINER, Ž. et al. ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias. Eur Heart J, [s.l.], v. 32, n. 14, p. 1769–1818, 2011.
  8. CATAPANO, A. L. et al. 2016 ESC/EAS Guidelines for the Management of Dyslipidaemias. Eur Heart J, [s.l.], v. 37, n. 39, p. 2999-3058, 2016.
  9. MACH, F. et al. 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: Lipid modification to reduce cardiovascular risk. Eur Heart J, [s.l.], v. 41, n. 1, p. 111–188, 2020.

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