Ação Farmacológica e Clínica dos Estrógenos e Antiestrógenos
Introdução
Os estrógenos desempenham um papel crucial na fisiologia feminina, regulando diversas funções reprodutivas e metabólicas. Sua ação é mediada por receptores específicos, e sua modulação farmacológica através de estrógenos exógenos e antiestrógenos possui implicações terapêuticas significativas em diversas condições clínicas.
Estrógenos: Aspectos Farmacológicos e Aplicações Clínicas
Síntese, Transporte e Metabolismo
Os estrógenos são esteroides sexuais sintetizados primariamente nos ovários, com contribuições menores da placenta, testículos e córtex suprarrenal (3). Nas mulheres, a principal fonte de estradiol são as células da granulosa ovariana (1). A produção de estrógenos requer a interação sinérgica entre as células da granulosa e da teca, e a ação das gonadotrofinas, como o hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH) (1).
O organismo humano produz três tipos principais de estrógenos: estradiol, estrona e estriol (3). O estradiol é o estrógeno mais potente e o principal secretado (3). No plasma, os estrógenos circulam ligados à albumina e à globulina ligante de esteroides sexuais (3). Apenas cerca de 2% a 3% do estradiol liberado no sangue circula na forma livre, sendo o restante ligado a essas proteínas (1). A excreção ocorre principalmente na urina, na forma de glicuronídeos e sulfatos (3).
As concentrações séricas de estradiol variam ao longo do ciclo menstrual, oscilando entre aproximadamente 100 pg/mL na fase folicular e atingindo cerca de 600 pg/mL durante a ovulação (1). As maiores taxas de produção e concentrações séricas são observadas na fase pré-ovulatória, com os níveis mais baixos ocorrendo na fase pré-menstrual (1). Em mulheres pré-menopáusicas, o 17β-estradiol, produzido pelos ovários, é o estrogênio circulante predominante (1). As concentrações séricas de estradiol são baixas em meninas pré-adolescentes, aumentando significativamente após a menarca (1). Com a menopausa, os níveis séricos de estradiol diminuem para valores semelhantes ou inferiores aos observados em homens da mesma faixa etária (1).
Receptores de Estrógeno e Seus Efeitos Mediados
Os efeitos dos estrógenos são mediados por receptores intracelulares específicos, dos quais dois subtipos foram identificados: o receptor de estrogênio alfa (ER-α) e o receptor de estrogênio beta (ER-β) (3).
- Receptor α: Considerado o receptor de estrogênio clássico, o ER-α é predominantemente encontrado no endométrio, nas células de câncer de mama e no estroma ovariano (1).
- Receptor β: O ER-β é encontrado majoritariamente nas células da granulosa e em diversos tecidos-alvo não reprodutivos, como rim, mucosa intestinal, parênquima pulmonar, medula óssea, osso, cérebro, células endoteliais e próstata (1).
Além dos receptores intracelulares, alguns efeitos estrogênicos, em particular suas rápidas ações vasculares, são iniciados pela interação com receptores de membrana, como o receptor de estrógeno acoplado à proteína G (GPER). O GPER desempenha funções na regulação do tônus vascular, crescimento celular e na homeostase de lipídios e glicose (3).
Ações Fisiológicas em Órgãos-Alvo
Os estrógenos exercem uma vasta gama de ações fisiológicas em múltiplos órgãos e sistemas:
- Ações Metabólicas: Os estrógenos induzem efeitos mineralocorticoides, resultando em retenção de água e sais, e exibem ações anabólicas discretas (3). Eles aumentam as concentrações plasmáticas de lipoproteínas de alta densidade (HDL), o que é potencialmente benéfico para a redução do risco de aterosclerose. Contudo, também elevam a coagulação sanguínea, aumentando o risco de tromboembolia (3).
- Útero: Os estrógenos promovem a proliferação endometrial, sensibilizam o miométrio aos efeitos da ocitocina ao aumentar a expressão de receptores de ocitocina e proteínas contráteis, e elevam a produção de muco cervical aquoso (1).
- Ovários: Nos ovários, os estrógenos exercem poderosos efeitos mitóticos sobre as células da granulosa (1).
- Mama: Os estrógenos estimulam o crescimento e a diferenciação do epitélio ductal, induzem a atividade mitótica das células cilíndricas dos ductos e estimulam o crescimento do tecido conjuntivo (1). A densidade dos receptores de estrogênio no tecido mamário é maior na fase folicular do ciclo menstrual, diminuindo após a ovulação (1). Eles também podem afetar indiretamente o desenvolvimento da glândula mamária por meio da elevação dos níveis de prolactina e progesterona, e da indução de receptores de progesterona no epitélio mamário (1). É importante ressaltar que os efeitos dos estrógenos na promoção do crescimento foram implicados nos cânceres de mama e endometrial (1).
- Fígado: No fígado, os estrógenos influenciam a expressão dos genes das apoproteínas e aumentam a expressão dos receptores de lipoproteínas. Isso resulta em uma diminuição das concentrações séricas de colesterol total e LDL, um aumento de HDL e triglicerídeos, e uma redução das concentrações séricas de lipoproteína A (1). Além disso, os estrógenos regulam a expressão hepática de genes envolvidos na coagulação e fibrinólise (1). Níveis plasmáticos elevados de estrogênio estão associados a um aumento global no potencial de fibrinólise (1). Também estimulam a síntese de proteínas de ligação hormonal, como as globulinas de ligação da tiroxina e do cortisol (1).
- Sistema Nervoso Central: Os estrógenos possuem ações neuroprotetoras, e seu declínio relacionado à idade está associado a um declínio na função cognitiva (1).
- Ossos: Nos ossos, os estrógenos exercem um efeito antirreabsortivo, promovendo a maturação óssea e o fechamento das placas epifisárias nos ossos longos. Eles preservam a massa óssea ao suprimir a renovação óssea e ao manter uma taxa equilibrada de formação e reabsorção óssea (1). Promovem a síntese de osteoprotegerina, diminuem a formação e atividade dos osteoclastos e aumentam a apoptose dos osteoclastos (1).
Efeitos Não Genômicos
Os estrógenos podem induzir vasodilatação de curto prazo por vias tanto dependentes quanto independentes do endotélio (1). Eles causam vasodilatação de curto prazo e diminuem o tônus do músculo liso vascular através do aumento na formação e liberação de óxido nítrico e prostaciclinas endoteliais, além da abertura dos canais de cálcio mediada pelo monofosfato de guanosina cíclíco (GMPc) (1). Os estrógenos inibem a apoptose das células endoteliais e promovem sua atividade angiogênica in vitro, podendo proteger contra o desenvolvimento de aterosclerose (1). Em concentrações farmacológicas, o estrogênio inibe o influxo de cálcio extracelular para dentro das células musculares lisas vasculares, atuando sobre os canais de cálcio tipo L (1).
Fármacos Estrógenicos: Preparações e Efeitos Clínicos
Diversas preparações de estrógenos estão disponíveis para uso clínico, incluindo formas orais, transdérmicas, intramusculares, implantáveis e tópicas, com uma ampla gama de indicações (3). Elas podem conter estrógenos naturais (por exemplo, estradiol, estriol) ou sintéticos (por exemplo, mestranol, etinilestradiol, dietilestilbestrol) (3). Podem ser administradas de forma isolada ou associadas a progestógenos (3). Os estrógenos sintéticos apresentam uma degradação mais lenta em comparação aos naturais (3). Ambos são bem absorvidos pelo trato gastrointestinal e podem sofrer diferentes graus de recirculação êntero-hepática (3).
Os efeitos do uso de estrógenos exógenos em mulheres dependem do estágio de maturidade sexual no qual o estrógeno é administrado (3):
- Hipogonadismo primário: Em casos de insuficiência ovariana primária (por exemplo, síndrome de Turner) ou secundária (por exemplo, menopausa), os estrógenos são empregados para aliviar sintomas como rubor e ressecamento, e para preservar a massa óssea (3). Eles estimulam o desenvolvimento de características sexuais secundárias e aceleram o crescimento (3).
- Adultos com amenorreia primária: A administração clínica de estrógenos em conjunto com um progestógeno induz um ciclo artificial em mulheres (3).
- Mulheres sexualmente maduras: Os estrógenos, em combinação com a progesterona, são utilizados como contraceptivos (3).
- Durante ou após a menopausa: A terapia de reposição estrogênica previne os sintomas da menopausa e a perda óssea (3).
Efeitos Adversos dos Estrógenos
Os efeitos adversos associados ao uso de estrógenos podem variar desde sensibilidade nas mamas até tromboembolia (3). Em mulheres na pós-menopausa, podem causar sangramento semelhante à menstruação (3). Em gestantes, o estrógeno pode levar a anomalias genitais no recém-nascido (3). Em homens, o uso de estrógenos pode induzir feminização (3).
Antiestrógenos: Mecanismos de Ação e Aplicações Terapêuticas
Os antiestrógenos competem com os estrógenos naturais pelos receptores nos órgãos-alvo (3). Além dos moduladores seletivos do receptor estrogênico (SERM), que atuam como agonistas parciais em alguns tecidos e antagonistas em outros, existem fármacos que são puramente antagonistas dos receptores de estrógenos (3).
Clomifeno
O clomifeno inibe a ligação do estrógeno na adeno-hipófise, prevenindo, assim, a retroalimentação negativa (3). Essa ação resulta em um aumento agudo na secreção do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e das gonadotrofinas, levando à estimulação e ao aumento dos ovários, ao aumento da secreção de estrógenos e à indução da ovulação (3). O clomifeno é frequentemente utilizado no tratamento da infertilidade causada pela anovulação (3).
Moduladores do Receptor Estrogênico (SERMs)
Raloxifeno
O raloxifeno é um SERM que exibe efeitos antiestrogênicos na mama e no útero, mas efeitos estrogênicos nos ossos, no metabolismo lipídico e na coagulação sanguínea (3). É empregado na prevenção e tratamento da osteoporose pós-menopausa. Além disso, reduz a incidência de câncer de mama positivo para receptor de estrógeno, de forma similar ao tamoxifeno, mas com um perfil de efeitos colaterais mais favorável (3).
Tamoxifeno
O tamoxifeno aumenta a regulação do fator de crescimento transformador-β, uma citocina que retarda a progressão da malignidade e que também desempenha um papel no controle do equilíbrio entre osteoblastos, produtores da matriz óssea, e osteoclastos, que reabsorvem o osso (3). É utilizado no tratamento do câncer de mama sensível a estrógenos (3).
Referências Bibliográficas
- MOLINA, P. E. Fisiologia Endócrina. 4. ed. ArtMed, 2014. 309 p.
- DOMINICZAK, M. Série Carne e Osso Metabolismo. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 244 p.
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.