Avaliação Clínica e Diagnóstica por Meio da Urinálise: Uma Abordagem Abrangente
Introdução
A urinálise é uma ferramenta diagnóstica fundamental na prática clínica, permitindo a avaliação de diversas condições fisiológicas e patológicas por meio da análise de componentes urinários.
Exame Qualitativo de Elementos Anormais e Sedimentos (EAS)
Objetivos e Coleta da Amostra
O exame de elementos anormais e sedimentos (EAS) visa identificar a presença de componentes atípicos na urina. Para assegurar a fidedignidade dos resultados, recomenda-se que a coleta seja realizada utilizando a primeira urina da manhã, após um período de aproximadamente quatro horas sem micção, empregando a técnica do jato médio. Deve-se evitar a coleta após atividade física extenuante e a ingestão excessiva de líquidos (1).
Análise dos Elementos Anormais
O EAS compreende a pesquisa qualitativa de variados elementos urinários, como proteínas (albumina), açúcares (glicose), corpos cetônicos (acetona, acetoacetato e ácido beta-hidroxibutirato), pigmentos biliares, hormônios, cristais e células anormais. Adicionalmente, avaliam-se as características físico-químicas da amostra, incluindo aspecto, cor, densidade, odor, pH, transparência e volume (1).
A detecção de leucócitos, eritrócitos, glicose, cristais, cilindros, bactérias e nitritos é crucial para monitorar infecções do trato urinário (ITU) e outras morbidades. Um aumento no número de leucócitos, bem como a presença de nitritos ou hemácias, sugere uma provável infecção. É importante salientar que leucocitúria, proteinúria e cilindrúria indicam processos inflamatórios e não necessariamente confirmam a presença de bacteriúria (1).
A urinálise, como método para diagnosticar ITUs, demonstra sensibilidade considerável (90,5%), porém possui baixa especificidade (63,3%). Isso implica que alterações nos testes urinários simples não são conclusivas para o diagnóstico de ITU, necessitando-se de avaliações complementares da amostra urinária, como a cultura de urina, para estabelecer um diagnóstico preciso (1).
Testes Químicos na Urinálise
A tabela a seguir sumariza os principais testes químicos realizados na urinálise, seus valores de referência esperados e o significado clínico das alterações:
Análise | Valor Esperado | Significado Clínico |
Bilirrubina | Não detectado | A pesquisa de bilirrubina não conjugada pode indicar níveis elevados em certas hepatopatias, como na presença de cálculos biliares. |
Cetonas | Negativo | A presença de cetonas é observada em pacientes com diabetes melito descompensado ou em condições como febre, anorexia, certas disfunções gastrointestinais, vômitos persistentes, caquexia ou inanição (1). |
Densidade específica | 1,01 a 1,025 mg/mL | Avalia e monitora a capacidade renal de concentração e diluição urinária (1). |
Estearase leucocitária | Negativo | Este teste indiretamente avalia a presença de bacteriúria pela detecção de leucócitos. Resultados falso-negativos podem ocorrer em urinas muito concentradas ou contendo glicose, sais biliares, certos medicamentos (ex: rifampicina) ou altas concentrações de vitamina C (1). |
Glicose | Não detectada | Presente em indivíduos com diabetes melito (2-10 g/dL), sendo rara em condições benignas (1). |
Nitrito | Negativo | Indicador de bacteriúria (1). |
pH | 5-8 | pH ácido é observado em casos de dietas ricas em proteínas ou acidose (1). pH básico pode estar presente em dietas ricas em vegetais ou laticínios, em pacientes com infecção do trato urinário ou com cálculos renais de fosfato e carbonato de cálcio (1). |
Proteína | 2-8 mg/dL | Proteinúria leve pode ser descrita em algumas nefropatias ou disfunções do trato urinário inferior (1). Proteinúria moderada está presente em diversas doenças renais, na pré-eclâmpsia ou em processos inflamatórios do trato urinário (1). Proteinúria grave é observada na síndrome nefrótica e na glomerulonefrite grave (1). |
Sangue | Negativo | A presença de eritrócitos íntegros (hematúria) ou hemoglobina livre (hemoglobinúria) pode indicar infecção do trato urinário, neoplasia ou trauma. Geralmente, também é positivo em casos de lesão muscular traumática ou anemia hemolítica (1). |
Urobilinogênio | 0,1 a 1 UI/dL | Níveis elevados são observados em condições hemolíticas (1). |
Exame de Urina de 24 Horas
A coleta de urina durante 24 horas é empregada para avaliar a função renal. Nesse contexto, a dosagem de creatinina urinária é comparada com a creatinina sérica para obter uma avaliação mais precisa da depuração renal, superando a estimativa simples do clearance de creatinina a partir apenas da dosagem sérica (1).
Outra análise relevante na urina de 24 horas é a dosagem de proteína. Valores superiores a 150 mg/dL correspondem à proteinúria renal, frequentemente associada a doenças renais. Este exame também é útil na avaliação da microalbuminúria em pacientes com hipertensão arterial sistêmica e diabetes melito (1).
Microalbuminúria
A microalbuminúria é definida como a presença de albumina na urina em concentrações entre 30 e 300 mg em uma amostra de urina de 24 horas. Este ensaio permite a detecção de quantidades diminutas de albumina urinária, funcionando como um marcador precoce de lesão glomerular, particularmente em pacientes hipertensos e diabéticos. De forma análoga, a microalbuminúria também é considerada um indicador de lesão endotelial sistêmica (1).
Métodos Microbiológicos na Urinálise
Gram de Urina
O exame de Gram da urina tem como objetivo avaliar a presença de bactérias na amostra urinária. As bactérias são categorizadas em dois grandes grupos – Gram-positivas e Gram-negativas – com base nas características de sua parede celular, que se correlacionam com as propriedades morfotintoriais observadas à microscopia óptica, considerando a composição e concentração de peptidoglicanos e lipopolissacarídeos (LPS) (1).
Cultura de Urina
A detecção de bacteriúria pelo método de Gram deve ser sempre confirmada por uma cultura da amostra urinária (1). Os resultados da contagem de colônias são interpretados da seguinte forma:
- Contagem inferior a 10.000 colônias/mL indica contaminação da amostra (1).
- Contagem entre 10.000 e 100.000 colônias/mL não permite um diagnóstico conclusivo de infecção (1).
- Contagem superior a 100.000 colônias/mL estabelece o diagnóstico de infecção (1).
Adicionalmente, a cultura de urina possibilita a identificação da espécie bacteriana e a realização do teste de sensibilidade aos antimicrobianos (TSA), o que permite determinar a sensibilidade do agente etiológico aos antimicrobianos e orientar a terapêutica adequada (1).
Referências Bibliográficas
- CALIXTO-LIMA, L.; REIS, N. T. Interpretação de Exames Laboratoriais Aplicados à Nutrição Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2012. 490 p.