Estratégias Nutricionais para a Hipertrofia Muscular em Exercícios de Resistência


Estratégias Nutricionais para a Hipertrofia Muscular em Exercícios de Resistência


Introdução

O exercício de resistência é definido como o desempenho de alta intensidade contra uma resistência externa por um curto período (2). Uma das adaptações clássicas do treinamento de força é o acúmulo de proteínas contráteis, como actina e miosina, levando ao aumento da área de secção transversal das fibras musculares, processo conhecido como hipertrofia muscular (3,12). Para otimizar esse processo, a nutrição desempenha um papel fundamental, com foco no balanço energético e na ingestão adequada de macronutrientes, especialmente proteínas e carboidratos.


Gasto Energético e Calorias

Para determinar as necessidades calóricas de atletas, a Taxa Metabólica de Repouso (TMR), que é cerca de 10% maior que a Taxa Metabólica Basal (TMB), é calculada usando fórmulas como Cunningham ou Harris-Benedict (11). O Gasto Energético Total (GET) é então obtido multiplicando a TMR pelo fator de atividade física (AF) ou equivalentes metabólicos (METs) (11).

Manter uma condição hipercalórica, com um superávit calórico, é a estratégia mais comum para ganho de massa muscular.

  • Um superávit de 200-300 kcal/dia já é suficiente para promover o ganho de massa muscular, sem a necessidade de atingir 500-600 kcal, pois isso pode levar a um maior ganho de gordura (2).
  • Alguns autores sugerem as seguintes faixas de superávit calórico diário:
    • Iniciantes/Intermediários: 400-800 kcal/dia, com ganhos mensais de 1-2 kg (2).
    • Avançados: 200-400 kcal/dia, com ganhos mensais de 0,5-1 kg (2).
    • Usuários de esteroides: 500-1000 kcal/dia, com ganhos mensais de 1-5 kg (2).

É crucial avaliar a disponibilidade energética, mantendo-a sempre próxima de 45 kcal/kg de Massa Livre de Gordura (MLG)/dia em atletas, e nunca abaixo de 30 kcal/kg MLG/dia (11). Embora o ganho de massa magra possa ocorrer em condições hipocalóricas em indivíduos destreinados, ele é significativamente reduzido (1).


Proteínas: Estratégia e Qualidade

O consumo de proteínas é um fator bem definido para promover o crescimento muscular no contexto do exercício de resistência (2). A ingestão de proteínas próxima ao treino de resistência demonstrou melhorar a recuperação da função muscular (7). A suplementação de whey protein também tem efeitos benéficos na restauração da função contrátil do músculo, quando utilizado entre 24-96 horas pós-treino de resistência (7).

O consumo de proteínas aumenta a disponibilidade de aminoácidos no sangue, especialmente a leucina. A leucina, ao entrar na célula muscular, associa-se à proteína SESTRIN2, que ativa a via mTOR, estimulando a síntese proteica por 1-5 horas (pós-emagrecimento) (6).

Quantidade de Proteínas

As recomendações atuais de consumo de proteína para atletas variam de 1,2 a 2,2 g/kg de peso corporal (11). Alguns estudos sugerem que quantidades entre 2,5 g/kg de PTN podem promover maiores ganhos de massa magra (2). A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBEM) recomenda um consumo diário de proteína entre 1,2-1,7 g/kg/dia (11). Para indivíduos que buscam hipertrofia, são necessários pelo menos 1,6 g/kg/dia, podendo chegar a 2,2 g/kg/dia (11).

Não houve diferença significativa no ganho de massa entre pessoas que consumiram aminoácidos essenciais e não essenciais (2). A leucina é um dos aminoácidos mais responsivos na síntese proteica (2,6). O nível de treinamento do indivíduo é relevante para a quantidade de proteína ingerida; indivíduos treinados podem ter menor necessidade devido a adaptações metabólicas (11). Além disso, a quantidade de calorias e carboidratos influencia a ingestão proteica: em caso de restrição calórica, é necessário aumentar a ingestão proteica para compensar o catabolismo (11).

Divisão da Ingestão Proteica ao Longo do Dia

A divisão da ingestão proteica ao longo do dia, mesmo em apenas 3 refeições, é mais interessante para a hipertrofia do que uma concentração de ingestão >60% no período da noite (5). Existem evidências de aumento da síntese proteica quando a ingestão de proteínas é organizada uniformemente ao longo do dia, incluindo o período pré-sono (4). Um consumo de 0,25-0,3 g/kg/refeição parece ser uma boa divisão (11). Uma divisão efetiva seria fornecer 20g de proteína a cada refeição, não ultrapassando um intervalo maior que 4-5 horas entre elas (5). Não foi observado um anabolismo maior com doses superiores a 40g quando comparado a doses de 20g por refeição (11). Alguns estudos encontraram que doses de 0,53 g/kg/refeição (considerando 3 refeições/dia) ou 0,4 g/kg/refeição (considerando 4 refeições/dia), com espaçamento de 3-5 horas, são suficientes (4). Não é necessário haver proteína em todas as refeições.

Ingestão de Proteínas Pós-Treino

As duas horas pós-exercício de força são o momento de maior ganho de massa muscular e força, caracterizado como “janela de oportunidade” (11). Para melhores resultados, é interessante consumir uma porção proteica nesse período e, posteriormente, manter a ingestão adequada ao longo do dia (11). A quantidade de whey protein necessária para otimizar o anabolismo pós-exercício é de aproximadamente 20g (7). Outro estudo sugere que a quantidade de proteína pós-exercício deve ser em torno de 0,25 g/kg de peso para um maior ganho de massa (2).

Ingestão de Proteínas Antes de Dormir

A ingestão de proteínas antes de dormir é efetivamente digerida e absorvida, aumentando a disponibilidade de aminoácidos durante a noite, o que estimula a síntese proteica (5). Evidências indicam que a ingestão de 20-40g de proteínas aproximadamente 30 minutos antes de dormir é capaz de estimular a MPS (Síntese Proteica Muscular), e a longo prazo, pode aumentar a resposta adaptativa ao treinamento (4). Não há consenso sobre qual proteína seria melhor (caseína ou whey), mas uma mistura de proteína de rápida e lenta absorção pode ser ideal para um período de 8 horas de sono (5).

Qualidade da Proteína

Aminoácidos essenciais, especialmente a leucina, são importantes estimuladores da síntese proteica (6). A ingestão de aminoácidos essenciais aumenta a sinalização da via mTOR (6). Em resumo, as fontes de proteína devem garantir um bom estímulo à síntese proteica e quantidades suficientes de todos os aminoácidos (2).

Suplementos Proteicos

  • Proteínas à base de leite: Até o momento, não há indícios de que qualquer fração da proteína do leite exerça efeito superior na resposta anabólica em comparação com outras (11).
  • Proteínas vegetais: A soja é a proteína vegetal mais estudada (11). É classificada como uma proteína de digestão rápida e nutricionalmente completa, embora com menores quantidades de aminoácidos de cadeia ramificada, especialmente leucina (11).

Carboidratos: Detalhamento

Os carboidratos são os principais substratos para a produção de energia no organismo (11). No exercício resistido, baixas concentrações de glicogênio podem inibir a resposta hipertrófica aos exercícios de força, aumentando a proteólise (11). Por isso, é importante iniciar o exercício com os estoques de glicogênio adequados (11). Sabe-se que quando os estoques de glicogênio estão reduzidos, a via AMPK é estimulada, enquanto a via do mTOR (principal via de estimulação da hipertrofia) é inibida (11).

Ingestão de CHO Pré-Treino

Para sessões de treinamento/competição com duração superior a 60 minutos, as diretrizes da ADA, DC e ACSM recomendam o uso de 1-4 g/kg de CHO entre 1-4 horas antes do exercício, priorizando alimentos pobres em fibras e resíduos para garantir boa digestibilidade (11). O consumo de carboidrato 60 minutos antes do exercício permanece controverso devido à possibilidade da hipoglicemia de rebote (11). Nas 36-48 horas que antecedem uma competição (com duração acima de 90 minutos), é recomendada a ingestão de 10-12 g/kg/dia de CHO. Nas 24 horas antecedentes, recomenda-se o consumo de 7-12 g/kg (11).

Ingestão de CHO Intra-Treino

  • Até 45 minutos: Não é necessário (11).
  • Entre 45-60 minutos: O bochecho pode ser interessante (11).
  • Entre 1h e 2,5h: São necessários entre 30-60 g/h de CHO (11).
  • >2,5h: São necessários 90 g/h (sendo 60 g de glicose + 30 g de frutose) (11). A glicose e a frutose devem ser misturadas, pois não competem por transportadores na mucosa intestinal, aumentando a quantidade de carboidrato absorvido (11).

Ingestão de CHO Pós-Treino

A depleção do glicogênio muscular estimula enzimas envolvidas na glicogênese, aumenta a sensibilidade à insulina e a permeabilidade da membrana à glicose, favorecendo a ressintese de glicogênio (11). As primeiras 4 horas pós-exercício são consideradas uma “janela de oportunidade” (11). Recomenda-se a ingestão de 1,2 g/kg de CHO nas primeiras 4 horas pós-exercício quando há necessidade de reposição rápida de glicogênio (11). Caso contrário, basta seguir as recomendações diárias (11).

Suplementos de Carboidratos

A forma de apresentação do produto (líquido, gel ou sólido) não influencia seu efeito ergogênico (11). No entanto, o tipo de carboidrato pode gerar diferenças devido à digestibilidade, velocidade de absorção e taxa de oxidação (11).

  • Maltodextrina: Polímero de alto índice glicêmico (aprox. 90-100), amplamente utilizada, mas pode provocar hipoglicemia de rebote se consumida menos de 1 hora antes do exercício (11).
  • Isomaltulose: Suplemento de baixo índice glicêmico (aprox. 32) e baixa insulinemia, prolongando a liberação de glicose para a circulação sanguínea (11). No entanto, em grandes quantidades, pode gerar desconforto gastrointestinal (11).

Gorduras

As necessidades diárias de gordura para atletas são semelhantes às de não atletas, variando entre 20-35% do GET (11).


Fisiologia do Exercício de Resistência e Adaptações

Exercícios de resistência são caracterizados por desempenho de alta intensidade contra uma resistência externa por um curto período de tempo (2). O aumento do consumo de proteínas nesse contexto é bem definido para promover o crescimento muscular (2).

Uma das adaptações clássicas do treinamento de força é o acúmulo de proteínas contráteis como actina e miosina, levando ao aumento da área de secção transversal das fibras musculares, processo conhecido como hipertrofia muscular (3,12). As contrações musculares excêntricas (quando o músculo se alonga sob contração) são conhecidas por proporcionar maior ganho de força e massa muscular, correlacionado a maior dano muscular induzido (3). Isso pode levar a um maior reparo tecidual, otimizando a síntese proteica muscular.

A massa muscular esquelética é regulada pela flutuação entre as taxas de síntese proteica muscular (MPS) e a quebra proteica muscular (MPB) (4). A MPS é estimulada por nutrientes e atividade física, enquanto a MPB prevalece na ausência de ingestão de nutrientes (4). Essa flutuação representa cerca de 1-2% de todas as proteínas do organismo (6).

Resposta ao Exercício e Adaptação

A adaptação ao treino é sempre temporária, e o estímulo deve ser mantido a longo prazo (12). Esse processo complexo inicia-se com uma mistura de estresses que ativam mecanismos específicos (12). No caso dos exercícios de força, o estresse é principalmente mecânico, mas pode ser dividido em quatro categorias: carga mecânica, ativação neuronal, ajustes hormonais e perturbações metabólicas (12). Essa mistura de estresses desencadeia eventos específicos que geram as adaptações necessárias (12). A adaptação ao exercício físico é determinada por fatores como duração, intensidade, frequência, genética e estilo de vida (11).

A realização de exercícios de força estimula a MPS e reduz a degradação de proteínas no período pós-treino, inicialmente pela ativação da via mTOR (11). O estímulo mecânico do exercício físico promove a ativação da via mTOR, efeito que dura entre 24h, podendo chegar a 48h, de forma decrescente com a distância da sessão de treino (11). O treinamento de força favorece adaptações musculares, incluindo neuromusculares (aumento no recrutamento de fibras), modificações na arquitetura muscular e composição bioquímica das miosinas musculares, que interferem diretamente na geração de força (11). O acúmulo de proteínas contráteis (actina e miosina) favorece o aumento da secção transversal das fibras musculares (hipertrofia), que exige reforços nos processos de síntese proteica, sessão após sessão, pelo estímulo do treino e da ingestão de proteínas.

Hipertrofia

A hipertrofia ocorre por meio de dois processos (12):

  1. Aumento no número de núcleos em cada fibra muscular.
  2. Aumento na quantidade de material contrátil sustentado por cada núcleo.

Resposta à Ingestão Nutricional e Exercício

Durante o exercício, a síntese proteica diminui, mas esse quadro é rapidamente revertido na recuperação pós-exercício, mesmo em jejum (6). Mesmo na recuperação, ainda ocorre quebra de proteínas, mas a síntese de novas proteínas supera a quebra (6).

No pós-treino, ocorre uma maior captação de glicose, pela glicogênio sintase e pelo GLUT4, sendo um melhor horário para maior captação de carboidratos, gerando maior recuperação do glicogênio muscular (9). No entanto, maior quantidade de CHO leva a maior resposta à insulina, mas não há alterações no balanço proteico, síntese, oxidação e quebra (8,9). A coingestão de CHO e aminoácidos essenciais (AEE) não gerou mudanças na síntese proteica (10).

Idosos

Estudos mostram que idosos respondem menos aos estímulos anabólicos (6). A ingestão de aminoácidos essenciais precisa ser aumentada em relação à população mais jovem, pois sua resposta é menor (6). Essa redução na resposta anabólica tem sido associada à desregulação da sinalização do mTORC1 (6).


Conduta Clínica Resumida

Para a hipertrofia e manutenção da massa muscular:

  • Superávit calórico: Em torno de 200-300 kcal/dia.
  • Proteína: Consumo entre 1,6 a 2,5 g/kg/dia.
  • Distribuição de proteína: Ajustar a ingestão ao longo do dia, não deixando intervalos maiores que 4 horas entre as refeições. Limitar a no máximo 30-40 g de proteína por refeição.
  • Pós-treino: Incluir uma média de 0,25 g/kg de proteína (pode ser whey protein).
  • Antes de dormir: Incluir 20-40 g de proteína.

Referências Bibliográficas

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  3. LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 262 p.
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