Abordagem Terapêutica e Nutricional na Deficiência de Ferro e Anemia Ferropriva
Introdução
A deficiência de ferro (DF) e a anemia ferropriva (AF) são consideradas a carência nutricional mais prevalente globalmente, configurando um significativo problema de saúde pública (12). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a DF como uma condição onde a mobilização dos estoques de ferro é comprometida, prejudicando o suprimento do mineral para os tecidos e a eritropoiese (11). O estágio mais severo desta deficiência culmina na anemia, caracterizada pela incapacidade do organismo de manter a concentração normal de hemoglobina (11). Este documento detalha a conduta clínica para a deficiência de ferro e anemia ferropriva, incluindo o metabolismo do ferro, orientações nutricionais, critérios diagnósticos, protocolos de suplementação e considerações para populações específicas.
Metabolismo e Biodisponibilidade do Ferro
O ferro é um mineral fundamental, essencial para a oferta e utilização de oxigênio nos tecidos em níveis celular e subcelular (1). O controle do estoque de ferro no organismo é primariamente regulado pela absorção intestinal, visto que a excreção renal é insignificante (1). Perdas diárias de pequenas quantidades ocorrem pelas fezes (0,6 mg), urina (0,1 mg), suor (0,3 mg) e, em mulheres, pela menstruação (0,4-0,5 mg).
A absorção de ferro ocorre predominantemente no duodeno e jejuno proximal, onde as proteínas carreadoras de ferro são mais expressas (2). Em condições de estresse fisiológico, como hipóxia, anemia ou hemorragia, observa-se uma redução na síntese de hepcidina, o que induz um aumento na síntese de ferroportina e, consequentemente, uma maior absorção de ferro (3).
O ferro inorgânico é absorvido na sua forma reduzida (Fe2+). A presença de agentes redutores, como a Vitamina C (ácido ascórbico), otimiza sua absorção ao facilitar a conversão do íon férrico (Fe3+) em íon ferroso (Fe2+) (3). Embora a ingestão diária de 40-80 mg de Vitamina C seja suficiente para as necessidades metabólicas, doses de 25-50 mg por refeição são eficazes para aumentar a absorção de ferro, particularmente durante a terapia de reposição em casos de anemia ferropriva (3). Álcool e frutose também demonstram a capacidade de aumentar a absorção de ferro (3).
A ingestão de ferro na dieta compreende dois componentes: o ferro heme (íon ferroso, Fe2+), encontrado em carnes vermelhas, e o ferro não heme ou inorgânico (íon férrico, Fe3+), presente em hortaliças, cereais, entre outros (1). Apesar de o ferro não heme ser a forma predominante na dieta, o ferro heme é o mais biodisponível (1).
Em uma dieta com 13 a 18 mg de ferro, aproximadamente 1 mg é absorvido; contudo, em estados de deficiência, a absorção pode aumentar para 2 a 4 mg (1). A quantidade máxima de ferro elementar que pode ser absorvida pelo trato gastrointestinal é estimada em 25 mg/dia (2).
Fatores que Afetam a Absorção de Ferro
Certos fatores dietéticos e medicamentosos podem inibir a absorção de ferro:
- Cálcio: Prejudica a absorção de ambos os tipos de ferro (heme e não heme). A ingestão concomitante de um copo de leite e uma refeição pode reduzir significativamente a biodisponibilidade do ferro (3).
- Quelantes de ferro: Substâncias como oxalatos, fosfatos e fitatos, presentes em alguns alimentos, podem se ligar ao ferro, formando complexos insolúveis que dificultam sua absorção. A cocção desses alimentos pode mitigar esse efeito.
- Taninos e polifenóis: Presentes em café e chá, devem ser evitados após as refeições para não comprometer a absorção de ferro (3).
- Fosfovidina: Presente no ovo, pode interferir na absorção.
- Redução da acidez gástrica: Condições que diminuem a acidez gástrica (como o uso de antiácidos ou inibidores de bomba de prótons) podem prejudicar a absorção, uma vez que o ambiente ácido favorece a conversão de Fe3+ em Fe2+ (2).
- Antibióticos: Quinolonas e tetraciclinas podem formar complexos insolúveis com o ferro, inibindo a absorção de ambos (2).
Estágios da Deficiência de Ferro e Anemia Ferropriva
A deficiência de ferro evolui em três estágios sequenciais (11, 12):
- Depleção dos Estoques: Definida pela redução da ferritina sérica, que reflete o ferro armazenado em tecidos como fígado, baço e medula óssea (12).
- Eritropoiese Deficiente (Deficiência de Ferro sem Anemia): Caracterizada pela diminuição da ferritina e do ferro sérico, acompanhada de aumento da Capacidade Total de Ligação do Ferro (TIBC) e redução da saturação da transferrina. Observa-se também um aumento na concentração de receptores da transferrina e da protoporfirina eritrocitária livre (11).
- Anemia Ferropriva: Além das alterações dos estágios anteriores, ocorre uma queda nos níveis de hemoglobina (Hb) e modificações nos índices hematimétricos, incluindo microcitose (redução do Volume Corpuscular Médio – VCM), hipocromia (diminuição da Hemoglobina Corpuscular Média – HCM) e aumento da Amplitude de Distribuição dos Glóbulos Vermelhos (RDW), indicando anisocitose (12).
Manifestações Clínicas da Deficiência de Ferro
A deficiência de ferro, com ou sem anemia, manifesta-se comumente por redução da imunidade, comprometimento do desempenho muscular e déficit na função neurocognitiva, além de ganho de peso insuficiente (12).
Outras manifestações incluem:
- Pica: Apetite pervertido por substâncias não nutritivas (terra, barro, papel, amido) (12).
- Estomatite angular: Lesões nos cantos da boca (12).
- Glossite: Inchaço doloroso da língua, que pode se apresentar lisa e brilhante (12).
- Coiloníquia: Depressão central da lâmina ungueal com elevação das bordas (“unhas em colher”) (12).
- Sintomas mais comuns na deficiência de ferro incluem fraqueza, cefaleia, irritabilidade, síndrome das pernas inquietas, diversos graus de fadiga e intolerância ao exercício (12).
Diagnóstico Laboratorial
O diagnóstico da deficiência de ferro e anemia ferropriva envolve a avaliação de múltiplos parâmetros bioquímicos (4, 12):
- Ferritina sérica: Principal marcador dos estoques de ferro. Níveis diminuídos indicam depleção. Contudo, a ferritina é um reagente de fase aguda, podendo estar elevada em processos infecciosos, inflamatórios, neoplasias ou doenças hepáticas. Nesses casos, a interpretação exige cautela e deve ser associada à dosagem da Proteína C Reativa (PCR) (12).
- Saturação da transferrina: Indica a porcentagem de transferrina ligada ao ferro. Níveis reduzidos sugerem deficiência.
- Ferro sérico: Concentração de ferro circulante no sangue. Diminui com a progressão da deficiência.
- Receptor de transferrina solúvel (sTfR): Sua concentração aumenta em quadros de deficiência de ferro, sendo um marcador útil para diferenciar a deficiência de ferro da anemia de doença crônica.
- Hemoglobina (Hb): Principal parâmetro para o diagnóstico de anemia.
- Volume Corpuscular Médio (VCM): Indica o tamanho médio das hemácias. Baixo na microcitose.
- Hemoglobina Corpuscular Média (HCM): Indica a concentração média de hemoglobina por hemácia. Baixa na hipocromia.
- Protoporfirina de zinco (ZPP): Aumenta na deficiência de ferro.
- Capacidade Total de Ligação do Ferro (TIBC): Aumenta na deficiência de ferro, refletindo maior número de sítios disponíveis na transferrina para ligar-se ao ferro.
A tabela a seguir resume as alterações laboratoriais observadas nos diferentes estágios da deficiência de ferro (12):
Exame Laboratorial | Depleção dos Estoques | Deficiência sem Anemia | Anemia Ferropriva |
Morfologia da hemácia (VCM, HCM, RDW) | Normal | Normal | VCM – Baixo (microcitose), HCM – Baixo (hipocromia), RDW – Alto (anisocitose) |
Ferritina | Diminuída | Diminuída | Diminuída |
Ferro Sérico | Normal | Diminuído | Diminuído |
TIBC | Normal | Aumentada | Aumentada |
Índice de saturação da transferrina | Normal | Diminuída | Diminuída |
Diagnóstico Diferencial: É fundamental considerar diagnósticos diferenciais, como talassemias (α e β), anemia por infecção/inflamação associada à ferropenia, deficiência de cobre, anemia sideroblástica e anemia ferropriva refratária ao tratamento com ferro (12).
Classificação da Anemia com Base nos Níveis de Hemoglobina (OMS 2017)
Idade | Sem Anemia | Anemia Leve | Anemia Moderada | Anemia Grave |
6 meses a 5 anos | ≥11 | 10,9 a 10 | 9,9 a 7 | <7 |
5 a 11 anos | ≥11,5 | 11,4 a 11 | 10,9 a 8 | <8 |
12 a 14 anos | ≥12 | 11,9 a 11 | 10,9 a 8 | <8 |
≥15 anos (Mulheres) | ≥12 | 11,9 a 11 | 10,9 a 8 | <8 |
≥15 anos (Homens) | ≥13 | 12,9 a 11 | 10,9 a 8 | <8 |
Gestantes | ≥11 | 10,9 a 10 | 9,9 a 7 | <7 |
Recomendações Nutricionais de Ferro (RDA)
As Recomendações Dietéticas Diárias (RDA) de ferro variam conforme o sexo e o estado fisiológico (1):
- Homens: 8 mg/dia (1, 8)
- Mulheres: 18 mg/dia (entre 19 e 50 anos) (1, 8)
- Gestantes: 27 mg/dia (1)
- Lactantes: 9 mg/dia
- Limite Superior Tolerável (UL): 45 mg/dia
É importante notar que a ingestão de ferro deve ser superior à RDA em grupos de maior risco (1). Doses entre 20 e 60 mg/kg são consideradas tóxicas (1).
Estratégias de Suplementação de Ferro
A reposição de ferro por via oral é a forma preferencial de tratamento (9).
Doses e Duração da Suplementação:
- Anemia Ferropriva:
- Ferro elementar: 3-5 mg/kg/dia (9).
- Adultos: 50-200 mg/dia. Doses superiores a 200 mg/dia não são recomendadas, pois a mucosa intestinal age como barreira à absorção excessiva (9).
- Fracionamento da dose: A dose diária pode ser dividida em duas ou três tomadas para melhorar a tolerabilidade e a absorção (6).
- Duração do tratamento: O tratamento deve ser mantido por 1 a 2 meses para a normalização da hemoglobina, e de 3 a 6 meses, ou até que a ferritina atinja 30 ng/mL em adultos, para a reposição dos estoques (9).
- Acompanhamento laboratorial: A dosagem de hemoglobina deve ser realizada a cada duas a quatro semanas durante o tratamento. Após a correção da hemoglobina, a ferritina deve ser avaliada mensalmente até atingir um mínimo de 30 ng/mL (9). A recuperação de uma anemia ferropriva pode levar de 3 a 6 meses; portanto, a intervenção precoce é fundamental (5).
- Gestantes: 30-60 mg de ferro elementar, uma vez por semana, durante toda a gestação (11).
- Idosos: Doses menores, como 15 mg/dia de ferro elementar, podem ser prescritas para melhor tolerabilidade, desde que a causa subjacente da anemia, frequentemente por perda sanguínea, seja corrigida (2).
- Crianças: 6 mg/kg/dia (dose máxima para nutricionistas é 45 mg/dia).
- Recém-nascidos e Lactentes: A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda a suplementação profilática de ferro para lactentes, independentemente da presença de fatores de risco (12).
- Lactentes sem fator de risco: Recém-nascidos a termo (RNT) com peso adequado para a idade gestacional (PAIG), em aleitamento exclusivo até o 6º mês – 1 mg/kg/dia, com início aos 180 dias de vida e continuidade até o 24º mês (12).
- Lactentes com fator de risco:
- RNT, PAIG, independentemente do tipo de alimentação – 1 mg/kg/dia, iniciando aos 90 dias de vida até o 24º mês (12).
- RNT com peso <2500g ao nascer – 2 mg/kg/dia, iniciando aos 30 dias de vida até o 1º ano, seguido por 1 mg/kg/dia por mais 1 ano (12).
- RNPT com peso >1500g – 2 mg/kg/dia, iniciando aos 30 dias de vida até o 1º ano, seguido por 1 mg/kg/dia por mais 1 ano (12).
- RNPT com peso entre 1000-1500g – 3 mg/kg/dia, iniciando aos 30 dias de vida até o 1º ano, seguido por 1 mg/kg/dia por mais 1 ano (12).
- RNPT com peso <1000g – 4 mg/kg/dia, iniciando aos 30 dias de vida até o 1º ano, seguido por 1 mg/kg/dia por mais 1 ano (12).
- RNPT que receberam >100mL de concentrado de hemácias durante a internação devem ser avaliados individualmente (12).
Tipos de Suplementos de Ferro e Características
Os principais suplementos de ferro comercializados incluem sais ferrosos, sais férricos, ferro aminoquelado, complexo de ferro polimaltosado (ferripolimaltose) e ferro carbonila (9, 12).
| Composto com Ferro | Peso do Sal de Ferro | Ferro Elementar | Observações Tradicionalmente, o sulfato ferroso (SF) foi o principal suplemento oral para tratar a deficiência de ferro devido à sua alta biodisponibilidade e eficácia comprovada na elevação dos níveis de hemoglobina e na restauração dos estoques de ferro (9). No entanto, este composto pode ter interações indesejáveis com componentes dietéticos como fitatos, polifenóis e outros, que podem formar complexos insolúveis e impedir a absorção do ferro (9).
Para mitigar essas interações, recomenda-se que o SF seja tomado com o estômago vazio, idealmente uma hora antes das refeições ou antes de dormir (9). Contudo, essa prática pode aumentar o desconforto gástrico.
A administração de SF também pode levar à oxidação do Fe2+ para Fe3+ na luz intestinal. Esse processo na membrana apical do enterócito pode gerar radicais livres, causando peroxidação lipídica das proteínas da membrana e, consequentemente, dano celular. Isso pode favorecer o desenvolvimento de lesões inflamatórias no trato gastrointestinal superior, como esofagite, gastrite, duodenite e úlceras (9).
Apesar desses desafios, o sulfato ferroso apresenta a vantagem de poder ser absorvido por difusão passiva em situações de deficiência de ferro moderada a grave (9). No entanto, a capacidade de absorção tanto ativa quanto passiva pode levar a desvantagens significativas. A absorção de uma quantidade excessiva de ferro pode saturar a transferrina, resultando na presença de ferro não ligado à transferrina e, mais importante, de ferro livre plasmático, que é a fração mais tóxica do ferro para o organismo (9). Além disso, a administração excessiva pode superar a “proteção da mucosa” e induzir toxicidade aguda (9).
O principal obstáculo para a adesão à terapia com SF são os efeitos adversos gastrointestinais, como náuseas e desconforto epigástrico, que geralmente ocorrem entre 30 e 60 minutos após a ingestão e estão diretamente relacionados à dose (9). Outros sintomas, como diarreia e obstipação, não são dose-dependentes e podem ser gerenciados com tratamento sintomático (9).
Para minimizar esses efeitos adversos, as seguintes estratégias podem ser adotadas (9):
- Fracionar a dose diária total em duas ou três tomadas.
- Administrar o medicamento durante ou após as refeições.
- Iniciar a terapia com doses menores (40-80 mg/dia) e aumentá-las gradativamente.
A dose letal de sulfato ferroso é de 350 mg/kg (9).
O Ferro Quelato (glicinato) é um elemento essencial na constituição da hemoglobina e mioglobina, atuando como transportador de oxigênio. Quando associado a cobre e cobalto, auxilia na prevenção da anemia ferropriva, contribui para o aumento da massa muscular e peso, melhora o índice de conversão alimentar e a fertilidade. A dosagem usual recomendada é de 30 a 60 mg de ferro elementar diariamente (9).
Precauções na Suplementação:
- A suplementação de ferro em indivíduos sem deficiência pode induzir vômitos, diarreia, dor abdominal e problemas hepáticos (4).
- Atletas com deficiência de ferro podem requerer doses terapêuticas (superiores a 18 mg/dia para mulheres e 8 mg/dia para homens) (4).
- A suplementação de ferro deve ser evitada no período imediato após exercícios exaustivos, devido ao potencial aumento da concentração sérica de hepcidina, que interfere na absorção do ferro (1, 5).
Condições Específicas Associadas à Deficiência de Ferro
Doença Celíaca
O ferro é absorvido primariamente na região proximal do intestino delgado, especificamente no duodeno e jejuno inicial, que são as áreas mais afetadas na doença celíaca (10). O ferro é captado pelas células epiteliais da mucosa duodenal na forma ferrosa (Fe2+) através do transportador bivalente de metais (DMT1), presente na borda em escova ou na membrana apical (2). A eficiência da absorção é proporcional à expressão do DMT1, que, curiosamente, pode estar aumentada na doença celíaca, talvez como um mecanismo compensatório à atrofia das vilosidades intestinais (10).
No entanto, o processo inflamatório na mucosa intestinal é o principal fator contribuinte para a deficiência de ferro na doença celíaca. Essa inflamação estimula macrófagos a liberar uma cascata de citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6, IL-10, IFN-γ) (10). Dentre essas, a IL-6 é o principal indutor da expressão de hepcidina. O aumento da hepcidina, por sua vez, inibe a liberação de ferro pelos macrófagos e a absorção intestinal, devido à sua influência sobre a ferroportina, que regula a saída de ferro do enterócito (10). A boa notícia é que, após a adesão a uma dieta isenta de glúten, as reservas de ferro geralmente são restauradas em um período de seis a doze meses, podendo levar até dois anos (10).
Deficiência de Ferro em Recém-Nascidos, Crianças e Lactentes
A deficiência de ferro e a anemia ferropriva em recém-nascidos e crianças podem ser atribuídas à baixa reserva de ferro ao nascimento, ingestão alimentar inadequada, redução da absorção intestinal (enterócitos) e aumento das perdas (sangramentos) ou demanda (crescimento físico acelerado) (12).
Recém-nascidos podem apresentar deficiência de ferro como resultado de deficiência materna de ferro, insuficiência placentária, hipertensão materna, diabetes mellitus gestacional e clampeamento precoce do cordão umbilical (12). Além desses, outros fatores de risco incluem menor idade do lactente, desmame precoce, alimentação complementar inadequada, menor idade materna e maior incidência de infecções respiratórias e gastrointestinais (12).
A prevenção da deficiência de ferro é realizada através do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida e sua manutenção até os 2 anos (12). É crucial destacar que aproximadamente 80% do ferro de um recém-nascido a termo é acumulado no terceiro trimestre da gestação. Consequentemente, recém-nascidos prematuros nascem com reservas reduzidas, tornando a profilaxia com ferro precoce (a partir dos 30 dias de vida) fundamental (12).
Considerações sobre Ferro e Exercício
No contexto esportivo, a redução da concentração de hemoglobina pode comprometer significativamente o desempenho físico, devido à diminuição do transporte de oxigênio para o músculo exercitado (1). Além disso, a redução da atividade de enzimas contendo ferro pode ter efeitos deletérios no desempenho físico (1).
Em atletas de elite, a depleção dos estoques de ferro pode estar associada a um aumento na percepção subjetiva de sobrecarga de treinamento (1). A tolerância ao esforço demonstrou relação direta com a concentração de hemoglobina, independentemente da adequação do estoque de ferro corporal. Observa-se também que a concentração sanguínea de lactato durante o exercício é mais elevada em indivíduos anêmicos em comparação ao grupo controle (1).
Perdas de ferro nas fezes, urina e suor são amplificadas pelo exercício intenso e prolongado, podendo ser até 70% maiores em atletas do que em indivíduos sedentários (1). O organismo se adapta ao treinamento de resistência aumentando a massa eritrocitária e o conteúdo de mioglobina no músculo esquelético (1).
É importante notar que a suplementação nutricional de ferro em atletas sem deficiência não demonstrou aumentar o desempenho aeróbio (8).
Metabolismo do Ferro em Maratonistas
Maratonistas são um grupo de alto risco para desenvolver anemia, perda de densidade mineral óssea e imunossupressão devido ao treinamento intenso e prolongado (1). Apesar de a dieta típica de um maratonista ser rica em calorias, em alguns casos, a ingestão de ferro pode ser inadequada (1).
Estudos sugerem que maratonistas podem apresentar maior fragilidade eritrocitária e maior turnover de eritrócitos, indicando que suas necessidades de ferro são, provavelmente, superiores às da população geral (1). A concentração sérica de ferro pode permanecer inalterada ou aumentar imediatamente após uma maratona, mantendo-se alterada por até 2 semanas. No entanto, a redução na contagem de eritrócitos, hemoglobina e hematócrito é observada entre o 2º e o 9º dia pós-corrida (1).
A maratona pode induzir hemoglobinúria, hemorragia pulmonar, perda de sangue gastrointestinal e, principalmente, hemólise associada ao impacto na planta dos pés durante a corrida (1). Maratonistas com valores de ferritina sérica inferiores a 35 mg/L são comumente recomendados a suplementar com 100 mg/dia de ferro heme, visando restaurar a concentração de ferritina para aproximadamente 60 mg/L em 2 a 3 meses (1).
Referências Bibliográficas
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