Nutrição no Fisiculturismo: Estratégias para Off-Season e Finalização Competitiva


Nutrição no Fisiculturismo: Estratégias para Off-Season e Finalização Competitiva


Introdução

O fisiculturismo é um esporte de performance estética, onde os atletas são avaliados pela muscularidade, definição e simetria no dia da competição (2). A temporada de um fisiculturista é dividida em três fases principais: o off-season (fase de ganho de massa muscular), o contest preparation (preparação para a competição) e a competição em si (2).


Fase de Off-Season: Ganho de Massa Muscular

O off-season é o período dedicado ao ganho de massa muscular (hipertrofia) e visa maximizar o crescimento muscular enquanto minimiza o acúmulo de gordura (2).

Consumo Energético

As recomendações de superávit calórico variam conforme o nível do atleta:

  • Para iniciantes/intermediários, sugere-se um superávit de 10-20% sobre as calorias de manutenção, ou cerca de 400-800 kcal/dia, visando ganhos mensais de 1-2 kg (2).
  • Para atletas avançados, um superávit de 5-10% (200-400 kcal/dia) é mais apropriado, especialmente se houver histórico de ganho excessivo de gordura. Ganhos mensais nessa fase seriam de 0,5-1 kg (2).
  • Em atletas de alto nível, um superávit de 200-300 kcal/dia é considerado mais adequado do que 500 kcal/dia para evitar o ganho excessivo de gordura (2).
  • Para usuários de esteroides, o superávit pode variar de 500-1000 kcal/dia, com ganhos mensais de 1-5 kg (2).

O ganho de peso semanal na fase de off-season deve ser de 250-500 g/semana para iniciantes/intermediários e 250 g/semana para atletas avançados, a fim de maximizar o ganho de massa e minimizar o acúmulo de gordura (2).

Macronutrientes

Carboidratos (CHO):

Os carboidratos desempenham um papel crucial na dieta do fisiculturista como reguladores dos hormônios da tireoide e contribuem para as necessidades de micronutrientes (2). Uma dieta com baixo teor de carboidratos pode limitar a regeneração de ATP, reduzindo a capacidade de contração muscular (2). Em exercícios de alta intensidade, o glicogênio muscular é o principal substrato, fornecendo até 80% da demanda de ATP (2). Um único treino de resistência pode reduzir o glicogênio muscular em 24-40% (2). Parte do glicogênio utilizado pode ser ressintetizada a partir do lactato, o que reduz a necessidade de carboidratos (2).

Estudos comparando dietas com 70% e 50% de CHO não encontraram benefícios significativos no desempenho. No entanto, uma dieta com 25% de CHO resultou em queda significativa do desempenho (2). As recomendações na literatura variam de 4-7 g/kg/dia, mas alguns autores sugerem 3-5 g/kg/dia. Após definir as calorias totais, proteínas e gorduras, o restante das calorias deve ser preenchido com carboidratos (2).

Proteínas (PTN):

As recomendações de proteína devem ser baseadas em gramas por quilo de peso corporal (g/kg). Recomenda-se um mínimo de 1,6 g/kg, podendo chegar a 2,2 g/kg, para otimizar a resposta adaptativa em atletas (2). A proteína também é útil no controle da saciedade durante o off-season (2).

Em relação à quantidade por refeição, alguns estudos indicam que 20g/refeição já seriam suficientes para o estímulo máximo da síntese proteica (2). No entanto, existem recomendações de 0,4-0,55 g/kg/refeição (2). Alguns autores sugerem uma relação entre o volume de tecido muscular “danificado” e a quantidade de proteína ingerida para otimizar a síntese proteica (2). Estudos de longo prazo enfatizam que o controle da quantidade total de proteínas ingeridas no dia é mais importante do que a adesão a “janelas de oportunidade” (2). Usuários de esteroides não se beneficiam de quantidades maiores de proteína e podem seguir as recomendações gerais para ganho de massa (2).

A qualidade da proteína é essencial: aminoácidos essenciais são necessários para o estímulo da síntese proteica muscular, enquanto os aminoácidos não essenciais atuam como blocos de construção (2). A leucina é particularmente importante como gatilho metabólico para o estímulo da síntese proteica muscular (2). As fontes de proteína devem garantir um bom estímulo à síntese proteica e quantidades suficientes de todos os aminoácidos (2). Uma meta-análise mostrou que, a longo prazo, diferentes tipos de proteína de boa qualidade não fazem diferença no ganho de massa (2).

Gorduras:

Embora os triglicerídeos intramusculares possam ser utilizados como combustível durante o treino de força, eles não são um fator limitante, visto que o processo é predominantemente anaeróbio (2). Recomenda-se que a ingestão de gorduras fique em torno de 20-35% do gasto calórico total, seguindo a recomendação do ACSM (American College of Sports Medicine) para atletas, o que geralmente se traduz em 0,5-1,5 g/kg/dia (2). É crucial que o consumo de proteínas e carboidratos não seja comprometido em detrimento do consumo de gorduras (2).


Fase de Finalização (Peak Week)

A finalização, ou peak week, ocorre geralmente na semana anterior à competição, com o objetivo de maximizar os resultados estéticos, como o volume muscular e a definição (1). Os principais objetivos são: maximizar os estoques de glicogênio muscular (aumentando o volume muscular), minimizar a quantidade de água subcutânea (aumentando a definição) e diminuir a distensão abdominal (melhorando a linha da cintura e aspectos estéticos) (1).

Carboidrato e Glicogênio Muscular

A estratégia para aumentar o glicogênio muscular envolve limitar a ingestão por alguns dias, seguido por um período de alto consumo de carboidratos (1). Protocolos comuns incluem 3 dias de depleção, seguidos por 1 dia de carregamento (1). Um protocolo específico envolve diminuir para 50g de CHO/dia por 3 dias, seguido por um aumento para 450g de CHO/dia por 2 dias, resultando em aumento de 5% no volume dos membros superiores e 2% nos membros inferiores (1). Isso ocorre porque 1g de glicogênio acumula 4g de água intracelular, aumentando a massa livre de gordura e conferindo um aspecto mais “denso” ao atleta (1).

O aumento da ingestão de carboidratos pode causar sintomas gastrointestinais como diarreia, constipação, azia e cólicas abdominais, provavelmente devido à restrição de sódio que muitos atletas fazem nesse período (1). É fundamental que o atleta teste a estratégia de finalização 2-4 semanas antes da competição (1). Fontes de carboidratos com maior índice glicêmico parecem ser mais eficazes na restauração do glicogênio muscular (1).

Manipulação de Água e Sódio

A água corporal corresponde a 60% do peso de uma pessoa, sendo 67% intracelular e 33% extracelular (25% próximos às células e 8% no plasma sanguíneo) (1). O objetivo principal da manipulação é a diminuição da água subcutânea (extracelular) para aumentar a definição muscular (1). Para isso, evitar atividades físicas que utilizem glicogênio como fonte de energia parece importante para diminuir a água extracelular e manter a água intracelular (1).

O armazenamento e a retenção de glicogênio muscular são dependentes de potássio, tornando a adequação do consumo de potássio crucial (1). O protocolo “head down tilt” (HDT), onde os pés são elevados 4-6º em relação à cabeça, estimula o retorno venoso e a diurese, e pode trazer benefícios se utilizado 12-24 horas antes da competição (1). No entanto, ângulos maiores que 12º não são recomendados por períodos superiores a 2 horas, pois aumentam a pressão intracraniana e intraocular (1). Pacientes com refluxo devem ter cautela com essa tática (1). É importante ressaltar que o aumento da diurese ou a diminuição da ingestão hídrica funcionam por um período limitado, pois o organismo possui um mecanismo renal de contrarregulação que aumenta a retenção hídrica (1).

Em relação ao sódio, a restrição severa não é recomendada, pois o sódio é importante para a absorção de carboidratos (via transportadores SGLTs no intestino), influenciando diretamente a reposição do glicogênio muscular (1). No dia da competição, reduzir a ingestão de água horas antes pode ser interessante para diminuir a quantidade de água no trato gastrointestinal e evitar distensão abdominal (1).

Ingestão de Gorduras

Assim como o glicogênio, o músculo também estoca gordura (triglicerídeos) em menor quantidade, o que influencia o volume muscular (1). Esse volume pode chegar a 2% quando os estoques estão “cheios” (1). No período de restrição de carboidratos, aumentar o consumo de gorduras pode ser interessante para estocar triglicerídeos no músculo (1).

Ingestão de Proteínas

Uma estratégia para a finalização é manter a proteína alta (2,5-3,5 g/kg) durante o período de depleção de glicogênio (com baixo CHO), seguida por uma diminuição da ingestão de proteínas (1,6 g/kg) durante a fase de alto CHO, que geralmente dura 1-3 dias (1).

Diuréticos

Embora o uso de fármacos diuréticos seja banido pela WADA (Agência Mundial Antidoping), estratégias utilizando plantas podem ser empregadas (1). O dente-de-leão é frequentemente utilizado, assim como a cafeína, onde doses de 250-300 mg para aqueles não tolerantes podem ter efeitos diuréticos (1). Um período de restrição de cafeína pode ser feito para diminuir a tolerância, e então a cafeína pode ser reintroduzida 24 horas antes da competição (1).

FODMAPs e Fibras

A redução do consumo de FODMAPs no período de finalização pode ser interessante para evitar a formação de gases e a retenção hídrica durante a competição (1). Em relação às fibras, o psyllium e a goma guar podem ser utilizados, pois seus efeitos na síndrome do intestino irritável podem ser úteis na prevenção de sintomas gastrointestinais (1). No entanto, pode ser benéfica a restrição para 13-14 g/dia durante a semana de finalização para esvaziar o trato gastrointestinal (1).

Exercícios

Durante a fase de depleção de glicogênio, um protocolo de treino que envolva os maiores grupos musculares é interessante para garantir a redução do glicogênio e dos triglicerídeos musculares (1). Séries com mais repetições e menor intensidade são mais recomendadas nesse período (1). É recomendado treinar no início da semana (3-4 dias), começando com treino de pernas para um maior tempo de recuperação (1). Exercícios aeróbios devem ser reduzidos durante a fase de supercompensação (1).


Suplementação Específica

Creatina

A creatina é capaz de aumentar a massa livre de gordura ao aumentar a água intracelular (1). Um estudo mostrou que 3 dias de carregamento de creatina aumentaram o volume intracelular em 3%, sem impactar o volume extracelular (1). Além disso, a creatina melhorou a síntese de glicogênio e a supercompensação na finalização (1). Se os estoques de creatina já estiverem elevados, apenas a dose de manutenção é necessária (1).

Cafeína

A cafeína é capaz de reduzir a percepção de dor e cansaço durante o exercício (2). Recomenda-se o uso da menor dose possível para uso regular, para diminuir o aumento da tolerância (2). A ingestão deve ser feita 60 minutos antes do exercício, observando a necessidade e os efeitos sobre o sono (2).

Beta-Alanina

A ingestão de 4-6 g/dia de beta-alanina demonstrou ser capaz de aumentar os níveis de carnosina muscular (2). A carnosina atua como um tampão, regulando o pH no músculo esquelético e retardando a fadiga em exercícios de alta intensidade com duração entre 60-240 segundos (2). No entanto, não foram observados efeitos em exercícios com duração inferior a 60 segundos (2). É importante avaliar se o treino do atleta inclui exercícios de maior duração que justifiquem o uso da beta-alanina (2).

Citrulina Malato

A citrulina atua no organismo aumentando a produção de ATP e possivelmente como tampão (2). O consumo de 8g de citrulina foi capaz de aumentar o número de repetições em até 50%, diminuindo a dor muscular, melhorando a força máxima e a capacidade anaeróbia em alguns estudos (2). No entanto, nem todos os estudos encontram melhorias nos resultados (2). Uma meta-análise concluiu que, para atletas de alto nível onde as margens de vitória são pequenas, o consumo de citrulina pode auxiliar no desempenho (2). Deve ser tomada 60 minutos antes do exercício para otimizar sua absorção (2).


Pós-Competição

Após a competição, é interessante que o atleta recupere o peso para restabelecer a saúde fisiológica e psicológica (2). Contudo, é importante limitar o reganho de peso para controlar o acúmulo de gordura (2).


Referências Bibliográficas

  1. ESCALANTE, G. et al. Peak week recommendations for bodybuilders: an evidence based approach. BMC Sports Science, Medicine and Rehabilitation, v. 13, n. 1, p. 1–24, 2021.
  2. IRAKI, J. et al. Nutrition recommendations for bodybuilders in the off-season: A narrative review. Sports, v. 7, n. 7, p. 1–19, 2019.

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