Avaliação e Componentes do Gasto Energético Humano


Avaliação e Componentes do Gasto Energético Humano


Introdução

A determinação precisa do gasto energético humano é fundamental para diversas aplicações clínicas e de pesquisa, incluindo a otimização de planos nutricionais, a avaliação de programas de exercício físico e a compreensão do metabolismo energético em diferentes condições fisiológicas. Este documento explora os principais métodos de medição e os componentes que integram o gasto energético total de um indivíduo, além de discutir os fatores que influenciam o metabolismo basal.


Métodos de Determinação do Gasto Energético

A avaliação do gasto energético humano pode ser realizada por meio de uma variedade de métodos, que abrangem desde abordagens diretas e complexas até estimativas indiretas mais simples. Esses métodos diferem em sua precisão, custo e aplicabilidade clínica ou de pesquisa (7).

Métodos Diretos e Indiretos

  • Calorimetria Direta: Este método mede diretamente a produção de calor corporal, oferecendo uma medida precisa do gasto energético total (7).
  • Calorimetria Indireta: Baseia-se na medição do consumo de oxigênio (O2​) e produção de dióxido de carbono (CO2​), a partir dos quais o gasto energético pode ser calculado. É amplamente utilizada devido à sua praticidade em comparação com a calorimetria direta (7). As técnicas de calorimetria indireta incluem:
    • Espirometria de circuito fechado: Permite a medição do consumo de O2​ sem a necessidade de fluxo de ar externo.
    • Espirometria de circuito aberto: Mais comum, envolve a coleta e análise do ar exalado.
    • Técnica de bolsa (ou saco) de Douglas: Um método tradicional de coleta de gases exalados em bolsas para análise posterior.
    • Técnica respiração-por-respiração: Fornece dados em tempo real sobre a troca gasosa.
    • Espirometria portátil: Equipamentos mais compactos que permitem medições em diferentes ambientes (7).

Métodos Baseados em Isótopos Estáveis

  • Água Duplamente Marcada (D2​O18): Considerado o padrão-ouro para a avaliação do gasto energético total em vida livre, envolve a administração de água marcada com isótopos estáveis de hidrogênio e oxigênio. A eliminação desses isótopos permite calcular a produção de CO2​ e, consequentemente, o gasto energético (7).
  • Bicarbonato Marcado: Utiliza um isótopo de carbono para medir a produção de CO2​ (7).

Métodos de Estimativa e Monitoramento

  • Monitoramento da Frequência Cardíaca: A frequência cardíaca se correlaciona com o consumo de O2​ e, portanto, com o gasto energético. É um método prático para estimar o gasto em atividades diárias (7).
  • Acelerometria: Dispositivos que medem a aceleração do corpo para estimar o nível de atividade física e, consequentemente, o gasto energético (7).
  • Observações, Registros e Diários de Atividade Física: Métodos subjetivos que dependem do relato do indivíduo para estimar o gasto energético (7).

Componentes do Gasto Energético Total (GET)

O Gasto Energético Total (GET) de um indivíduo é a soma de três componentes principais (1,3):

  1. Gasto Energético Basal (GEB) ou Taxa Metabólica Basal (TMB)
  2. Efeito Térmico dos Alimentos (ETA) ou Termogênese Induzida pela Dieta (TID)
  3. Fator de Atividade Física (FA)

1. Gasto Energético Basal (GEB) / Taxa Metabólica Basal (TMB)

O GEB, ou TMB, representa a energia mínima necessária para manter as funções vitais essenciais do organismo em repouso completo (1,3,6). Ele constitui a maior parcela do gasto energético diário em indivíduos sedentários, correspondendo a aproximadamente 50-70% do GET (1,3,6).

Para a medição do GEB, o indivíduo deve estar em estado pós-absortivo (jejum de 12 a 18 horas) e em repouso físico por, no mínimo, 2 horas antes da avaliação, a fim de minimizar a influência da digestão, absorção e assimilação de nutrientes, bem como da atividade física (6,7).

Taxa Metabólica de Repouso (TMR) / Gasto Energético de Repouso (GER):

A TMR, ou GER, é ligeiramente maior (10-20%) que o GEB e é medida cerca de 3-4 horas após uma refeição leve e sem atividade física prévia (1,6). Para a maioria das pessoas, a TMR corresponde a aproximadamente 60-75% do GET (6). Tanto o GEB quanto a TMR referem-se à soma dos processos metabólicos da massa de células ativas necessários para manter o equilíbrio homeostático e as funções corporais. Consumo de energia abaixo da taxa metabólica basal indica um mau funcionamento sistêmico (1).

A TMR está correlacionada principalmente com a massa livre de gordura (MLG), composta majoritariamente por músculo esquelético. Embora órgãos metabolicamente ativos contribuam significativamente, a MLG é o principal fator de variabilidade do gasto energético entre indivíduos (1,7). A TMR tende a diminuir com o envelhecimento, com uma redução de aproximadamente 2-3% por década (1).

2. Efeito Térmico dos Alimentos (ETA) / Termogênese Induzida pela Dieta (TID)

O ETA é a energia despendida para digerir, absorver e metabolizar os nutrientes ingeridos (1). Ele é responsável por cerca de 8-10% do gasto energético total na maioria dos indivíduos (3,7). Após a ingestão de alimentos, o metabolismo aumenta devido às reações químicas associadas a esses processos, gerando calor (3,7).

O aumento do metabolismo varia com a composição da refeição. Após refeições ricas em carboidratos ou gorduras, o metabolismo geralmente aumenta cerca de 4%. Contudo, após uma refeição rica em proteínas, o metabolismo pode elevar-se em até 30% acima do normal em 1 hora e permanecer elevado por 3 a 12 horas (1,3). Com o envelhecimento, observa-se um pequeno declínio no ETA, associado à diminuição da sensibilidade à insulina (7).

3. Fator de Atividade Física (FA)

O FA representa a energia gasta durante as atividades diárias e é o componente mais variável do GET, explicando as diferenças significativas no gasto energético entre indivíduos (1). A intensidade e a duração da atividade física são fatores cruciais que impactam o nível de dificuldade e o gasto energético de uma tarefa (6).

A Tabela 1 apresenta os valores de FA de acordo com os Dietary Reference Intakes (DRI’s):

Tabela 1 – Valores do Fator de Atividade (FA)

Valor FADescrição
1 – 1,39Sedentário: Atividades diárias típicas (tarefas domésticas, caminhar até a escola, etc.).
1,4 – 1,59Pouco ativo: Atividades típicas + 30 – 60 minutos de atividade diária moderada.
1,6 – 1,89Ativo: Atividades típicas + 60 minutos de atividade moderada.
1,9 – 2,5Muito Ativo: Atividades típicas + 60 minutos de atividade moderada + 60 minutos de atividade vigorosa ou 120 minutos de atividade moderada.

METs (Equivalente Metabólico):

O gasto energético de exercícios específicos pode ser quantificado em METs (Equivalente Metabólico) (1). Um MET é a unidade baseada na quantidade de oxigênio consumida por um adulto em repouso, correspondendo a 3,5 ml de O2​/kg/min (6). Assim, um exercício de 2 METs corresponde ao dobro do consumo de oxigênio em repouso (7,0 ml/kg/min), e assim por diante (6). Para cálculos precisos, é recomendado cronometrar o tempo real em atividade, excluindo os intervalos, a fim de evitar superestimações do gasto energético (1).


Fatores que Influenciam o Gasto Energético Basal (GEB)

Diversos fatores podem modular o GEB de um indivíduo, refletindo a complexidade do metabolismo energético:

  • Composição Corporal: A massa magra é um determinante primário do GEB, com músculos contribuindo para 20-30% do gasto energético basal. Indivíduos com maior massa magra geralmente apresentam GEB mais elevado (1,2,3). Estima-se que 1 kg de músculo aumente o gasto energético em aproximadamente 13 kcal/dia, enquanto o tecido adiposo contribui com cerca de 3,9% do GEB (1).
  • Sexo: Devido às diferenças na composição corporal (mulheres geralmente possuem menor massa magra e maior percentual de gordura), o GEB das mulheres tende a ser 5-10% menor que o dos homens para o mesmo peso e altura (1,2,3,6). Essa diferença é atribuída à composição corporal, e não ao sexo biológico em si (6).
  • Tamanho Corporal: Indivíduos com maior massa corporal, em geral, apresentam taxas metabólicas mais elevadas, principalmente devido à maior MLG (2,3).
  • Atividade Física: A prática regular de exercícios físicos, como endurance e treinamento de resistência, pode atenuar a redução do metabolismo de repouso associada ao envelhecimento (6). Além disso, a atividade física pode amplificar o Efeito Térmico dos Alimentos (ETA), sugerindo que a atividade física moderada após uma refeição pode otimizar o gasto calórico induzido pela dieta (6).
  • Idade: O GEB diminui com o avanço da idade, com uma redução estimada de 1-2% por década na fase adulta, predominantemente devido à perda de massa muscular (1,2,3).
  • Ciclo Menstrual: Mulheres na pré-menopausa apresentam um gasto energético basal ligeiramente maior durante a fase lútea (período pós-ovulatório) em comparação com a fase folicular (proliferativa) (1,2).
  • Cafeína: A ingestão de cafeína pode aumentar o GER. Doses de 200-350 mg para homens e 240 mg para mulheres foram associadas a um aumento de 7-15% no GER (2).
  • Clima: Variações na temperatura ambiente podem influenciar o GER (2).
  • Hormônios da Tireoide: A tiroxina eleva a intensidade das reações químicas celulares, aumentando o metabolismo (3). A adaptação da glândula tireoide, com secreção aumentada em climas frios e diminuída em climas quentes, contribui para as diferenças no metabolismo basal entre indivíduos em diferentes regiões geográficas (3).
  • Testosterona: Em homens, a testosterona pode aumentar o metabolismo em cerca de 10-15% (3).
  • Hormônio do Crescimento (GH): O GH pode aumentar o metabolismo ao estimular o metabolismo celular e o aumento da massa muscular. Adultos com deficiência de GH que receberam terapia de reposição demonstraram um aumento de aproximadamente 20% no metabolismo (3).
  • Sono: Durante o sono, o metabolismo reduz em 10-15%, principalmente devido à diminuição do tônus da musculatura esquelética e à redução da atividade do sistema nervoso central (3).
  • Desnutrição: A desnutrição prolongada pode diminuir o metabolismo em 20-30%, possivelmente devido à menor disponibilidade de substratos para as células (3).

Avaliação do Gasto Energético na Prática Clínica

A utilização de equações preditivas para estimar o GEB deve ser feita com cautela, pois nem todas as fórmulas são adequadas para todos os públicos e podem apresentar erros em populações específicas. Essas equações não foram desenvolvidas para uso generalizado na prática clínica (1).

Fórmulas de Gasto Calórico

EquaçãoPúblico/Indicação
Harris-Benedict (1919 / 1984) – GEBIndicada para pessoas de compleição física média. Não é adequada para indivíduos com extremos de peso (muito magros ou obesos) ou com alta massa muscular, pois não considera a composição corporal.
Mifflin et al. (1990) – GEBUtilizada para indivíduos com sobrepeso ou obesidade, e pode ser usada para eutróficos com objetivo de perda de peso. Geralmente superestima o gasto energético.
EER/IOM (2005) – GETPode ser utilizada para crianças e adultos. Calcula diretamente o Gasto Energético Total, pois o fator de atividade está embutido na fórmula original.
Cunningham (1980)Indicada para pacientes com baixo percentual de gordura e alto volume muscular, amplamente utilizada para atletas. Não é influenciada pelo sexo.
TinsleyIndicada para pacientes com baixo percentual de gordura e alto volume muscular, amplamente utilizada para atletas.
FAO/WHO (1985) – GEBPode ser utilizada para o cálculo do gasto energético de bebês e para medir a taxa metabólica basal de pacientes.
Katch-McArdle (1996) – GEBUtiliza a massa magra do paciente como referência, sendo precisa apenas quando esse dado é confiável.

Cálculo do Gasto Energético Total (GET)

  • Não praticantes de exercício: GET=(GEB×ETA×FA)
  • Praticantes de exercício: GET=(GEB×ETA×FA)+METs

Gasto Energético em Atletas

Para atletas, a necessidade calórica é frequentemente calculada utilizando a Taxa Metabólica de Repouso (TMR), que é aproximadamente 10% maior que a TMB, com fórmulas como Cunningham ou Harris-Benedict (11). O GET é então determinado multiplicando a TMR pelo Fator de Atividade Física (AF) ou pelos METs (4).

Gasto Energético por Modalidade

As tabelas abaixo apresentam estimativas do gasto calórico por minuto para diversas atividades físicas, considerando o peso corporal do indivíduo (3,5,7):

Tabela 2 – Gasto Calórico por Minuto Conforme a Atividade e o Peso Corporal (5,3)

Atividade50 kg59 kg71 kg80 kg
Caminhada6,17,18,69,7
Ciclismo3,23,84,55,1
Corrida12,213,916,217,9
Dança5,26,17,38,2
Futebol6,88,19,810,9
Ginástica3,33,94,75,3
Handebol7,28,510,311,5
Ioga3,13,74,45,0
Judô9,811,513,815,6
Natação8,19,611,513,0
Tênis5,56,47,78,7

Tabela 3 – Gasto Energético Estimado em Quilocalorias por Minuto (7)

Atividade50 kg60 kg70 kg80 kg90 kg
Caminhada – 6 km/h5,36,57,58,89,8
Corrida
– 7,5 km/h6,37,58,810,011,3
– 12 km/h11,013,015,317,519,5
– 13 km/h12,013,816,318,821,3
– 15 km/h13,516,319,021,824,5
Ciclismo
– 9 km/h3,34,04,55,36,0
– 15 km/h5,38,07,08,39,5
Judô10,312,314,316,318,3
Natação
– Estilo livre8,310,011,513,014,8
– Costas9,010,812,314,015,8
– Peito8,510,311,813,515,3
Vôlei2,53,03,64,34,8
Tênis
– Social3,84,35,05,86,5
– Competitivo9,311,012,514,516,3
Squash11,013,315,517,819,8
Ginástica3,54,04,85,56,3
Futebol Americano7,08,39,811,012,5
Boxe11,514,016,318,521,0
Dança de salão2,83,33,84,34,8

Referências Bibliográficas

  1. LANCHA JR., A. H.; LONGO, S. Nutrição do Exercício Físico ao Esporte. 1. ed. São Paulo: Manole, 2019. 262 p.
  2. MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 1227 p.
  3. HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. p. 1–1176.
  4. COMINETTI, C.; COZZOLINO, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p.
  5. HIRSCHBRUCH, M. D. Nutrição esportiva – Uma visão prática. 3. ed. Barueri – SP: Manole, 2014. 496 p.
  6. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício – Nutrição, Energia e Desempenho Humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 1059 p.
  7. JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no esporte – Diretrizes nutricionais e bioquímica e fisiologia do exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
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