Hemostasia e Trombose: Mecanismos e Implicações Clínicas


Hemostasia e Trombose: Mecanismos e Implicações Clínicas


Introdução

A hemostasia é o processo fisiológico vital de interrupção do sangramento em vasos sanguíneos lesionados, enquanto a trombose representa a formação patológica desse processo dentro da vasculatura. Compreender esses mecanismos é crucial para o manejo de diversas condições clínicas, incluindo doenças tromboembólicas de alta morbidade e mortalidade.


Hemostasia: Interrupção do Sangramento

A hemostasia é definida como a interrupção do sangramento de vasos sanguíneos lesionados (1). Qualquer lesão vascular desencadeia uma série de eventos fisiológicos coordenados:

  • Vasoconstrição: Redução do calibre do vaso para diminuir o fluxo sanguíneo.
  • Adesão e ativação plaquetária: As plaquetas se aderem ao local da lesão e são ativadas, liberando substâncias que promovem a agregação de mais plaquetas.
  • Formação de fibrina: A ativação da cascata de coagulação resulta na conversão do fibrinogênio em fibrina, que estabiliza o tampão plaquetário (1).

A ativação plaquetária culmina na formação de um tampão hemostático, que cessa o sangramento, sendo subsequentemente reforçado por uma rede de fibrina (1).


Trombose: Hemostasia Patológica

A trombose consiste na formação patológica de um tampão hemostático dentro da vasculatura, mesmo na ausência de sangramento. É, portanto, a hemostasia ocorrendo em um local inadequado (1).

A doença trombótica e tromboembólica é relativamente comum e acarreta consequências graves, como:

  • Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) (1).
  • Acidente Vascular Encefálico (AVE) (1).
  • Trombose Venosa Profunda (TVP) (1).
  • Embolia Pulmonar (EP) (1).

Fisiopatologia dos Trombos

Os coágulos sanguíneos são amorfos e caracterizados por uma trama difusa de fibrina que aprisiona eritrócitos e leucócitos. No entanto, os trombos arteriais e venosos apresentam características distintas (1).

Trombo Arterial (“Branco”)

Um trombo arterial é composto predominantemente por um “trombo branco”, que consiste em plaquetas envoltas em uma trama de fibrina. Geralmente, está associado à aterosclerose e pode interromper o fluxo sanguíneo, levando à isquemia ou à morte tecidual (infarto) (1).

Trombo Venoso (“Vermelho”)

O trombo venoso é constituído por um “trombo vermelho”, que possui uma pequena cabeça branca e uma longa cauda vermelha, com composição similar à de um coágulo sanguíneo, projetando-se ao longo do fluxo venoso (1).

Embolia

Um trombo pode se desprender do local onde está aderido e migrar pela circulação, formando um êmbolo (1).

  • Êmbolos venosos comumente se alojam na artéria pulmonar, causando embolia pulmonar (1).
  • Trombos originados do lado esquerdo do coração ou da artéria carótida geralmente se direcionam para uma artéria cerebral ou outros órgãos, resultando em AVE, morte ou outras consequências graves (1).

Fatores de Risco para Trombose

A tríade de Virchow descreve os três fatores predisponentes primários para a trombose (1):

  1. Lesão da parede vascular: Dano ao endotélio vascular.
  2. Alteração do fluxo sanguíneo: Estase sanguínea ou fluxo turbulento.
  3. Coagulabilidade anormal do sangue: Estados de hipercoagulabilidade.

Coagulação Sanguínea

A coagulação sanguínea é o processo de conversão do sangue líquido em um coágulo, no qual ocorre a transformação do fibrinogênio solúvel em fibras insolúveis de fibrina pela ação da trombina (1). Duas vias principais de formação da fibrina foram descritas:

Via Intrínseca

Nesta via, todos os componentes necessários estão presentes no sangue (1). É ativada quando o sangue entra em contato com superfícies artificiais, como vidro, mas fisiologicamente atua também in vivo.

Via Extrínseca

Alguns componentes desta via são originados de fontes externas ao sangue (1).


Defeitos da Coagulação

Deficiências geneticamente determinadas da coagulação são incomuns (1). No entanto, defeitos adquiridos da coagulação são mais frequentes do que os hereditários (1). As causas mais comuns de defeitos adquiridos incluem:

  • Doenças hepáticas (devido à síntese hepática de fatores de coagulação) (1).
  • Deficiência de vitamina K (necessária para a síntese de fatores de coagulação II, VII, IX e X) (1).
  • Excesso de terapia anticoagulante oral (ex: varfarina) (1).

Cada uma dessas condições pode necessitar de terapia específica, muitas vezes relacionada à suplementação de vitamina K ou ajuste da terapia anticoagulante (1).


Tratamento da Hemostasia e Trombose

O tratamento para promover a hemostasia é indicado apenas em situações específicas, como:

  • Presença de um defeito essencial no processo hemostático (1).
  • Dificuldade no manejo pós-cirúrgico (1).
  • Casos de menorragia (períodos menstruais intensos) (1).

Os fármacos que afetam a hemostasia e a trombose atuam de três maneiras distintas (1):

  1. Alteração na coagulação sanguínea (anticoagulantes).
  2. Modulação da formação da fibrina e função plaquetária (antiplaquetários).
  3. Remoção da fibrina (fibrinólise) (fibrinolíticos).
  • Para trombos arteriais “brancos”, que são ricos em plaquetas, os fármacos mais indicados são os antiplaquetários e os fibrinolíticos (1).
  • Para trombos venosos “vermelhos”, são geralmente utilizados anticoagulantes orais, como a varfarina e os inibidores de trombina ativos por via oral (1).

É importante notar que as heparinas e os inibidores da trombina possuem ação imediata, enquanto a varfarina e outros antagonistas da vitamina K levam vários dias para exercerem seus efeitos completos (1).


Referências Bibliográficas

  1. Ritter JM, Flower R, Henderson G, Loke YK, MacEwan D, Rang HP. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2020. 789 p.