Manejo Nutricional das Infecções do Trato Urinário (ITU)
Introdução
As infecções do trato urinário (ITU) são um problema de saúde comum, especialmente entre mulheres. A fisiopatologia envolve a proliferação de bactérias patogênicas, muitas vezes associada à disbiose. Estratégias nutricionais, incluindo o uso de fitoterápicos e a modulação da microbiota, emergem como abordagens complementares no manejo e prevenção dessas infecções.
Fisiopatologia das Infecções do Trato Urinário
Em indivíduos com disbiose, a proliferação de bactérias patogênicas é maior, aumentando a suscetibilidade a infecções como as ITUs. Na infância, no primeiro ano de vida, a ITU é mais comum em homens devido a malformações congênitas. Posteriormente, a predominância muda para mulheres, com uma incidência 10 a 20 vezes maior. Estima-se que 50% das mulheres terão pelo menos um episódio de ITU durante a vida, e um quarto delas apresentará recorrência.
Conduta Clínica e Terapia Nutricional
O manejo das ITUs pode se beneficiar de abordagens nutricionais específicas, incluindo a inclusão de cranberry, o cuidado com a microbiota do paciente e o uso de prebióticos como o psyllium.
Cranberry (Vaccinium macrocarpum)
O cranberry é um fitoterápico amplamente estudado na prevenção de ITUs recorrentes. Um estudo demonstrou que a suplementação de 1 cápsula de 200 mg de extrato seco de cranberry, padronizado em 30% de fenóis, duas vezes ao dia por 12 semanas, foi eficaz na prevenção de ITUs em mulheres com infecções recorrentes (1).
- Mecanismo de Ação: As proantocianidinas (PACs) presentes no cranberry, especificamente a proantocianidina A, são as responsáveis por interferir na adesão de bactérias, como a E. coli, às células epiteliais do trato urinário (2). A atividade inibitória atinge seu pico de 4 a 6 horas após o consumo do suco, declinando em seguida (2). É crucial que a ação do cranberry se deve à bioatividade exclusiva da proantocianidina A, em contraste com a proantocianidina B, que não apresenta boa biodisponibilidade na urina (2).
- Comparativo com Antibióticos: Um estudo comparou o uso de 500 mg de extrato seco de cranberry, uma vez ao dia ao deitar, por 6 meses, com o uso de trimetoprima (100 mg). O antibiótico demonstrou uma pequena vantagem no efeito, porém, com mais efeitos colaterais (3). O autor desse estudo sugere que pacientes discutam com seus médicos a melhor terapia, considerando que produtos naturais tendem a ser mais baratos e não oferecem o risco de superinfecção por bactérias resistentes (3).
- Segurança: O uso de cranberry mostrou-se seguro tanto durante a lactação quanto na gestação (4).
Uva-ursi (Arctostaphylos uva-ursi)
O fitoterápico à base de uva-ursi também é considerado para infecções urinárias. No entanto, sua ação é derivada de hidroquinonas, expressas em arbutina, o que pode estar associado a efeitos adversos. A arbutina, um dos principais constituintes da planta, é absorvida no intestino delgado e sofre conjugação hepática, formando hidroquinona livre. A hidroquinona livre pode causar complicações como convulsões, hepatotoxicidade e nefrotoxicidade (8). Portanto, seu uso deve ser avaliado com cautela.
Berrys (Frutas Vermelhas)
Um estudo in vitro indicou que extratos de berrys foram capazes de inibir o crescimento de bactérias Gram-negativas, mas não apresentaram eficácia contra bactérias Gram-positivas (5).
Microbiota e Suas Implicações nas ITUs
Existe uma diferença significativa na microbiota entre indivíduos com sintomas urológicos e aqueles sem sintomas (6). A disbiose já é observada em pessoas com infecções urinárias recorrentes (6). Há evidências de que bactérias da espécie Lactobacillus spp. são importantes no processo de prevenção de infecções, podendo inclusive melhorar a resposta ao tratamento (6). Outro estudo ressalta a raridade com que os urologistas consideram o papel da microbiota nas infecções do trato urinário, evidenciando que esta pode ter um papel crucial, tanto positivo quanto negativo, na fisiopatologia dessas infecções (7).
Psyllium
O psyllium (Plantago ovata) demonstrou um efeito significativo na microbiota de adultos, exercendo uma ação prebiótica (9). Esse efeito foi ainda mais pronunciado em indivíduos constipados (9), sugerindo um potencial papel na modulação da microbiota intestinal e, consequentemente, na saúde geral do trato urinário.
Referências Bibliográficas
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