Insônia: Diagnóstico, Fisiopatologia e Abordagens Terapêuticas


Insônia: Diagnóstico, Fisiopatologia e Abordagens Terapêuticas


Introdução

A insônia é um transtorno complexo caracterizado pela insatisfação com a quantidade ou qualidade do sono. Sua manifestação pode ser transitória, de curta duração ou crônica, e sua investigação diagnóstica exige uma avaliação abrangente dos fatores biopsicossociais e a exclusão de comorbidades. O manejo terapêutico abrange desde a higiene do sono e intervenções comportamentais e cognitivas até o uso criterioso de fármacos.


Definição e Classificação Diagnóstica

O transtorno de insônia é caracterizado por dificuldades persistentes em:

  • Adormecer (insônia inicial): Demora para iniciar o sono. (3)
  • Manter o sono (sono entrecortado): Despertares frequentes durante a noite. (3)
  • Despertar muito precoce: O indivíduo acorda de madrugada (geralmente entre 3h e 5h da manhã) e não consegue voltar a dormir. (3)

Para o diagnóstico, não é considerada apenas a redução da quantidade de sono, mas também a sua qualidade e, principalmente, a sensação de não ter tido um sono reparador. De acordo com o DSM-5, essas dificuldades com o sono devem ocorrer por pelo menos três noites por semana e persistir por, no mínimo, três meses. (3)

Critérios Diagnósticos do DSM-5 (Transtorno de Insônia)

Conforme o DSM-5, o Transtorno de Insônia (TI) é definido pelos seguintes critérios (2):

  • A – Queixa de insatisfação com a quantidade ou qualidade do sono, associada a um (ou mais) dos seguintes sintomas:
    • Dificuldade em iniciar o sono.
    • Dificuldade em manter o sono, caracterizada por frequentes despertares ou problemas em retornar a dormir após o despertar.
    • Despertar precoce pela manhã, com dificuldade em retornar ao sono.
  • B – O distúrbio causa clinicamente o comprometimento do funcionamento social, ocupacional, educacional, acadêmico, comportamental ou em outra área importante.
  • C – A dificuldade em dormir ocorre pelo menos três noites na semana.
  • D – A dificuldade em dormir está presente há pelo menos três meses.
  • E – A dificuldade em dormir ocorre a despeito de oportunidades adequadas para o sono.
  • F – A insônia não é explicada, ou não ocorre exclusivamente, durante o curso de outro transtorno.
  • G – Ela não é atribuída a efeitos fisiológicos de uma substância (medicamento ou droga).
  • H – Transtorno mental coexistente e condições médicas não explicam a queixa predominante de insônia.

Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD-2)

A ICDS-2 descreve os critérios diagnósticos para insônia, exigindo a presença dos itens A e B e pelo menos um sintoma do item C (2):

  • A – Queixa de dificuldade em adormecer e/ou dificuldade em manter o sono e/ou sono de má qualidade.
  • B – A dificuldade citada acima ocorre frequentemente, apesar das oportunidades adequadas para o sono.
  • C – Presença de pelo menos um dos seguintes sintomas diurnos associados à queixa do sono: fadiga, déficit de atenção, concentração ou memória; prejuízos no desempenho social ou profissional; presença de distúrbios de humor; queixa de sonolência diurna; redução da motivação, energia ou de iniciativa; propensão para erros ou acidentes no local de trabalho ou durante a condução; tensão, dores de cabeça ou sintomas gastrointestinais em resposta à perda de sono; e preocupação com o sono.

Diferença entre Sintoma e Transtorno

O DSM-5 descreve alguns tipos de insônia (além da insônia crônica) de acordo com sua ocorrência (2):

  • Insônia episódica: Sintomas duram pelo menos um mês, mas menos que três meses.
  • Insônia recorrente: Ocorrem dois (ou mais) episódios no período de um ano.
  • Insônia aguda ou de curta duração: Sintomas duram menos que três meses, mas atendem a todos os critérios relacionados à frequência, intensidade, sofrimento, etc.

A insônia pode ser “transitória” em indivíduos que dormem bem, mas precisam alterar sua rotina (por trabalho ou jet lag). Pode ser de “curto período” devido a doenças ou estresse emocional, ou “crônica”, onde existe uma causa subjacente que deve ser tratada. Frequentemente, a própria melhora do sono tende a trazer benefícios para essas condições (1).


Fisiopatologia da Insônia

O Transtorno de Insônia (TI) caracteriza-se por dificuldade em iniciar ou manter o sono, despertar precoce e/ou sono não restaurador (2). Indivíduos com insônia apresentam alterações do humor, ansiedade e redução da capacidade cognitiva (concentração, memória e atenção) (2). Outros sintomas incluem irritabilidade, fadiga, falta de energia e desconforto físico, como dor (2).

Estudos mostram que a insônia associada a transtorno mental e a insônia idiopática se relacionam com sintomas diurnos como alterações do humor e sonolência leve, enquanto a insônia psicofisiológica se associa a higiene do sono inadequada, estresse diurno e fadiga leve (2). Observa-se também que a insônia paradoxal associa-se a comprometimento das atividades diurnas, e a insônia associada à doença mental é a mais grave e a que causa mais comprometimento diurno (2).

A associação entre insônia e sonolência diurna apresenta resultados controversos, pois diversos estudos não mostram tal associação (2). É demonstrado que a sonolência excessiva diurna, mais do que a insônia, associa-se a comorbidades como doença cardiovascular e disfunção cognitiva (2). Em um estudo, a insônia caracterizada como do meio da noite (despertares no meio da noite), em oposição à insônia do início e do final da noite (dificuldade para iniciar o sono ou despertar precoce), foi a que mais se associou com sonolência excessiva diurna. Contudo, mais evidências sobre esses assuntos são necessárias (2). É crucial atenção especial às doenças específicas do sono que se associam de forma importante com má qualidade do sono e insônia (2).

Etiopatogenia do Transtorno de Insônia

Alguns estudos têm relacionado a insônia ao estado de hiperdespertar. Observou-se em indivíduos insones um aumento da atividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), alteração associada à promoção da vigília, que, por sua vez, pode contribuir para o desenvolvimento da insônia (2). Outros estudos encontraram um aumento das frequências rápidas nos pacientes por meio do eletroencefalograma. Esse fenômeno tem sido descrito como um potencial marcador do estado de hiperdespertar e/ou redução da pressão homeostática do sono (2). Estudos adicionais demonstraram uma redução dos níveis de GABA em indivíduos com insônia quando comparados a indivíduos normais (2).

Mecanismos Neurobiológicos Envolvidos

Evidências biológicas demonstram que insones apresentam ativação do sistema nervoso simpático, com níveis elevados de catecolaminas, elevação da temperatura corporal, alta taxa metabólica basal e frequência cardíaca mais elevada durante o sono, em comparação com indivíduos normais (2). Estudos demonstraram que os pacientes apresentam um metabolismo cerebral maior que indivíduos saudáveis, tanto durante o sono quanto durante a vigília (2). Foi observado que insones apresentam uma maior reatividade a estressores psicossociais, maior frequência de pensamentos intrusivos, preocupações relacionadas ao sono e sofrimento com as possíveis consequências de sua perda (2).

Sabendo que um quadro de insônia pode ser precipitado por um evento estressor, é possível que se estabeleça uma associação negativa entre o sono, o horário de dormir e o ambiente (2). Algumas evidências sugerem que a insônia estaria relacionada a uma hiperatividade do eixo HPA (2).

Outra hipótese na gênese da insônia seria a presença de uma disfunção intrínseca dos mecanismos do ciclo sono-vigília. Esse modelo baseia-se no princípio de que haveria uma ativação excessiva do sistema reticular ativador ascendente, que inclui hipocretina, histamina, acetilcolina, noradrenalina e serotonina, ou uma redução da atividade dos sistemas promotores do sono, como a área pré-óptica ventrolateral (VLPO), o sistema melatoninérgico e o sistema neuroesteroidal não hormonal, cujo exemplo maior é o sulfato de pregnenolona (PREG-S) (2). Um estudo observou que pacientes com insônia apresentaram níveis inferiores de melatonina durante a noite quando comparados a indivíduos saudáveis (2).

Outra hipótese fisiopatológica para insônia relaciona uma falha na regulação homeostática do sono. O processo “S” seria o controle do sono de natureza cumulativa, em que a necessidade do sono aumenta durante a vigília. A pressão para o sono aumentaria conforme aumenta o período de vigília. Na insônia, haveria uma atenuação da pressão do sono e uma alteração na percepção da sua necessidade. Nesse modelo, a adenosina, produto do metabolismo das células cerebrais, acumular-se-ia durante a vigília e possuiria um papel central, agindo diretamente na regulação do ciclo sono-vigília. Resultados que suportam esse modelo demonstraram que a administração de cafeína, antagonista de adenosina, em adultos jovens promoveu alterações metabólicas e no sono semelhantes às de indivíduos com insônia (2).

No entanto, isoladamente, nenhum dos modelos acima é suficiente para a explanação completa de todos os elementos envolvidos na doença. Os fenômenos descritos acima tanto podem ser elementos causais da insônia quanto podem ser consequência (2).

Bases Farmacológicas para o Tratamento

Os principais sistemas neuroquímicos envolvidos na regulação do ciclo sono-vigília são (2):

  • Sistema GABAérgico: O GABA (ácido gama-aminobutírico) é o maior neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central (SNC). A ativação do receptor GABA-A causa inibição neuronal por meio do aumento da condutância dos íons cloro. Neurônios GABAérgicos induzem o sono, inibindo determinados sistemas de neurotransmissão excitatórios do SNC. Devido a isso, o receptor GABA é o principal alvo da maioria dos agentes sedativos/hipnóticos e das drogas anestésicas em geral. O receptor GABA é uma estrutura complexa com várias subunidades (α, β e γ). As diferenças dos efeitos clínicos e sedativo/hipnóticos dos benzodiazepínicos (BZD) e não benzodiazepínicos são atribuídas à seletividade dessas drogas a diferentes subunidades do receptor GABA-A. A subunidade γ é necessária para a sensibilidade ao benzodiazepínico (camundongos knockout da subunidade γ2 são insensíveis aos BZDs). A subunidade α afeta a seletividade do sítio BZD (α1, α2, α3 e α5). Receptores que contêm subunidades α4 e α6 são insensíveis ao diazepam, mas constituem menos de 10% do total. Dentre as drogas Z, o zolpidem é o primeiro agonista seletivo do receptor GABA-A para a subunidade α1.
  • Sistema Histaminérgico: Há evidências sugerindo que a histamina, agindo via receptores H1 e/ou H3, tem um papel muito importante na regulação do ciclo sono-vigília. A administração de histamina promove sono. A ativação do receptor H3 diminui a liberação de histamina e promove sono. O bloqueio do receptor H3 promove vigília. Os neurônios histaminérgicos apresentam máxima atividade durante um estado de vigilância e cessam sua atividade durante o sono não REM e durante o sono REM.
  • Sistema Serotoninérgico: A serotonina é liberada em maior quantidade durante a vigília. A administração sistêmica de agonistas dos receptores 5HT1a, 5HT1b ou 5HT2a/2c pode reduzir o sono REM em humanos. Esses dados são importantes, pois a insônia pode ser secundária ao uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) ou inibidores da recaptação da noradrenalina.
  • Sistema Noradrenérgico: As células noradrenérgicas do locus coeruleus inibem o sono REM, promovem a vigília e têm projeções para outras regiões do SNC envolvidas na regulação da vigília, incluindo hipotálamo, tálamo, prosencéfalo basal e córtex. Os receptores noradrenérgicos incluem os subtipos α1, α2 e β adrenérgicos. A administração de noradrenalina ou agonistas dos receptores α e β adrenérgicos na área septal ou na área pré-óptica medial aumentam a vigília. A estimulação dos neurônios do locus coeruleus aumenta a noradrenalina no córtex frontal em ratos anestesiados e contribui para a promoção da vigília. O tratamento de hipertensão com α ou β bloqueadores pode ter efeitos negativos no sono.
  • Sistema Melatoninérgico: O ritmo circadiano da secreção de melatonina pela glândula pineal é controlado pelo núcleo supraquiasmático. A melatonina pode influenciar a promoção do sono e o ciclo sono-vigília através da ativação de receptores MT1 (melatonina 1) e MT2 (melatonina 2). Ambos os receptores têm alta concentração no SNC. A administração exógena de melatonina também induz o sono, no entanto, a máxima efetividade hipnótica depende do horário da administração, já que é influenciada pela fase do ritmo circadiano.
  • Sistema Orexina/Hipocretina: A literatura atual apoia um papel para hipocretina-1 e -2 (também denominada orexina A e B) na manutenção da vigília. Os neurônios hipocretinérgicos disparam com maior frequência durante a vigília e não mostram quase nenhuma atividade durante o sono. Pacientes com narcolepsia-cataplexia também têm grande redução dos níveis de hipocretina no líquido cerebrospinal em comparação com controles.

Mecanismos Comportamentais e Cognitivos

O modelo de Spielmann é o mais utilizado para entender a insônia, envolvendo os fatores predisponentes, precipitantes e perpetuadores (2). Os mecanismos comportamentais e cognitivos envolvidos na insônia são os fatores que aumentam a suscetibilidade para o surgimento e cronificação da insônia (2).

Fatores PredisponentesFatores PrecipitantesFatores Perpetuadores
Sexo femininoMorteHábitos inadequados relacionados ao sono
IdadeDoenças e hospitalizaçõesTranstorno de humor ou ansiedade
História prévia de insônia, transtorno de humor ou ansiedadeDesempregoUso de substâncias (álcool, cafeína e medicações)
História familiar positiva para insôniaViolênciaPreocupação com o sono
Aumento da reatividade do indivíduoSeparação e outros problemas familiaresCondicionamento de alerta físico e mental, aprendizado de comportamentos negativos e distorções cognitivas
  • Fatores Predisponentes: Aumentam a suscetibilidade para o surgimento da doença. Podem ser de natureza física (estado de hiperatividade), psíquica (tendência a comportamento ruminativo) ou social (2).
  • Fatores Desencadeadores/Precipitantes: Eventos que iniciam um quadro de insônia, podendo ser de natureza física, psíquica ou social (ex: doença médica, morte, conflitos sociais, doenças psiquiátricas) (2).
  • Fatores Perpetuadores: Atitudes e comportamentos inadequados em relação ao sono que o indivíduo adota na tentativa de compensar/reduzir as repercussões da insônia (2).

Percepção do Sono no Transtorno da Insônia

Os componentes cognitivos talvez sejam os mais importantes na cronificação da insônia (2). Uma medida da percepção do sono pode ser estabelecida baseando-se no resultado de dois componentes: a percepção subjetiva do sono, relatada pelo próprio paciente, e o confrontamento desse tempo de sono com os dados obtidos objetivamente pela polissonografia, realizada na mesma noite do relato (2). A razão desses dois parâmetros resulta em um número que pode ser denominado de Índice de Percepção do Sono (IPS) (2). Esse índice mostra que insones tendem a subestimar o tempo total de sono quando comparados a bons dormidores. Estudos mais recentes mostraram que não existem diferenças no tempo total de sono entre insones e bons dormidores, da mesma forma que a arquitetura do sono nos insones também se mostrou preservada (2).


Relação da Insônia com Outros Transtornos

A coexistência de transtornos de insônia com outros transtornos mentais é frequente. Queixas de problemas de sono mais de três vezes por semana foram relatadas nas seguintes frequências: 61% de roncos, 53% de pernas inquietas, 37% de pausas respiratórias e 17% de pesadelos. A queixa específica de insônia em mais de três vezes na semana foi relatada por 35% das pessoas.

Do ponto de vista epidemiológico, a insônia ocorre mais comumente em mulheres, idosos, pessoas de baixo nível socioeconômico, divorciados, viúvos e em indivíduos internados em hospitais ou em prisões.

Cerca de metade dos quadros de insônia associa-se a transtornos psicopatológicos, como depressão, ansiedade, fobias, dependência química, transtorno bipolar, entre outros. Além disso, doenças ou condições médicas também são fatores associados, incluindo obesidade, síndromes dolorosas, refluxo gastroesofágico, doenças pulmonares que implicam dificuldades respiratórias, insuficiência cardíaca congestiva e hipertrofia prostática.

Insônia e Depressão

A insônia crônica está associada ao aumento do adoecimento psiquiátrico, sendo a depressão a mais afetada (2). Investigações sobre a relação entre depressão e insônia são importantes devido à sua ocorrência frequente (2). Estudos epidemiológicos revelam que pessoas com insônia apresentam maior risco de desenvolver depressão (2). Contudo, essa correlação parece ser bidirecional, pois alguns estudos também revelaram que a depressão é um preditor de insônia ao longo da vida (2).

Indivíduos seriamente deprimidos têm pior padrão de sono em comparação com aqueles que apresentam depressão leve a moderada. Assim, parece que esses dois transtornos são entidades distintas, mas que podem ser comórbidas mais do que simplesmente por acaso (2). Na síndrome depressiva, a presença de insônia ocorre em aproximadamente 85% dos pacientes; os demais apresentam hipersonia (2). Estudos estimam que 60% dos adultos que preenchem critérios para o diagnóstico de depressão maior queixam-se de insônia, enquanto aproximadamente 10-20% dos indivíduos diagnosticados com insônia preenchem critérios diagnósticos para depressão maior (2).

Há evidência científica de qualidade para suportar o conceito de insônia comórbida com depressão, e não apenas a interpretação da insônia como um sintoma secundário à síndrome depressiva (2). Porém, ainda não é possível conhecer os mecanismos psicobiológicos que explicam a relação entre depressão e insônia (2). Estudos indicam que elevados níveis de hiperestimulação do eixo HPA podem explicar o elo próximo entre essas duas entidades e representam um possível fator de mediação (2). Outro possível mecanismo envolvido é a instabilidade emocional; os sintomas noturnos (má qualidade do sono, latência de sono prolongada, despertares noturnos) e diurnos (fadiga, sonolência) da insônia são significativamente correlacionados à depressão (2). Além disso, os sintomas diurnos da insônia estão associados a um aumento de emoções negativas e à redução das emoções positivas (compatível com quadro depressivo) (2).

Em uma meta-análise recente, considerando estudos longitudinais publicados entre 1980 e 2010, 46 foram selecionados por avaliarem simultaneamente queixa de insônia e psicopatologia depressiva. Destes, 21 satisfizeram critérios mínimos, permitindo uma adequada avaliação da relação da insônia como preditor de risco para o desenvolvimento de depressão. A incidência de depressão no seguimento de pacientes com sintomas de insônia foi de 13,1%, comparada a 4% em indivíduos sem queixas de insônia (2). Embora os estudos apontem a insônia como um preditor precoce de depressão, ainda é prematura essa afirmação sem adequada literatura científica que a suporte. Contudo, é fato que a insônia é uma queixa residual persistente em 45% dos pacientes deprimidos tratados (2). A insônia associada à depressão pode ser um indicador de pensamento e ideação suicida. Dessa forma, é importante, nos pacientes com insônia, avaliar se há presença de tal tipo de pensamento (2).

Insônia e Ansiedade

O estado de hiperexcitabilidade dos quadros de ansiedade determina um padrão disfuncional de hiperalerta que inevitavelmente desencadeia um padrão de desorganização do ciclo sono-vigília (2). Estudos populacionais revelam que queixas de insônia graves estão presentes em 25-45% dos pacientes portadores de um transtorno de ansiedade (2).

É necessário compreender que a ansiedade pode oscilar entre um “estado” (transtorno) e um “traço” (característica da personalidade) ao longo da vida e, portanto, as queixas de insônia podem estar presentes diante de situações pontuais de ajustamento (2). No transtorno de ansiedade, o “estado” ansioso é persistente e a insônia é um dos sintomas mais frequentes (2).

Outro ponto a ser considerado é que alterações do sono fazem parte dos critérios diagnósticos de alguns transtornos de ansiedade, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e o Transtorno de Pânico (TP) (2). A maioria dos pacientes com TP experimenta também ataques noturnos de pânico (ANP), e em alguns deles, essa é a ocorrência principal (2). Embora o diagnóstico diferencial dos ANPs seja realizado com terror noturno, transtorno de pesadelo, apneia do sono e epilepsia noturna, a insônia causada pelo despertar durante o ataque e a dificuldade em reiniciar o sono é o sintoma mais prevalente (2).

No TEPT, a insônia faz parte de seu quadro clínico, assim como os pesadelos recorrentes e monotemáticos (relacionados à experiência do trauma). Já há evidências científicas suficientes para afirmar que a presença de sintomas de sono (insônia e/ou pesadelos) nas primeiras semanas após a ocorrência do trauma é um forte fator preditivo para o desenvolvimento de TEPT em 6 a 12 meses de seguimento (2). A insônia aparece antes do transtorno de ansiedade em cerca de 18% dos casos, aparece simultaneamente em aproximadamente 38%, e a ansiedade aparece previamente à insônia em 43% dos relatos (2). Há uma série de circuitos cerebrais que envolvem a relação ansiedade-estresse-insônia, como, por exemplo, o Corticotropina-Relasing Hormone (CRH) e o locus coeruleus-autonomic nervous e suas implicações na resposta ao estresse (hormonal, comportamental e autonômica) (2).

Associação Insônia e Doenças Neurológicas

Alterações do sono e anormalidades secundárias do ciclo sono-vigília são frequentes nas doenças neurológicas; porém, é comum permanecerem sem diagnóstico e/ou tratamento (2). Doenças como Alzheimer, Parkinson e AVC têm sido uma preocupação epidemiológica crescente.

Associação Insônia e Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)

A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é o segundo distúrbio do sono mais frequente após a insônia (2). Hipóteses que envolvem a interação insônia/SAOS foram construídas na tentativa de esclarecer a relação causa/efeito entre as duas patologias (2). Relatos de estudos sugerem, na fisiopatologia da insônia, a ativação do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA) e do sistema simpático (2). Tal ativação produz fragmentação do sono e, consequentemente, elevação dos níveis de cortisol, sugerindo um modelo de iniciação e perpetuação das insônias crônicas mediante um ciclo vicioso (2). A SAOS sabidamente pode levar à ativação do eixo HPA através do mecanismo de ativação autonômica e despertares e, consequentemente, a uma maior resistência à insulina e hipertensão arterial (2). Alguns autores sugerem que a SAOS, através da ativação deste eixo, torna-se um risco para o desenvolvimento de síndrome metabólica e outros estados dependentes do aumento do cortisol, tais como insônia e depressão (2).

Em 2001, foi utilizado o termo “sleep disordered breathing (SDB) – plus” para se referir a pacientes que apresentavam simultaneamente SAOS e insônia crônica (2). Um estudo prospectivo sobre achados de insônia, utilizando escalas validadas, estimou uma prevalência de pacientes com SAOS e insônia em torno de 39%. Outro estudo estimou 46,3% e apresentou dados subsequentes que confirmaram a variabilidade na literatura encontrada na época, entre 42-54,9% (2).

Embora insônia e SAOS sejam suscetíveis de coexistirem nos pacientes, não fica claro se a SAOS é um fator de risco para a insônia ou vice-versa (2). A literatura mostra uma alta prevalência de achados de SAOS em pacientes com insônia e vice-versa; entretanto, permanece indefinida a relação causal entre elas (2). Foi visto que 42% dos pacientes com SAOS se apresentam clinicamente com mais de um subtipo de insônia. A dificuldade de manter o sono é a forma mais comum de insônia associada à SAOS e parece também ter associação com maior sonolência diurna. A dificuldade de iniciar o sono é o segundo subtipo mais comum (2).

Conclui-se que a síndrome da apneia obstrutiva do sono e a insônia são comorbidades associadas frequentes. Nos pacientes com insônia, uma investigação sobre as medidas antropométricas sugestivas de SAOS, como IMC elevado, aumento da relação cintura/quadril e perímetro cervical, além de sintomas clássicos de SAOS, como ronco, apneias presenciadas e boca seca matinal, deve ser considerada (2).


Avaliação Diagnóstica da Insônia

O diagnóstico da insônia é feito através da avaliação clínica (2). A história médica do paciente deve conter informações sobre condições que cursam com dor, doenças que incapacitam a locomoção, dificuldades respiratórias, alterações hormonais associadas à gravidez e à menopausa, e a presença de demência (2).

Na história do sono, deve-se avaliar a presença de queixas específicas de insônia, as condições antes do seu início, o padrão do ritmo sono-vigília, a presença de outros sintomas relacionados ao sono e as consequências diurnas da insônia. Essa avaliação deve possibilitar o estabelecimento do tipo e da evolução da insônia e a identificação de possíveis comorbidades médicas, psiquiátricas e o uso de substâncias (2). Por isso, é necessária a identificação dos fatores biopsicossociais predisponentes, como o aumento da reatividade do indivíduo, além de se pesquisar a presença de fatores perpetuadores, como o condicionamento de alerta físico e mental, o aprendizado de comportamentos negativos e distorções cognitivas (2).

Anamnese na Insônia

A anamnese do paciente com insônia deve conter inicialmente perguntas que englobem as queixas presentes na definição de insônia, conforme a classificação internacional dos transtornos de sono (2). Após estabelecidas essas queixas, deve-se investigar se o curso da insônia é progressivo, intermitente ou contínuo. A investigação se volta para o início dos sintomas, se houve variação ao longo do tempo, tanto em termos de intensidade quanto de frequência desse período com insônia (2).

A anamnese do paciente com insônia deve incluir uma investigação dos seus hábitos noturnos, inclusive possíveis comportamentos que o paciente desenvolve na tentativa de melhora, mas que podem contribuir para perpetuar a doença (2). Alguns comportamentos frequentemente associados à insônia incluem horários irregulares para ir para a cama e sair dela, e do quarto, e o excesso de trabalho e/ou atividade a ele relacionados no ambiente de dormir (2). Não é incomum que esses indivíduos fiquem, na hora de dormir, preocupando-se com atividades e problemas relacionados ao trabalho e à própria insônia (2). Outros comportamentos noturnos que podem dificultar o início do sono e contribuir para despertares noturnos são o tempo excessivo que o paciente passa na cama na tentativa de adormecer e o uso de telefone, computador ou tablets na hora de dormir (2).

Polissonografia na Avaliação da Insônia

O uso da polissonografia (PSG) não é recomendado como método de rotina para o diagnóstico do transtorno da insônia e nem da insônia comórbida a doenças psiquiátricas (2). A PSG é o método padrão-ouro em medicina do sono para avaliar diversos parâmetros, como distúrbios respiratórios e arquitetura e integridade do sono, que auxiliam no diagnóstico diferencial da insônia (2).

Em alguns tipos de insônia, existem fenômenos fisiopatológicos específicos detectáveis na PSG. A integridade do sono pode ser diretamente avaliada pela PSG por meio de medidas como a latência para o início do sono, o tempo total de sono, o número de despertares, a duração dos estágios e a eficiência do sono (2). Além disso, a PSG pode diferenciar a percepção inadequada do sono de outros distúrbios (2).

No entanto, algumas limitações devem ser ressaltadas:

  • Pacientes costumam apresentar dificuldade para iniciar e manter o sono na primeira noite em que realizam PSG (efeito da primeira noite) (2).
  • A insônia varia muito de noite para noite, de forma que uma única PSG pode ser insuficiente para detectar as alterações fisiológicas a ela relacionadas (2).
  • Pacientes com percepção inadequada do sono podem não revelar nenhuma alteração específica na PSG, e mesmo adultos normais podem apresentar alteração na percepção do sono quando suas pistas temporais são alteradas (2). Por essas razões, a especificidade da PSG em uma única noite é muito limitada no diagnóstico da insônia (2).
  • O exame somente é utilizado quando apresenta claras vantagens em relação a outros métodos, visto que o custo de sua utilização por muitas noites é proibitivo (2).
  • A indicação da PSG tem sido direcionada para um melhor efeito terapêutico da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) do que para o diagnóstico da insônia, uma vez que este é clínico, considerando que a insônia é um quadro subjetivo (2).

Actigrafia na Avaliação da Insônia

A actigrafia utiliza um equipamento móvel que registra o movimento por longos períodos, sendo frequentemente usada para o diagnóstico de distúrbios do ciclo circadiano (2). A Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (ICSD-2) incluiu a actigrafia como um método diagnóstico, especialmente quando o sono precisa ser monitorado por um longo período (2). A ICSD-2 também sugere que a actigrafia pode ser utilizada no estudo da insônia paradoxal, da restrição comportamental de sono e da hipersonia idiopática (2).

A colocação do actígrafo no punho parece ser superior para essas finalidades, porém não existem evidências conclusivas. No entanto, a actigrafia não é indicada como exame de rotina no diagnóstico da insônia (2). A actigrafia pode ser aceita como um método apropriado no estudo da insônia nos seguintes contextos (2):

  • Na avaliação do sono e da resposta ao tratamento em indivíduos com insônia, especialmente naqueles associados a distúrbios do ciclo circadiano.
  • Para monitorar o sono e a resposta ao tratamento em idosos com insônia, quando associada a outros métodos, como diários de sono.
  • Para caracterizar e monitorar o sono e a resposta ao tratamento em idosos com insônia que residem em casas de repouso, nas quais a monitoração tradicional é difícil de ser efetuada.
  • Para caracterizar o padrão de sono e a resposta ao tratamento em crianças com insônia, nas quais a monitoração tradicional é difícil de ser efetuada.
  • Para caracterizar o padrão de sono e a resposta ao tratamento em outras populações especiais, como pacientes psiquiátricos e pacientes momentaneamente inacessíveis ao contato clínico.

Apesar de ter um uso restrito no diagnóstico e acompanhamento das insônias, devido à sua maior acessibilidade, a actigrafia poderá se tornar um método auxiliar valioso (2).


Diagnósticos Diferenciais

Conforme o DSM-5, os principais diagnósticos diferenciais do transtorno da insônia são (2):

  • Variação do sono normal.
  • Insônia aguda/situacional.
  • Transtorno do ritmo circadiano.
  • Síndrome das pernas inquietas.
  • Transtornos respiratórios do sono.
  • Narcolepsia.
  • Parassonias.
  • Insônia induzida por substâncias/medicamentos.

Transtornos do Ritmo Circadiano

Transtornos do ritmo circadiano são caracterizados pela inadequação do ritmo de sono/vigília em relação ao padrão habitual de 24 horas ou ao ritmo social. O fator mais importante para a manutenção do equilíbrio do ritmo circadiano é a luminosidade; entretanto, fatores extrínsecos e intrínsecos são muito importantes para esse equilíbrio (2).

  • Síndrome de Atraso de Fase: Muito prevalente (até 2% da população geral e mais de 15% nos adolescentes), com aproximadamente 10% desses pacientes apresentando insônia crônica (2). A principal causa é a incapacidade de adequação do horário tradicional de trabalho ou estudo ao ritmo de sono/vigília desta população, já que estas geralmente dormem e acordam muito mais tarde (2).
  • Síndrome do Avanço de Fase: Mais rara, caracteriza-se por ir dormir e acordar muito mais cedo do que o habitual (2). Normalmente, essas pessoas têm boa interação social e pontualidade, mas apresentam muita dificuldade de realizar atividades à noite (2). O tratamento com melatonina é indicado, porém com resultados controversos (2).
  • Transtorno dos Trabalhadores de Turno: Trabalhadores de turno apresentam mais insônia, maior risco para desenvolvimento de obesidade, diabetes, infertilidade e transtornos gastrointestinais (2). O tratamento inicia-se com orientações sobre a importância de dormir durante o dia em ambiente silencioso e escuro. O uso de óculos escuros na saída do trabalho para evitar exposição excessiva à luz também é importante (2). O uso de cafeína tem bom efeito no controle da sonolência. O uso de melatonina no início do sono diurno tem sido discutido, mas a melatonina administrada antes de cochilos programados durante o turno parece eficiente (2).
  • Síndrome de Jet Lag: Caracteriza-se pela alteração do ritmo circadiano ao atravessar rapidamente muitos fusos horários (2). Queixas de insônia e sonolência diurna são comuns, além de transtornos gastrointestinais, fraqueza, perda de concentração e cefaleia (2). O uso da melatonina tem sido recomendado com melhora dos sintomas, principalmente para viagens para o oeste (2). O uso de agentes hipnóticos por um curto período também foi capaz de reduzir a insônia em pacientes com jet lag (2).
  • Desordem de Sono em Livre Curso: Normalmente encontrada em pacientes cegos. Há uma completa perda da referência da luminosidade, com o predomínio de um ciclo circadiano endógeno de aproximadamente 24,2 horas (2). Assim, os pacientes atrasam a cada dia o horário de dormir e de acordar, em descompasso com as pessoas normais (2). O tratamento com melatonina mostrou-se eficaz no controle (2).
  • Ritmo Sono/Vigília Irregular: Perda total do padrão do ritmo sono/vigília. Pode acontecer em doenças psiquiátricas, retardo mental e quadros demenciais. Nenhum tratamento medicamentoso foi comprovadamente eficaz (2).

Tratamento da Insônia

A causa da insônia deve ser determinada antes da administração de fármacos hipnóticos. As causas comuns incluem o álcool ou outras drogas de abuso, distúrbios físicos ou psiquiátricos (especialmente a depressão) (1). Antidepressivos tricíclicos causam sonolência, por isso podem auxiliar os pacientes quando tomados antes de dormir (1).

Higiene do Sono

A higiene do sono é um conjunto de práticas comportamentais e ambientais que visam promover um sono de qualidade. Inclui (2):

  • Evitar o uso de substâncias estimulantes próximas ao horário de dormir.
  • Não consumir bebidas alcoólicas, pois podem causar fragmentação do sono, sono não reparador e dependência.
  • Praticar exercícios físicos regulares, porém, no máximo até 3 horas antes de deitar, devido ao aumento da temperatura corporal.
  • Evitar barulho, luz excessiva e temperaturas elevadas no ambiente de dormir.
  • Evitar excessos alimentares antes de deitar-se.

Suplementação

  • Melatonina: Dose de 0,21-10 mg/dia, via oral (comprimidos de 0,21; 1; 5; 10 mg). Tomar 1-2 horas antes de dormir. Sua absorção é rápida e a meia-vida é curta. Quando comparada aos agonistas seletivos GABA-A, os efeitos em reduzir a latência do sono e despertares noturnos são discretos (2). É eficaz no tratamento de insônia de idosos, crianças e em pessoas cegas (1).

Tratamento Farmacológico

Os fármacos utilizados para a insônia podem ser divididos em grupos:

  • Benzodiazepínicos (BZD):
    • Alprazolam – 0,5-3 mg/dia, VO (0,25 mg/cp)
    • Clonazepam – 4-10 mg/dia, VO (2 mg/cp)
    • Diazepam – 5-20 mg/dia, VO (5 mg/cp)
    • Estazolam – 0,5-2 mg/dia, VO (2 mg/cp)
    • Flurazepam – 15-30 mg/dia, VO (15 mg/cp)
    • Lorazepam – 1-10 mg/dia, VO (1 mg/cp)
    • Flunitrazepam – 0,5-2 mg/dia, VO (0,5 mg/cp)
    • Nitrazepam – 5-10 mg/dia, VO (5 mg/cp)Recomendam-se principalmente os de curta duração devido ao seu menor efeito de “ressaca” (1). O diazepam pode ser utilizado para tratar a insônia associada à ansiedade diurna (1). Atuam pela ligação no receptor GABA-A, aumentando o efeito inibitório do GABA. Existem subtipos diferentes do receptor GABA no cérebro que diferem em seus efeitos funcionais (1). Os efeitos ansiolíticos são mediados pelos receptores GABA-A que contêm subunidade α2, enquanto a sedação ocorre por intermédio da subunidade α1 (1). Devem ser utilizados apenas durante curtos períodos (< 4 semanas) e para insônia grave (1).
  • Hipnóticos Agonistas Seletivos de Receptor GABA-A (Drogas “Z”):
    • Zolpidem – 5-12,5 mg/dia, VO ou SL (5; 6,25; 10; 12,5 mg/cp revestido)
    • Zopiclona – 3,75-7,5 mg/dia, VO (7,5 mg/cp)
    • Eszopiclona – 1-3 mg/dia, VO (2; 3 mg/cp)
    • Zaleplona, Zolpidem e Zopiclona, embora quimicamente distintos, esses hipnóticos de curta duração atuam nos receptores GABA-A (gerando um efeito inibitório) (1). São denominados hipnóticos seletivos de receptor GABA-A, pois, apesar de possuírem o anel diazepínico, atuam seletivamente no receptor GABA-A (2). A seletividade dessas drogas oferece benefícios em comparação aos benzodiazepínicos por manter o efeito sedativo sem apresentar efeitos ansiolíticos e/ou de relaxamento muscular de maneira significante (2). No Brasil, estão disponíveis o zolpidem e a zopiclona (2). Eles encurtam o tempo de indução do sono, reduzem o número de despertares noturnos e aumentam o tempo total de sono, melhorando a sua qualidade (2). O uso prolongado desses fármacos gera discussão sobre o risco de dependência e insônia rebote (2). Estudos disponíveis avaliando a persistência do efeito hipnótico limitam-se ao prazo de 12 meses (2). Em curto prazo (2 a 3 semanas), especialmente o zolpidem, mostraram-se eficazes como hipnóticos e bem tolerados, inclusive em idosos (2).
  • Antidepressivos Sedativos:
    • Amitriptilina – 25-300 mg/dia, VO (25 mg/cp). Para insônia, recomenda-se até 50 mg/dia.
    • Clomipramina – 10-300 mg/dia, VO (15 mg/cp)
    • Imipramina – 25-300 mg/dia, VO (25 mg/cp)
    • Trazodona – 50-150 mg/dia, VO (50 mg/cp). Para insônia, não se recomenda ultrapassar 150 mg/dia.
    • Mirtazapina – 7,5-45 mg/dia, VO (15; 30; 45 mg/cp). Doses baixas (7,5 e 15 mg) são mais sedativas.Os antidepressivos sedativos, como amitriptilina, trazodona, doxepina, mirtazapina e agomelatina, são utilizados no tratamento de insônia associada a depressão (2). A ação desses fármacos ocorre em receptores histaminérgicos, serotoninérgicos e α1 adrenérgicos (2). A doxepina, um antidepressivo ISRSN, possui propriedades antagonistas dos receptores H1 e H2 de histamina, e a quetiapina, um antipsicótico, tem antagonismo H1. Ambas podem ser utilizadas no tratamento da insônia (1). As dosagens utilizadas para insônia são geralmente mais baixas que as recomendadas para depressão (2). Poucos estudos analisam o efeito sedativo desses antidepressivos em insones, não os classificando como primeira escolha no tratamento da insônia (2). Os efeitos adversos, especialmente os colinérgicos relacionados à amitriptilina, sedação diurna e ganho de peso associados aos demais, devem ser considerados (2).
  • Antipsicóticos Atípicos:
    • Quetiapina – 25-100 mg/dia, VO (25 mg/cp ou 50 mg/cp)Os antipsicóticos, particularmente olanzapina e quetiapina, são utilizados para o manejo da insônia associada a quadros com indicação primária para tratamento com antipsicóticos, como transtorno bipolar, psicoses e depressão refratária (2). Olanzapina e quetiapina melhoram o sono em voluntários saudáveis e em insones, aumentando a eficiência e a continuidade do sono (2). No entanto, o tempo de uso e o número de indivíduos estudados são pequenos para que sejam considerados primeira escolha como hipnóticos (2). Os efeitos adversos dos antipsicóticos atípicos são frequentes (2). Ganho de peso, síndrome metabólica, sintomas extrapiramidais, sedação e aumento do número de movimentos periódicos de membros inferiores são relatados com a quetiapina, e seu uso isolado para insônia deve ser desaconselhado (2).
  • Agonista Melatoninérgico:
    • Ramelteona – 8 mg/dia, VO (8 mg/cp) – 30 minutos antes de deitar.O ramelteona é um novo hipnótico agonista melatoninérgico tipo 1 (MT1) e tipo 2 (MT2) aprovado para o tratamento da insônia crônica (2). O efeito mais robusto do ramelteona é a indução do sono devido à sua meia-vida curta (2). Alguns estudos demonstraram seu efeito na melhora da manutenção do sono (2).
  • Anticonvulsivantes:
    • Gabapentina – 300-1800 mg/dia, VO (300 mg/cp) – Iniciar com 300 mg e aumentar gradualmente.Pode ser usada em pacientes com comorbidade de uso abusivo de substâncias, como álcool (2). Muitos anticonvulsivantes, entre eles a gabapentina, tiagabina, pregabalina e gaboxadol, atuam aumentando a função GABAérgica e, com isso, são relacionados à melhora da qualidade do sono em insones, epilépticos, portadores de dor crônica e de ansiedade (2). Os efeitos da gabapentina e pregabalina no sono não são totalmente compreendidos, mas ambos reduzem a latência do sono (2). Os efeitos colaterais, como sedação diurna e tontura, além do pouco conhecimento de seus efeitos sedativos, não os fazem como primeira escolha no tratamento da insônia (2).
  • Anti-histamínicos: Existem poucas evidências dos efeitos no sono, não existindo estudos controlados com placebos em insones (2). Além da tolerância, os efeitos adversos diurnos, especialmente sedação, prejuízo da função cognitiva, tontura e ganho de peso, desencorajam a recomendação dessa classe de fármacos para o tratamento da insônia (2).
  • Valeriana: Seu mecanismo ainda não é totalmente compreendido (2). Apresenta atividade similar aos agonistas GABAérgicos, com efeito sedativo, ansiolítico e miorelaxante; também há evidências de seu efeito serotoninérgico (2). A valeriana é bem tolerada e seus efeitos colaterais são pouco relevantes, inclusive em causar sonolência diurna (2). Quando utilizada em adultos insones, mostra uma redução na latência do sono, porém os estudos são inconsistentes em relação à efetividade da planta na manutenção do sono em comparação ao placebo (2).

Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia (TCC-I)

A TCC-I é uma terapia focal e diretiva, com tempo definido e limitado, bem estruturada, geralmente com quatro a oito sessões (2). A eficácia da TCC-I foi evidenciada em diversos artigos, tanto aplicada isoladamente quanto em associação com o tratamento farmacológico (2). O mesmo foi observado durante a retirada de hipnóticos em insônias crônicas (2).

Técnicas Comportamentais

Poucos artigos comparam as diversas técnicas entre si, não sugerindo diferenças significativas. Contudo, as técnicas mais efetivas sugeridas são (2): relaxamento, restrição de sono e controle de estímulo.

  • Controle de Estímulos: Técnica baseada em cinco instruções que auxiliam o paciente a associar novamente os estímulos ambientais (cama e quarto) com o início do sono, encorajando-o a estabelecer um ritmo sono-vigília adequado (2). As orientações básicas são:
    • Ir para a cama apenas quando estiver sonolento.
    • Utilizar a cama e o quarto apenas para dormir e para atividade sexual.
    • Sair da cama caso não esteja com sono ou quando apresentar dificuldade para retomar o sono (tempo superior a 15 min).
    • Acordar e levantar todos os dias no mesmo horário, independentemente do horário de dormir.
    • Não cochilar durante o dia.
  • Restrição de Tempo de Cama e Sono: Essa técnica restringe a quantidade de tempo que o paciente passa na cama, diminuindo ao longo dos dias sua latência para o sono e aumentando a qualidade e eficiência dele (2). Não é recomendada para pessoas com transtorno do humor bipolar, que sofrem de sonolência excessiva ou que operam máquinas pesadas (2). É considerada uma das técnicas mais eficazes da TCC-I, mas existe grande dificuldade em sua aceitação, principalmente pelos efeitos colaterais do dia seguinte, como irritabilidade, quebra do ciclo circadiano e humor instável (2).
  • Técnicas de Relaxamento: O relaxamento muscular progressivo é um dos mais utilizados no tratamento da insônia; nele, o paciente precisa observar a diferença entre os estados de tensão e relaxamento de alguns grupos musculares para conseguir manter o estado de relaxamento, facilitando um sono de qualidade (2). O Biofeedback é uma técnica em que a pessoa acessa, por meio de aparelhos ou monitores, informações fisiológicas às quais não está muito atenta (2). O objetivo dessa técnica é aumentar a percepção do indivíduo sobre seus processos físicos, de forma que ele consiga exercer algum controle sobre tais respostas autonômicas (2). As técnicas de relaxamento, em geral, exigem o treino diário do paciente para que os resultados sejam observados, pois estes não são notados imediatamente à aplicação da técnica (2).

Técnicas Cognitivas

As técnicas cognitivas trabalham com a mudança das crenças disfuncionais e expectativas não realísticas envolvidas no desencadeamento e manutenção da insônia (2). As intervenções mais empregadas são a intenção paradoxal e a reestruturação cognitiva (2). Além disso, trabalha-se também crenças irracionais sobre o sono, falsas ideias sobre as verdadeiras causas da insônia, descrença na prática de indução do sono e na própria capacidade de gerar sono (2).

  • Intenção Paradoxal: Estratégia utilizada para pacientes com preocupação intensa associada ao medo de tentar dormir e não ser capaz de fazê-lo (2). Grande parte dos insones acredita ter perdido a capacidade natural de adormecer (2). Orienta-se, então, o paciente a não ir para a cama, resistindo ao máximo a dormir, visando à redução da ansiedade antecipatória ao sono (2).
  • Reestruturação Cognitiva: Baseia-se no princípio de que a maneira como pensamos ou julgamos os fatos que nos acometem determina o modo como nos sentimos (2). Essa técnica identifica as crenças irracionais do paciente, as falsas causas e consequências da insônia e descrenças nas práticas de indução do sono e ruminação de pensamentos, levando o paciente a observar seus comportamentos e cognições de maneira mais objetiva e real, aprendendo a substituir pensamentos disfuncionais que estejam gerando desconforto e a elaborar quais seriam as alternativas para compreender a situação de uma maneira mais funcional (2). Os pacientes aprendem a desenvolver um maior controle sobre seus comportamentos e seus sintomas (2).

Terapia Cognitiva nos Transtornos da Má-Percepção do Sono

Esta técnica trabalha a relação entre a percepção subjetiva que o paciente tem do tempo total de sono comparada com o tempo total de sono obtido através da polissonografia (2). A intenção dessa abordagem é apresentar ao paciente dados objetivos da eficiência do sono, obtidos através da polissonografia, e fazê-los compreender que, objetivamente, estão dormindo mais do que conseguem perceber (2).


Referências Bibliográficas

  1. Ritter JM, Flower R, Henderson G, Loke YK, MacEwan D, Rang HP. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan; 2020. 789 p.
  2. Bacelar LR et al. III Consenso Brasileiro de Insônia. 2013.
  3. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.