Insulina: Fisiologia, Avaliação Laboratorial e Implicações na Resistência Insulínica


Insulina: Fisiologia, Avaliação Laboratorial e Implicações na Resistência Insulínica


Introdução

A insulina é um hormônio peptídico fundamental para a regulação do metabolismo intermediário, com efeitos sobre o fígado, o tecido adiposo e o músculo (3). Ela é produzida no pâncreas a partir de um precursor inativo, a pré-pró-insulina, que dá origem à pró-insulina e, subsequentemente, à insulina madura (1).


Fisiologia da Insulina

Síntese e Secreção

A insulina é sintetizada como pré-pró-insulina no retículo endoplasmático rugoso e transportada ao complexo de Golgi, onde sofre clivagem proteolítica em pró-insulina e, em seguida, em insulina e um fragmento denominado peptídeo C (3). A insulina e o peptídeo C são armazenados em grânulos nas células β e normalmente secretados em conjunto por exocitose, em quantidades equimolares, juntamente com menores quantidades de pró-insulina (3).

O principal fator que controla a síntese e a secreção de insulina é a concentração de glicose no sangue (3). As células β respondem tanto à concentração absoluta de glicose quanto à taxa de mudança do nível de glicemia (3). Outros estímulos fisiológicos à secreção de insulina incluem aminoácidos (principalmente arginina e leucina), ácidos graxos, o sistema nervoso parassimpático e incretinas (especialmente GLP-1 e GIP) (3). Farmacologicamente, as sulfonilureias atuam promovendo a liberação de insulina (3).

No organismo, há uma liberação basal constante de insulina, e um aumento da glicose no sangue estimula uma descarga adicional (3). A liberação de insulina é inibida pelo sistema nervoso simpático. A epinefrina eleva a glicemia por meio da inibição da liberação de insulina (via receptores α2​-adrenérgicos) e por promover glicogenólise via receptores β2​ no músculo estriado e no fígado (3). Cerca de um quinto da insulina armazenada no pâncreas de um ser humano adulto é secretado diariamente (3).

Ações da Insulina

A insulina é um hormônio anabólico; seu efeito global consiste em conservar os combustíveis energéticos ao facilitar a captação e o armazenamento de glicose, aminoácidos e lipídios após uma refeição (3). Agudamente, ela promove a redução da glicemia; consequentemente, uma queda dos níveis de insulina no plasma eleva a glicemia (3).

A insulina influencia o metabolismo da glicose na maioria dos tecidos, principalmente no fígado, onde inibe a gliconeogênese (síntese de glicose a partir de substratos não glicídicos) e, ao mesmo tempo, estimula a síntese de glicogênio (3). Também aumenta a utilização da glicose na glicólise, mas o efeito principal é elevar as reservas de glicogênio hepático (3). No músculo, ao contrário do fígado, a absorção de glicose é lenta e é o elemento limitador no metabolismo de carboidratos (3).

Além do músculo, a insulina também aumenta a captação de glicose por intermédio do GLUT-4 no tecido adiposo (3). Um dos principais produtos do metabolismo da glicose no tecido adiposo é o glicerol, que é esterificado com ácidos graxos para formar os triglicerídeos, afetando, assim, o metabolismo dos lipídios (3).

A insulina aumenta a síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos no tecido adiposo e no fígado, além de inibir a lipólise, em parte, por meio da desfosforilação e consequente inativação das lipases (3). Ela também inibe os efeitos lipolíticos da epinefrina, do hormônio do crescimento e do glucagon, opondo-se às suas ações sobre a adenililciclase (3). A insulina ainda estimula a captação de aminoácidos pelo músculo e aumenta a síntese proteica (3). No longo prazo, a insulina exerce suas ações através da modificação na síntese de enzimas. Ela é, por exemplo, um importante hormônio anabólico durante o desenvolvimento fetal por estimular a proliferação celular (ação mitogênica) e está envolvida no crescimento e desenvolvimento somático e visceral (3).

Mecanismo de Ação

A insulina se liga a um receptor específico presente na superfície de suas células-alvo (3). O receptor é um grande complexo glicoproteico transmembrana que pertence à família dos receptores tipo 3 acoplados à tiroquinase e consiste em duas subunidades α e duas subunidades β (3). Quando a insulina se liga à sua porção α, imediatamente uma extensa classe de proteínas conhecidas como IRS (insulin receptor substrate) são fosforiladas pela porção β do receptor em resíduos de tirosina (1). Por isso, o receptor de insulina possui uma atividade quinásica intrínseca, e a fosforilação do receptor e de seus substratos são o ponto-chave no início da sinalização intracelular (1). Então, inicia-se uma complexa cascata de interações mediadas pelos resíduos de tirosina, facilitando a interação das enzimas aos substratos energéticos, permitindo a translocação de transportadores de glicose (GLUT) para a membrana da célula-alvo, o que resulta no aumento da captação de glicose pela célula (1). Quando uma dessas vias não atua de maneira adequada, ocorre a resistência à insulina (1).


Avaliação Laboratorial da Insulina

A concentração plasmática de insulina após uma noite de jejum é de cerca de 20 a 50 pmol/L (3). A concentração plasmática de insulina está reduzida em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 1 (insulinodependente) e acentuadamente elevada naqueles com insulinomas (tumores funcionantes raros das células β), assim como o peptídeo C, que é liberado concomitantemente (3).

Indicação para Exames

  • Diagnóstico de insulinoma (2).
  • Diagnóstico de hipoglicemia em jejum (2).
  • Não é clinicamente útil para o diagnóstico de DM (2).

Valores de Referência (2)

  • 6-27 µUI/mL
  • Deve ser sempre medida concomitantemente com o nível de glicemia (2).

Variações dos Valores de Insulina Basal

Valores Elevados (2):

  • Insulinoma: Quando valores > 50 µUI/mL.
  • Hipoglicemia factícia: Quando houver glicemia normal.
  • Síndrome autoimune de insulina.
  • DM leve, não tratado em obesos.
  • Cirrose: Depuração insuficiente no sangue.
  • Acromegalia: Especialmente com a doença ativa.
  • Hipoglicemia reativa pós-ingestão de glicose: Especialmente naqueles com curva de tolerância à glicose de tipo diabético.
  • Indivíduos obesos: Tendem a apresentar níveis elevados de insulina.

Valores Diminuídos (2):

  • DM tipo 1.
  • Hipopituitarismo.
  • DM grave com cetose e perda de peso: Podendo resultar em ausência de insulina.

Limitações (2)

Os valores de insulina podem estar normais nas seguintes situações:

  • Hipoglicemia associada a tumores pancreáticos.
  • Hipoglicemia idiopática da infância, exceto após administração de leucina.
  • Presença de anticorpos anti-insulina em pacientes que foram tratados com insulina não humana.
  • Sobrepeso significativo tende a elevar a insulina em jejum.

Resistência à Insulina

A resistência à insulina é definida como uma resposta biológica subnormal do organismo ao efeito da alta concentração de insulina no metabolismo da glicose (1). A causa dessa resistência pode ser atribuída a diversos fatores, como fatores nutricionais que impedem sua ligação ao receptor (lipo e glicotoxicidade) ou a defeitos na sinalização intracelular nos tecidos-alvo, geralmente causados por síndromes genéticas e pelo aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias (1).

Fatores Nutricionais

Glicotoxicidade

A predominância da ingestão de carboidratos de alto índice glicêmico pode desencadear um processo lipogênico relevante (1). Além da rápida liberação de glicose para o plasma, os carboidratos de alto índice glicêmico são capazes de:

  • Aumentar os níveis de triglicerídeos circulantes.
  • Depletar as vitaminas do complexo B, Vitamina C e o cromo.
  • Diminuir a saciedade e a oxidação de lipídeos.
  • Causar irritabilidade e hiperatividade.
  • Aumentar a ingestão alimentar compulsiva (mediada pelo neuropeptídio Y).
  • Sobrecarregar o pâncreas e as adrenais (1).

Esse aumento da glicemia também é capaz de dessensibilizar os receptores de insulina nos tecidos, impedindo a ligação da insulina, resultando em hiperinsulinemia (1). Além disso, a hiperglicemia está associada ao aumento da concentração da proteína C-reativa no plasma (1).

Lipotoxicidade

Em razão da intensa atividade da lipase lipoproteica (LPL) em indivíduos obesos, observa-se um aumento dos triglicerídeos nos adipócitos subcutâneos, com consequente variação do turnover desses triglicerídeos. Essas variações podem levar ao aumento dos Ácidos Graxos Livres (AGL) no fígado, diminuindo a extração hepática de insulina e inibindo a ligação com seu receptor (1). Por esse motivo, pode ocorrer a hiperinsulinemia sistêmica e a inibição da ação da insulina na supressão da produção de glicose hepática (1). A exposição prolongada e crônica à hiperglicemia e à hiperinsulinemia resulta na diminuição da expressão das enzimas lipolíticas e na alteração do potencial de oxidação dos ácidos graxos (1).

Alguns estudos também demonstraram que o aumento nos níveis de AGL é capaz de inibir a ação da insulina na utilização da glicose (1). Sugere-se que o aumento da disponibilidade desses ácidos graxos leve à falência das células β do pâncreas, ocasionando hiperinsulinemia e resistência à insulina (1). Além disso, o consumo de gorduras saturadas (ácido palmítico e palmitoleico) e ácido linoleico está diretamente relacionado a uma menor sensibilidade à insulina (1). Acredita-se que a diminuição da sensibilidade esteja relacionada a uma redução da atividade da enzima δ5-dessaturase, alterando o metabolismo do ácido araquidônico e desviando a cascata para uma maior produção de eicosanoides pró-inflamatórios (1). Os eicosanoides envolvidos no processo inflamatório são as prostaglandinas (PGD2​ e PGE2​), as prostaciclinas I2​, os tromboxanos A2​ e os leucotrienos da série 4 (LTC4​, LTD4​, LTE4​ e LTB4​) (1).

Defeitos na Sinalização Intracelular

Além disso, alguns estudos mostraram que o aumento de AG intracelulares também pode interferir de forma negativa na sinalização da insulina (1).

Ácidos Graxos Poli-insaturados

Estudos demonstram que dietas ricas em ácidos graxos poli-insaturados diminuem a síntese de citocinas pró-inflamatórias e aumentam a sensibilidade à insulina, reduzindo a glicemia em jejum (1).


Referências Bibliográficas

  1. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
  2. WILLIMSON, M. A.; SNYDER, L. M. Wallach – Interpretação de Exames Laboratoriais. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 1225 p.
  3. RITTER JAMES, M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.

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