Jejum: Mecanismos Fisiológicos e Implicações na Saúde


Jejum: Mecanismos Fisiológicos e Implicações na Saúde


Introdução

O jejum, em suas diversas modalidades, tem sido amplamente investigado por seus potenciais efeitos benéficos na saúde, abrangendo desde a melhora metabólica até o aprimoramento da função cognitiva e redução de risco cardiovascular.


Mecanismos de Ação do Jejum

Apesar dos efeitos positivos observados, a extensão na qual o jejum é benéfico e quando ele pode se tornar prejudicial ainda não está completamente definida (1). No entanto, diversos mecanismos fisiológicos são propostos para explicar os resultados favoráveis:

  • Autofagia: O jejum é um potente estimulador da autofagia (3), um processo intracelular crucial para a degradação de proteínas, renovação de organelas e reciclagem de componentes citoplasmáticos. A autofagia é fundamental no combate ao estresse celular e na preservação da função celular normal (3).
  • Estresse Hormético e Otimização Metabólica: O estresse fisiológico induzido pela restrição alimentar pode resultar em reparo celular e otimização metabólica (1).
  • Melhora do Metabolismo da Glicose: O jejum influencia positivamente o metabolismo da glicose, possivelmente via ativação dos genes Forkhead Box A (1).
  • Redução do Estresse Oxidativo: A restrição calórica, frequentemente gerada pelo jejum, melhora a saúde metabólica e diversos marcadores (1). Ela é capaz de reduzir o estresse oxidativo ao limitar a produção mitocondrial de Espécies Reativas de Oxigênio (ROS) e aumentar a ação antioxidante endógena (2).

Jejum e Restrição Calórica: Comparativo e Efeitos

A perda de peso não difere significativamente entre protocolos de jejum e de restrição calórica contínua (2). Ambos os modelos promovem o uso de gorduras como fonte de energia, diminuindo a adiposidade e, potencialmente, o risco associado a jejuns mais longos (1). A combinação de restrição calórica e jejum tem demonstrado a capacidade de promover a longevidade e aumentar a resistência contra doenças relacionadas à idade (2). Alguns estudos indicam um aumento na expressão do gene SIRT1 (associado à longevidade) e do gene β-OHB (Beta-hidroxibutirato), que está relacionado a vias anti-inflamatórias (2).


Tipos Comuns de Protocolos de Jejum

Os protocolos de jejum intermitente mais estudados incluem:

  • PF (Prolonged Fasting) / ICR (Intermittent Calorie Restriction): Jejum prolongado, como 24 horas de jejum em dias alternados da semana (2).
  • TRF (Time-Restricted Feeding): Período de alimentação restrito a 8 horas dentro de um ciclo de 24 horas, com 16 horas de jejum (2).
  • ADF (Alternate-Day Fasting): Jejum em dias alternados, podendo variar o protocolo, mas chegando a zero calorias ingeridas no dia de jejum (2).

Fisiologia do Jejum: Cronologia dos Eventos Metabólicos

A transição metabólica durante o jejum ocorre em fases distintas:

  • Hora 0 – Pós-prandial: Caracterizado pelo consumo de alimentos.
  • Hora 3 – Estado Alimentado: Aumento da glicose e secreção de insulina, inibição da lipólise (queda de Ácidos Graxos Livres – FFA). A energia provém da glicólise e oxidação do piruvato, com glicogênese. Um superávit calórico leva ao estoque de Ácidos Graxos (FA) no tecido adiposo.
  • Hora 18 – Início do Jejum: Baixa insulina, ativação da gliconeogênese e glicogenólise. O uso da glicose excede a gliconeogênese, e inicia-se a lipólise, com aumento de FFA.
  • Hora 26-48 – Jejum: Insulina baixa, gliconeogênese ativa e aumento de β-OHB. Ocorre uma troca metabólica, utilizando FA e corpos cetônicos (cetonas) como combustível. Há catabolismo proteico, aumento da lipólise (aumento de FFA), elevação de glucagon e glicocorticoides, e aumento da excreção urinária de nitrogênio.
  • Hora >48 – Starvation (Inanição): Níveis muito baixos de insulina e β-OHB elevados. Ocorre inibição do catabolismo de Aminoácidos de Cadeia Ramificada (BCAA) e da oxidação de glicose no músculo. A gliconeogênese hepática é mantida e os FFA se tornam a principal fonte de energia. Pode haver um aumento do IMCL (lipídios intramiocelulares) devido à reesterificação de FFA.

Considerações e Desafios do Jejum

Apesar dos resultados promissores, o jejum apresenta desafios:

  • Sustentabilidade: Protocolos de jejum podem ser de difícil sustentação para muitos indivíduos devido à insatisfação com as restrições dietéticas (2).
  • Evidências em Humanos: Estudos em humanos ainda são limitados para embasar a recomendação do jejum em larga escala (2). Embora estudos em animais mostrem melhora na autofagia celular e preservação da qualidade das organelas, mais pesquisas em humanos são necessárias (2).
  • Respostas Metabólicas Individuais: Estudos em humanos demonstraram apenas alterações na insulina de jejum (queda), mas não na glicose de jejum (2).
  • Impacto Psicológico: O jejum possui um forte componente psicológico, podendo levar a uma má relação com a comida, associada a sentimentos de “purgação” e recompensa, com potenciais implicações na saúde mental, incluindo a depressão (2).
  • FFA e Inflamação: A elevação de FFA durante o jejum pode ativar proteínas de vias inflamatórias, reduzindo a sensibilidade à insulina. No entanto, o β-OHB atua de forma oposta, como um agente anti-inflamatório, alterando o combustível metabólico (2). É importante notar que FFA saturados induzem resposta inflamatória em macrófagos, enquanto os insaturados não (2). A elevação prolongada de FFA, combinada com síndrome metabólica e resistência à insulina, pode contribuir para a elevação de IMCL hepático e lipotoxicidade, culminando em esteato-hepatite não alcoólica (2).

Referências Bibliográficas

  1. Horne, B. D. et al. Health effects of intermittent fasting: Hormesis or harm? A systematic review. American Journal of Clinical Nutrition, v. 102, n. 2, p. 464–470, 2015.
  2. Stockman, M. C. et al. Intermittent Fasting: Is the Wait Worth the Weight? Current Obesity Reports, v. 7, n. 2, p. 172–185, 2018.
  3. Paoli, A. et al. The influence of meal frequency and timing on health in humans: The role of fasting. Nutrients, v. 11, n. 4, p. 1–19, 2019.

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