O Juízo na Avaliação Cognitiva: Erro Simples, Erro Psicopatológico e Delírios


O Juízo na Avaliação Cognitiva: Erro Simples, Erro Psicopatológico e Delírios


Introdução

O termo “juízo” refere-se à faculdade de avaliar e discernir de maneira eficaz. No contexto da avaliação cognitiva, é crucial distinguir entre o erro simples, considerado normativo, e o erro psicopatológico, que denota um comprometimento da função judicativa. Essa distinção é fundamental para a compreensão das manifestações delirantes e de outras alterações do pensamento.


Conceito de Juízo e Erro

O juízo diz respeito à capacidade de avaliar e discernir de forma eficaz. Na avaliação cognitiva, distinguem-se duas categorias de erro:

  • Erro simples: Uma ocorrência comum, que pode manifestar-se em situações de avaliação apressada, aplicação de premissas equivocadas ou falhas na lógica inferencial. É considerado normativo do ponto de vista psicológico.
  • Juízo delirante: Distingue-se pela presença de uma ideia prevalente, marcada por uma supervalorização de concepções errôneas, forte convicção na sua veracidade, elevada carga emocional e afetiva, e uma superestimação afetiva que contribui para a fixação persistente da crença. Esta categoria é subdividida em erros psicopatológicos e delírios propriamente ditos.

Erros Psicopatológicos

Os erros psicopatológicos caracterizam-se pela presença de ideias prevalentes, que são supervalorizadas e carregadas de superestimação afetiva. Adicionalmente, são tipicamente egossintônicas, ou seja, consideradas aceitáveis e congruentes com o sistema de valores do indivíduo. Consequentemente, o paciente internaliza esses erros de realidade como convicções firmes, análogas a dogmas religiosos, o que frequentemente impede a busca por auxílio profissional em relação a essas ideias.

Os temas subjacentes aos erros psicopatológicos da realidade frequentemente englobam formas extremas de preconceito, manifestando-se através de atitudes e crenças relacionadas a racismo, sexismo, etnocentrismo, classicismo e intolerância religiosa. Na nosologia contemporânea, indivíduos com transtornos de personalidade são frequentemente incluídos nesta categoria de erros de realidade.


Delírios

Nos delírios, similarmente aos erros psicopatológicos, identificam-se ideias prevalentes. Contudo, nestes casos, as ideias são egodistônicas, ou seja, não são congruentes com os valores e a autoimagem do indivíduo. Apesar dessa dissonância, os delírios também se associam a dificuldades emocionais e de personalidade.

O conteúdo delirante caracteriza-se, em geral, por ser impossível, incomum e inadequado à realidade consensual. Apresenta uma convicção extraordinária, uma certeza subjetiva e absoluta, resistindo à refutação por meio de evidências objetivas. As vivências delirantes são percebidas como claras e evidentes pelo indivíduo, embora, em algumas ocasiões, possam apresentar-se como bizarras ou implausíveis. Os delírios podem ser analisados em relação à sua dimensão, estrutura, mecanismo e tema.

Dimensão do Delírio

A dimensão do delírio pode ser subdividida da seguinte forma:

  • Grau de convicção
  • Extensão
  • Bizarrice
  • Desorganização
  • Pressão
  • Resposta afetiva
  • Comportamento
  • Veracidade

Estrutura do Delírio

  • Simples: Caracterizam-se por sua natureza monotemática, ou seja, a totalidade do conteúdo delirante converge para um único tema central.
  • Complexos: Distinguem-se por sua natureza pluritemática, englobando múltiplos temas interconectados ou coexistentes no conteúdo delirante.
  • Não sistematizados: São observados em pacientes que apresentam quadros confusionais, demenciais e deficiência intelectual. Nesses casos, as ideias delirantes tendem a ser fragmentadas, instáveis e sem uma organização lógica consistente. A ausência de sistematização reflete a disfunção cognitiva subjacente, que impede a elaboração de um sistema delirante coerente e bem estruturado.
  • Sistematizado: Observados em quadros de paranoia, caracterizam-se por uma estrutura bem definida e organizada. São típicos em indivíduos com níveis de inteligência preservados ou elevados, nos quais as ideias delirantes são elaboradas com múltiplos detalhes e justificativas complexas, visando a estabelecer uma conexão lógica e coerente entre os elementos do sistema delirante.

Temas do Delírio

Os delírios são classificados por temas ou conteúdo, que podem ser agrupados em quatro grandes categorias:

Delírios de Perseguição

  • Delírio persecutório: O indivíduo manifesta uma convicção firme de estar sendo perseguido por uma pessoa ou grupo específico, que pode ser conhecido ou desconhecido. Essa crença pode envolver a ideia de que o perseguidor tem a intenção de causar dano físico ou mental, ou mesmo de eliminar o indivíduo.
  • Delírio de referência: O indivíduo interpreta erroneamente eventos e situações cotidianas como se fossem diretamente relacionados a si. Essa interpretação se manifesta na crença de que outras pessoas estão falando sobre ele, direcionando comentários ofensivos, xingamentos ou atributos depreciativos. Este tema muitas vezes envolve mecanismos de projeção.
  • Delírio de relação: Manifesta-se pela criação de associações inexistentes, intensas e sem plausibilidade lógica entre eventos que o indivíduo vivencia ou dos quais tem conhecimento.
  • Delírio de influência: O indivíduo experimenta uma sensação intensa e inabalável de estar sendo controlado ou influenciado por forças externas, sejam elas de natureza física, tecnológica ou abstrata.
  • Delírio de grandeza: Manifesta-se na crença do indivíduo de possuir atributos e poderes superiores aos da maioria das pessoas, conferindo-lhe um status de excepcionalidade. Caracteriza-se também por uma autoestima desproporcionalmente elevada.
  • Delírio místico ou delírio religioso: Caracteriza-se por um conteúdo temático que envolve elementos de sacralidade, religiosidade ou misticismo, frequentemente permeado por interpretações e crenças de natureza espiritual ou transcendental.
  • Delírio de ciúmes: O indivíduo atribui ao cônjuge atos de traição e infidelidade com características de crueldade e intensidade exacerbadas, permeando suas convicções de detalhes vívidos e consequências graves dessas supostas transgressões.
  • Delírio erótico ou erotomania: O indivíduo apresenta a convicção de manter um relacionamento amoroso com outra pessoa, frequentemente alguém de notoriedade pública ou de grande importância para o próprio indivíduo. Esta crença persiste mesmo diante da ausência de evidências que a sustentem e, geralmente, da falta de reciprocidade por parte da pessoa alvo do delírio.
  • Delírio de falsa identificação: O paciente desenvolve a crença de que indivíduos com os quais mantém relações interpessoais foram substituídos por sósias idênticos. Essa substituição é interpretada como uma estratégia de engano, orquestrada por esses “duplos” com o propósito de concretizar alguma intenção hostil ou prejudicial ao paciente.

Delírios Depressivos

  • Delírio de reivindicação: O paciente manifesta uma convicção inabalável de ser vítima de injustiças e discriminações, envolvendo-se em disputas contínuas para reivindicar seus direitos.
  • Delírio de ruínas: O indivíduo desenvolve a convicção de que o mundo se encontra em um estado de calamidade generalizada, seja por desgraças iminentes, condições de extrema miséria ou como alvo de um evento apocalíptico.
  • Delírio de culpa: Manifesta-se como uma convicção irrefutável de responsabilidade pessoal por eventos adversos de abrangência global e individual.
  • Delírio de negação de órgãos (Síndrome de Cotard): O indivíduo apresenta a alucinação de que seu corpo se encontra em estado de cessação funcional ou que um ou mais órgãos internos estão comprometidos por processos de destruição, ressecamento ou putrefação.
  • Delírio hipocondríaco: Manifesta-se na convicção inabalável do indivíduo de ser portador de uma enfermidade incurável, acompanhada da crença de que os resultados de exames complementares são falhos ou manipulados.

Tipos Menos Frequentes

  • Delírio de reforma: Caracteriza-se pela convicção delirante de possuir uma missão de grande impacto para alterar significativamente o curso do mundo ou a estrutura da sociedade.
  • Delírio de invenção: O indivíduo apresenta uma convicção inabalável de ter realizado uma descoberta de magnitude excepcional, com o potencial de transformar o mundo ou concretizar feitos considerados inimagináveis.
  • Delírio cenestopático: Consiste na experiência de um conjunto de sensações internas desagradáveis, as quais se manifestam por meio de alterações na temperatura corporal, na percepção do peso dos órgãos e pela ocorrência de dor.
  • Delírio de infestação: Manifesta uma crença delirante de infestação cutânea por diversos parasitas, incluindo vermes, piolhos, pulgas, ácaros e insetos, ou por pequenos organismos de natureza biológica ou robótica, com a percepção de invasão através da pele.
  • Delírio mitomaníaco: Relata vivências caracterizadas por situações fantásticas, narrativas de natureza fabulosa e eventos manifestamente impossíveis, expressos com convicção e riqueza de detalhes, embora sejam patentemente inverossímeis.