Leptina: Fisiologia, Funções e Implicações na Obesidade


Leptina: Fisiologia, Funções e Implicações na Obesidade


Introdução

A leptina, uma adipocina crucial predominantemente sintetizada pelo tecido adiposo branco, desempenha um papel central na regulação do metabolismo energético, do balanço energético e em diversas funções endócrinas e imunológicas. Seu estudo é fundamental para a compreensão de condições metabólicas, como a obesidade.


Fisiologia da Leptina

A leptina é uma proteína composta por 167 aminoácidos, produzida principalmente no tecido adiposo branco (1). Ela atua como um hormônio importante, com efeitos centrais e periféricos no metabolismo e no balanço energético (2).

A massa gorda é a variável mais significativa que controla os níveis circulantes de leptina (4), indicando uma relação direta com a quantidade de gordura corporal (3). Durante o ciclo menstrual, a produção de leptina tende a aumentar (1). Em contraste, a testosterona, a exposição ao frio e as catecolaminas reduzem a síntese de leptina. Situações de estresse para o corpo, como o jejum prolongado e exercícios físicos intensos, também diminuem os níveis circulantes de leptina (1).

A leptina reduz o apetite por meio da inibição da formação de neuropeptídeo Y e pelo aumento da expressão de neuropeptídios anorexígenos, como o α-MSH, CRH e substâncias sintetizadas em resposta à anfetamina e cocaína (1). A resistência à leptina, frequentemente observada como hiperleptinemia em indivíduos obesos, é atribuída a alterações no receptor de leptina ou a uma deficiência em seu sistema de transporte na barreira hematoencefálica (1).

Seu pico de liberação ocorre durante a noite, nas primeiras horas da manhã, e sua meia-vida plasmática é de 30 minutos (1).


Funções da Leptina

As ações da leptina são mediadas pela ligação ao seu receptor, o ObR, que pertence à superfamília de receptores de citocina tipo I e possui seis isoformas (ObRa, ObRb, ObRc, ObRd, ObRe, ObRf) (4).

A leptina desempenha duas funções principais em neurônios do núcleo arqueado (ARC) hipotalâmico:

  1. Estimulação de neuropeptídios anorexígenos: Em uma população de neurônios do ARC, a leptina estimula a expressão de neuropeptídios associados à inibição da ingestão alimentar, como a pró-opiomelanocortina (POMC) e o transcrito relacionado à cocaína e anfetamina (CART) (2). Essa ação também promove o aumento do gasto energético total via inervação simpática (2).
  2. Inibição de neuropeptídios orexígenos: Em outra população de neurônios do mesmo núcleo, a leptina inibe a expressão do neuropeptídio Y (NPY) e da proteína relacionada ao agouti (AgRP), envolvidos no aumento da ingestão alimentar e na redução do gasto energético (2).

Além disso, a leptina influencia:

  • Metabolismo lipídico: Ativa a adenil ciclase e aumenta a oxidação lipídica nos músculos esqueléticos e no fígado. Isso resulta na redução da atividade da estearoil-CoA dessaturase e, consequentemente, na síntese de triacilglicerois a partir de ácidos graxos monoinsaturados (2). Desse modo, a leptina contribui para a redução das concentrações plasmáticas de ácidos graxos e de triacilglicerois (2).
  • Mecanismos lipostáticos: Ao regular o comportamento alimentar e aumentar o gasto de energia, a leptina favorece a melhora de anormalidades metabólicas, como a resistência à insulina e a hiperlipidemia (2).
  • Controle de sistemas orgânicos: A leptina também controla o sistema hematopoiético, o sistema imune, o sistema reprodutor e o sistema cardiovascular (1).
  • Regulação neuroendócrina: Regula a função neuroendócrina e o metabolismo de glicose e gorduras (1).

Isoformas do Receptor de Leptina (ObR):

  • ObRa: Predominantemente envolvida no transporte da leptina através da barreira hematoencefálica por endocitose (4).
  • ObRe: A única isoforma solúvel, com evidências de que se liga à leptina circulante, afetando sua estabilidade e disponibilidade (4).
  • ObRb: Presente em diversos tecidos neuronais, com maior expressão em núcleos hipotalâmicos, como o núcleo arqueado (ARC), hipotálamo ventromedial, núcleo paraventricular, área hipotalâmica lateral e o núcleo pré-mamilar ventral (4).
    • Sua ação ocorre via a via JAK2/STAT3, que leva a um aumento do sinal anorexígeno e a uma diminuição dos sinais orexígenos (4).
    • Atua via a via IRS/PI3K, essencial para a regulação da homeostase da glicose (4).
    • Contribui via inibição da AMPK, diminuindo a ingestão calórica (4).
    • Age via ativação da ERK, que medeia a ação anorexígena da leptina no hipotálamo (4).

Regulação Endócrina do Metabolismo Energético

A expressão da leptina é controlada por diversas substâncias, incluindo a insulina, os glicocorticoides e as citocinas pró-inflamatórias. Estados infecciosos e endotoxinas também podem elevar a concentração plasmática de leptina (1).

A leptina influencia vários eixos endócrinos. Em humanos, a diminuição da leptina em resposta à privação alimentar é responsável pela supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, bem como de outros eixos neuroendócrinos (4). Essas ações podem ser explicadas pelo efeito supressor que a leptina exerce na produção e secreção de neuropeptídeos Y (NPY) por neurônios do núcleo arqueado (4). O NPY é um forte estimulador do apetite e está envolvido na regulação de vários hormônios hipofisários, como a supressão do hormônio de crescimento (GH) (via estimulação da somatostatina), das gonadotropinas e a estimulação do eixo hipófise-adrenal (4).

A estimulação para liberação de leptina ocorre principalmente no período pós-prandial, pela insulina e por glicocorticoides. A supressão é conseguida através do jejum, AMPc e agonistas adrenérgicos (4). Foi demonstrado que a produção de leptina ocorre após o aumento pós-prandial da insulina e diminui em resposta à diminuição da insulina ao longo do dia, devido ao jejum; o período noturno, no entanto, não obedece a essa premissa (4).

Pacientes com lipodistrofia apresentam uma redução significativa dos níveis plasmáticos de leptina (4).


Efeito Pró-inflamatório

A leptina, por apresentar estrutura helicoidal semelhante à família das citocinas, exerce atividade pró-inflamatória. Ela parece ser capaz de aumentar a produção de citocinas como TNF-α e IL-6 pelos monócitos e estimular a síntese de quimiocinas CCL pelos macrófagos (2). Além disso, exerce efeito direto na proliferação das células T, sugerindo uma resposta adaptativa ao aumento da competência imune do organismo contra a imunossupressão associada à falta de energia (2).


Leptina e Obesidade

Na maioria dos indivíduos obesos, as concentrações de leptina estarão elevadas, provavelmente devido ao aumento da secreção dessa adipocina pelo tecido adiposo (1, 2). No entanto, concentrações elevadas de leptina induzem as células-alvo a se tornarem resistentes à sua ação (2). As funções centrais da leptina parecem ser bloqueadas em razão do aumento de suas concentrações séricas na presença da obesidade (2).

Os valores plasmáticos de leptina apresentam correlação positiva com a massa adiposa, o que reforça a hipótese da resistência à ação anorexígena desse hormônio (2). A queda de 10% do peso corporal provoca uma diminuição de 53% de leptina plasmática.


Exames Bioquímicos: Preparo e Valores de Referência

Preparo do Paciente

  • Jejum: Recomenda-se um jejum de 4 horas para a coleta (3).

Valores de Referência

  • Mulheres: 2-5,6 ng/mL (3)
  • Homens: 3,7-11,1 ng/mL (3)

Referências Bibliográficas

  1. Romero, C. E. M.; Zanesco, A. O papel dos hormônios leptina e grelina na gênese da obesidade. Revista de Nutrição, v. 19, n. 1, p. 85–91, 2006.
  2. Cominetti, C.; Cozzolino, S. Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2. ed. Manole, 2020. 1369 p.
  3. Calixto-Lima, L.; Reis, N. T. Interpretação de Exames Laboratoriais Aplicados à Nutrição Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2012. 490 p.
  4. Couto, J. J. O. de S. Viagem ao mundo da leptina: da regulação da homeostase energética à resistência à leptina. [s.l.]: [s.n.]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10451/43219. Acesso em: 1 jul. 2025.

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