Linguagem: Cognição, Comunicação e Desenvolvimento


Linguagem: Cognição, Comunicação e Desenvolvimento


Introdução

A linguagem é um sistema complexo e multifacetado, essencial para a comunicação humana, o desenvolvimento cognitivo e a transmissão cultural. Sua compreensão abrange desde a aquisição na infância até suas funções intrínsecas no pensamento e nas interações sociais.


Definição e Funções da Linguagem

De acordo com a American Psychological Association (APA), linguagem é um sistema para expressar ou comunicar pensamentos e sentimentos através da fala e de símbolos (1). Essa definição sublinha as duas funções primárias da linguagem: a comunicação e a imortalização. A imortalização se refere à capacidade de perpetuar ideias e pensamentos na mente de outros indivíduos, transcendendo a existência física.

A linguagem abrange qualquer veículo sistemático — símbolos, ícones, sinais ou signos — que transmita uma mensagem. Para que o processo comunicativo ocorra, são indispensáveis um emissor e um receptor, e a informação pode ser veiculada por meio de símbolos organizados por regras sistemáticas.

A linguagem é uma capacidade cognitiva crucial, intrinsecamente ligada ao modo como pensamos e compreendemos o mundo. Embora os animais possuam sistemas de comunicação, somente os seres humanos demonstram o processamento complexo que caracteriza a linguagem. O pensamento e a linguagem (verbal e não verbal) estão interligados, sendo os veículos pelos quais atribuímos significado às experiências, estabelecemos conexões e armazenamos informações, possibilitando a reativação de conhecimentos.

Palavras e símbolos são criações humanas destinadas a representar fisicamente o pensamento e facilitar sua comunicação. Por exemplo, uma placa de “piso molhado” evoca instantaneamente processos cognitivos e significados complexos. A linguagem permite a comunicação e a transmissão de informações, promovendo a inteligência, a assimilação de novos conteúdos culturais, a inovação e a ruptura com conceitos tradicionais.


Função e Origem da Linguagem

A principal função da linguagem é induzir comportamentos. Quando subvocalizada, a linguagem se transforma em uma atividade cognitiva autoinstrutiva, direcionando o próprio comportamento do indivíduo.

Quanto à sua origem, a discussão histórica entre a linguagem como convenção social ou inerente ao ser humano foi superada. Atualmente, considera-se a linguagem uma capacidade natural, pois os seres humanos nascem com o potencial linguístico, mediado por estruturas neurofonadoras geneticamente determinadas. Contudo, a língua é aprendida e moldada pelo ambiente social, evidenciando que a linguagem é natural, enquanto a língua é cultural.


Língua e Gramática

Enquanto linguagem se refere a toda forma de comunicação (verbal ou não verbal), língua é um código verbal organizado, com regras de funcionamento próprias. A língua é o principal veículo de expressão do pensamento e possui inúmeras funções além da comunicação, como generalização, associação, abstração, inferência e dedução. A competência inata para desenvolver uma língua só se manifesta através da interação social.

A estrutura básica da língua fundamenta-se na gramática, que envolve três componentes principais:

  • Fonologia: Estudo do sistema sonoro da língua, ou seja, dos fonemas (sons básicos).
  • Sintaxe: Estudo das regras que organizam a disposição das palavras em orações, frases e períodos, e a relação lógica entre elas.
  • Semântica: Estudo do sistema de significados subjacentes às palavras, frases e orações.

A linguagem é um sistema hierárquico de comunicação que utiliza sons e símbolos conforme regras gramaticais. Essa hierarquia se manifesta em níveis:

  • Orações podem ser divididas em frases.
  • Frases são compostas por palavras.
  • Palavras são formadas por morfemas (partes mínimas com significado).
  • Morfemas são constituídos por prefixos e sufixos.

A fala é a manifestação oral da língua, representando a forma como os seres humanos se comunicam verbalmente de maneira acústica.


Propriedades da Língua

A linguagem possui duas características básicas:

  1. Sistema simbólico: Permite organizar ideias, sentimentos e comunicá-los.
  2. Mecanismo de intermediação: Organiza e intermedeia interações, indo além da percepção sensorial.

A linguagem é possível porque preexiste ao pensamento. A criança desenvolve palavras desde um nível fonológico e morfológico, através de imitação e repetição, e somente depois atribui significado (nível semântico). O processo normal de aquisição da linguagem envolve o desenvolvimento de três sistemas interdependentes:

  • Componente Cognitivo: Transformação de estímulos ambientais em conhecimento, incluindo organização, armazenamento e recuperação de informações.
  • Componente Linguístico: Aspectos fonológicos e sintáticos organizados por regras, referindo-se ao conteúdo lexical e discursivo.
  • Componente Social: Regras sociais que moldam as práticas da linguagem e a percepção da fala, influenciadas pela cultura.

A interação com o ambiente permite a absorção da linguagem do grupo social, carregada de conhecimentos (componente cognitivo) e regras linguísticas (componente linguístico) que serão estruturadas por estudo específico.

A linguagem verbal é de natureza acústica, com interação direta entre as pessoas e sem separação explícita entre palavras, sílabas, rimas, fonemas e emoções do falante. A linguagem escrita é a manifestação gráfica da linguagem verbal.

A linguagem não verbal é predominantemente visual. Na escrita, palavras e letras são explicitamente separadas e visíveis. Não há traços prosódicos ou expressões emocionais evidentes. Outros meios comunicativos incluem placas, figuras, desenhos e fotografias.

Similar às línguas orais, a linguagem de sinais permite a interação sobre qualquer conceito, diferenciando-se por utilizar o canal visual-espacial em vez do oral-auditivo.


Desenvolvimento Neurológico e Linguagem

Desde o útero materno, os bebês demonstram sensibilidade aos sons. A maioria das estruturas neurais envolvidas no processamento da linguagem já está presente em recém-nascidos. Biologicamente, ocorre um aumento da mielinização das vias neurais e das conexões, fortalecendo as já existentes e promovendo a interação entre diferentes áreas cerebrais, formando uma rede funcional para o processamento da linguagem.

O aparelho auditivo fetal começa a se formar na nona semana, completando-se por volta da 18ª semana, quando o feto começa a ouvir. A partir da 24ª semana, com a interação das partes interna e externa do ouvido, a sensibilidade auditiva aumenta. Estudos sugerem que a exposição a diferentes idiomas durante a gestação pode beneficiar o aprendizado, com aumento dos batimentos cardíacos fetais ao ouvir um idioma não nativo. Isso ressalta a importância dos estímulos verbais mesmo durante a gestação.


Sequência Universal do Desenvolvimento da Linguagem

O desenvolvimento da linguagem segue uma sequência universal em todos os seres humanos, independentemente de sua origem geográfica ou língua falada. Isso se aplica inclusive a crianças que aprendem línguas de sinais.

Por volta dos dois meses, as crianças demonstram interesse e preferência pela voz humana. A forma específica como os adultos falam com bebês (o “discurso dirigido às crianças”) é reconhecida por diversos autores como um estímulo crucial para o aprendizado e a comunicação infantil.

Balbucio e Gestos

O balbucio infantil progressivamente reflete a linguagem do ambiente, primeiramente no tom e altura, e depois nos sons específicos. Bebês conseguem discernir entre todos os 869 fonemas das línguas globais, mas essa capacidade diminui após os seis a oito meses, com uma especialização no idioma nativo. Aproximadamente aos 12 meses, o balbucio já se assemelha à língua materna, imitando sotaques e cadências.

Além do balbucio, os bebês aprendem a usar gestos para se comunicar. Gestos facilitam a comunicação, especialmente em bebês de 10 meses que ainda não dominam os movimentos de mandíbula e língua para formar palavras. O ato de apontar é um dos primeiros gestos, e bebês de 10 meses já seguem a indicação do gesto adulto ao direcionar o olhar.

As Primeiras Palavras

Por volta de um ano, as crianças começam a emitir as primeiras palavras simples. Nessa fase, é comum o uso de “holofrases”, onde uma única palavra expressa uma ideia completa (ex: “nenê” pode significar “eu quero isso”). O processo é gradual; nos primeiros meses do segundo ano, bebês compreendem muito mais palavras do que conseguem pronunciar.

Entre 18 e 24 meses, o vocabulário das crianças aumenta rapidamente, e elas começam a combinar palavras, formando frases simples de duas palavras, conhecidas como fala telegráfica, utilizada para diversas finalidades.

Período Crítico no Desenvolvimento

Alguns teóricos postulam a existência de um período crítico para a aquisição da linguagem. Se as crianças não forem expostas à língua durante esse período, podem enfrentar dificuldades significativas em superar o déficit linguístico. O pensamento e a linguagem estão interligados; a percepção permite à criança estabelecer conceitos primários e representar objetos pelo pensamento.

Em resumo, o desenvolvimento da linguagem ocorre em duas fases distintas:

  • Fase pré-linguística: Vocalização de sons sem formação de palavras.
  • Fase linguística: Início da fala e compreensão de palavras isoladas.

Evolução da Linguagem e da Fala (Adaptado de Miranda, Muszkat & Mello, 2008)

IdadeEstágio/Características
3 a 4 mesesBalbucio: Produção de sequências de sons, que auxiliam na estruturação de movimentos musculares necessários para a fala.
9 a 10 mesesRepetição e Imitação: Imitação da fala adulta sem significado aparente, mas aprendendo a relacionar grupos de sons a objetos, pessoas e situações.
12 a 18 mesesEstágio de Uma Palavra: Fala simples, com palavras isoladas e gestos com significado. O vocabulário aumenta gradualmente.
18 a 24 mesesEstágio de Duas Palavras (Fala Telegráfica): Combinação de conceitos para construir frases de duas palavras. Próximo aos dois anos, já emite cerca de 100 palavras variadas.
2 a 3 anosFrases Longas: Introdução de adjetivos e advérbios. Aos três anos, o vocabulário alcança 200 a 500 palavras, e a criança consegue produzir quase todos os sons.
A partir dos 3 anosFrases Mais Elaboradas: Uso de vários substantivos, verbos no passado e futuro, e frases compostas. Erros frequentes ainda refletem a imaturidade linguística.

Fala, Leitura e Escrita

A aquisição da leitura e escrita requer o bom funcionamento da memória de longo prazo (memória semântica), memória de trabalho, diferentes tipos de atenção e das funções executivas.

Funções Executivas

As funções executivas são um conjunto de habilidades cognitivas que permitem ao indivíduo planejar, executar ações e regular pensamentos e comportamentos para alcançar objetivos.

Método Piagetiano (Construtivismo)

Para Piaget, o pensamento infantil se desenvolve em quatro estágios:

  • Sensório-motor (0-2 anos)
  • Pré-operatório (2-7 anos)
  • Operações concretas (7-11 anos)
  • Operações formais (a partir dos 11 anos)

Pelo construtivismo, as crianças se familiarizam gradualmente com o design das letras e da escrita, estabelecendo uma relação com essa fase por meio de perspectivas perceptivas, sociais e simbólicas.

Aos dois anos, a criança já utiliza o plural e emprega verbos e substantivos, especialmente para formular a grande quantidade de perguntas típicas dessa fase. Aos seis anos, uma gramática mais complexa pode ser verbalizada, e algumas crianças utilizam a voz passiva, principalmente se expostas regularmente a esse tipo de construção.

Em relação à leitura:

  • Aos sete anos, crianças podem conhecer os sons de consoantes e vogais, lendo palavras simples.
  • Aos oito anos, conseguem ler frases simples, compreendendo pontuação básica e o sentido do que é lido.
  • Entre nove e dez anos, elas passam a compreender parágrafos e capítulos, respondendo a perguntas de interpretação de texto.
  • Entre onze e doze anos, demonstram leitura rápida e praticam a leitura por prazer.

O desenvolvimento da leitura e da escrita depende da estimulação individual e ambiental, incluindo a integridade motora, sensório-perceptual e socioemocional.

Níveis de Aquisição da Escrita: Pré-Silábico, Silábico e Alfabético

A aquisição da escrita segue um percurso que mimetiza a evolução humana até o sistema alfabético. Autores dividem a escrita em três etapas principais:

  • Nível Pré-Silábico: A criança ainda não compreende que a palavra escrita representa a palavra falada. Utiliza traços, linhas ou desenhos para representar a escrita, sem relação com os fonemas e concentrando-se na quantidade de grafismos (ex: um elefante seria representado por traços grandes). Ela distingue um desenho de um texto e percebe que a palavra escrita representa o nome da coisa, não a coisa em si.
  • Nível Silábico: A criança atribui um valor sonoro a cada sílaba escrita, iniciando a correlação entre escrita e fala. É comum que ela “coma letras” ou as acrescente às palavras.
  • Nível Alfabético: A criança desenvolve uma análise fonética madura, utilizando a escrita como código para transcrever sons. Ela alcança a escrita convencional, que é compreensível, mesmo com possíveis erros ortográficos.

O efeito Stroop ilustra como nossa capacidade de leitura automática pode ser interferida: leva-se mais tempo para nomear a cor da tinta de uma palavra quando a cor difere do nome (ex: a palavra “vermelho” escrita em tinta azul).


Linguagem segundo Vygotsky

Para Vygotsky, a linguagem é uma forma genuinamente humana de comunicação e um elemento dialético: o homem molda a linguagem e é por ela influenciado. Sua característica social se manifesta na transmissão de sentimentos, concepções, regras e valores. Pensamentos ocorrem em uma língua, o que a torna indispensável para o pensamento adequado. A linguagem é um tipo de comunicação que utiliza códigos estruturados em signos e sinais, manifestando-se não apenas vocalmente ou textualmente, mas também corporalmente (gestos e expressões faciais).

Desenvolvimento (Vygotsky)

O pensamento emerge ontogeneticamente do desenvolvimento da linguagem em etapas sucessivas:

  1. Balbucio, choro e riso: Pensamentos com representações rudimentares de objetos.
  2. Experiências psicológicas ingênuas: A criança exibe curiosidade pelo nome das coisas, imitando-as e aprendendo a interagir com os outros usando formas e estruturas gramaticais.
  3. Fala egocêntrica: A criança brinca falando sozinha, usando a linguagem de forma representativa e imaginária para descrever pensamentos, fantasias e representações mentais.
  4. Crescimento interior: A criança opera com a fala interior, marcando o surgimento do pensamento verbal, deduções lógicas e representações mentais e simbólicas.

Falar e pensar tornam-se uma atividade unificada no processo intelectual. O momento mais significativo do desenvolvimento intelectual acontece quando a fala e a atividade prática se cruzam, originando formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata. As relações sociais impulsionam essas etapas do desenvolvimento da linguagem, e Vygotsky conclui que o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem.


Empiristas vs. Racionalistas

Há um debate filosófico entre empiristas e racionalistas sobre a linguagem:

  • Empiristas: Consideram a linguagem um conjunto de signos que atribuem significado. Elementos e eventos são associados a uma escrita, fixando um sentido à palavra.
  • Racionalistas: Veem as palavras como uma exteriorização do pensamento, uma capacidade da consciência de criar uma tradução visível e auditiva do que é pensado. A linguagem é uma reprodução do pensamento e do sentimento, pois as cognições precisam da palavra para se manifestar.

Transtornos da Linguagem na Infância

De acordo com o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), as características centrais do transtorno de linguagem incluem dificuldades na aquisição e no uso da linguagem por déficits na compreensão ou produção de vocabulário, na estrutura das frases e no discurso.

Alterações da linguagem e da fala podem ser inatas ou adquiridas, envolvendo fatores genéticos, degenerativos, lesionais, ambientais e/ou emocionais. Alguns autores classificam esses transtornos com base em fatores orgânicos (genéticos, neurológicos, anatômicos) e emocionais.