Lipedema


Lipedema: Fisiopatologia, Diagnóstico e Abordagens Terapêuticas


Introdução

O lipedema é uma condição crônica que afeta principalmente as mulheres, com uma prevalência estimada em cerca de 10% da população feminina (1). Caracteriza-se por um acúmulo anormal e simétrico de gordura, principalmente em regiões glúteas, coxas, joelhos e pernas, resultando em uma desproporção entre a parte inferior e superior do corpo. Pode, contudo, comprometer também os braços, mas poupa mãos, pés e o tronco (1).


Fisiopatologia do Lipedema

A causa exata do lipedema ainda é desconhecida (1). No entanto, diversas hipóteses têm sido propostas para explicar sua patogênese.

Influência Genética e Hormonal

Acredita-se haver uma forte influência genética, visto que 60% dos pacientes relatam pelo menos um parente de primeiro grau com a condição (1). A manifestação inicial do lipedema geralmente ocorre em períodos de mudanças hormonais, como puberdade, gravidez e climatério. Essa característica marcante, a distribuição desproporcional de gordura nas extremidades com um tronco “magro” e mãos e pés não afetados, sugere que o lipedema possa ser uma condição mediada por estrogênio (1). Propõe-se que essa desordem resulte de alterações genéticas no padrão de distribuição dos receptores de estrogênio (ER) alfa (α) e beta (β) no tecido adiposo branco das áreas afetadas, com redução dos ER-α e um aumento na expressão de receptores β (1).

Ainda não está claro se as células de gordura subcutânea se tornam mais numerosas (hiperplasia) ou mais largas (hipertrofia) (1). Estudos envolvendo a gordura aspirada de pacientes com lipedema sugerem que a desordem tem início com mudanças nos estágios iniciais da diferenciação de células na adipogênese (1).

Disfunção Microvascular e Linfática

Outra hipótese fisiopatológica envolve a disfunção microvascular primária no tecido linfático e nos capilares sanguíneos (1). Acredita-se que isso seja devido a um estímulo hipóxico provocado pela expansão excessiva do tecido adiposo, levando à destruição endotelial, disfunção e, portanto, ao aumento da angiogênese (1).

Um problema mecânico também pode ser responsável pela perturbação da drenagem linfática (1). O dano capilar é uma causa proposta para a tendência aumentada de formação de hematomas e petéquias (1). O aumento da permeabilidade capilar leva ao extravasamento de proteínas para o compartimento extracelular (“capillary leak”) e, consequentemente, ao edema tecidual (1). A princípio, o fluido adicional no espaço intersticial pode ser compensado pelo aumento da drenagem linfática; no entanto, à medida que a desordem progride, a capacidade de drenagem dos vasos linfáticos é excedida, resultando em insuficiência (1).

O efeito da hiperpermeabilidade capilar é amplificado por anormalidades patológicas em grandes vasos sanguíneos. A rigidez da aorta, descrita em pacientes com linfedema, pode promover remodelação vascular prematura e hipertensão local (1). Além disso, há também uma desregulação do reflexo veno-arterial (VAR), que protege o leito capilar da elevação local da pressão hidrostática por constrição das arteríolas. Isso, combinado com o extravasamento capilar devido à microangiopatia, promove a formação de edema e hematoma (1).

Consequências e Complicações

Os estágios avançados do lipedema estão associados a diversas sequelas. Uma carga de fluido que exceda a capacidade do sistema linfático pode causar linfedema secundário (“lipo-linfedema”) em qualquer estágio da doença (1). A irritação mecânica de grandes depósitos de gordura perto das articulações pode macerar a pele; e tais depósitos nas coxas e ao redor das articulações dos joelhos também podem interferir na marcha normal e causar artrite secundária (1). Além disso, efeitos secundários incluem transtornos emocionais e diminuição da autoestima (1).


Diagnóstico do Lipedema

O diagnóstico do lipedema é essencialmente clínico. Observa-se o acúmulo de gordura em região glútea, coxas, joelhos e pernas, determinando uma desproporção entre a parte inferior e superior do corpo (1). Um sinal típico é o acúmulo de gordura na região do tornozelo, conhecido como sinal do manguito, onde a gordura para abruptamente (1).

Entre as queixas mais frequentes estão:

  • Dor (principalmente à palpação) (1).
  • Dificuldade de mobilidade (1).
  • Edema (inchaço) (1).
  • Hematomas frequentes (1).

Pode haver associação com outras doenças, como insuficiência venosa crônica, linfedema e obesidade (1). Geralmente, pessoas diagnosticadas com lipedema têm histórico familiar da condição (1). É importante questionar sobre o início e a progressão do transtorno, pois isso pode auxiliar na diferenciação entre lipedema e obesidade (1). Mesmo em pessoas obesas, sintomas como dor e tendência a hematomas são bons indicadores de que o lipedema também está presente (1).

Testes laboratoriais para avaliação da função renal, hepática e para avaliação de hipotireoidismo devem ser realizados (1). Além disso, dislipidemia e resistência à insulina também devem ser avaliadas (1). É crucial ressaltar que o lipedema é uma condição rara, sendo necessário o diagnóstico diferencial, excluindo outras doenças que podem causar edemas de membros inferiores, como o linfedema (3).

A sensibilidade tecidual característica do lipedema pode ser verificada com o teste de pinça, que muitas vezes é sentido como muito desagradável nas áreas afetadas, mas não causa dor em outro lugar (1). Além disso, o aumento da fragilidade capilar se manifesta com a formação espontânea de hematomas (1).

Classificação do Lipedema

O lipedema pode ser classificado tanto anatomicamente quanto pelo seu estágio (1).

Classificação Anatômica (1):

  • Tipo I: Acometimento do umbigo até os quadris.
  • Tipo II: Acometimento até os joelhos com presença de tecido gorduroso na parte lateral e inferior dos joelhos.
  • Tipo III: Acometimento até os tornozelos com formação de “manguito” de gordura logo acima dos pés.
  • Tipo IV: Acometimento dos braços, bastante associado aos tipos II e III.
  • Tipo V: Apenas do joelho para baixo.

Classificação por Estágio:

  • Estágio 1: Superfície da pele normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos ou bolinhas de gordura, como se fossem pérolas por baixo da pele.
  • Estágio 2: Pele irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite, e os nódulos que podem ser palpados ficam maiores.
  • Estágio 3: A pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras de pele, o que pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podem ser palpadas áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica.
  • Estágio 4: Todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado em mulheres com lipedema a partir do estágio 3, quando é chamado de lipo-linfedema.

Tratamento do Lipedema

O tratamento do lipedema busca principalmente o alívio dos sintomas e a prevenção de complicações secundárias, como lesões na pele e artrites, e não a melhoria da aparência das extremidades (1).

Tratamento Conservador

O tratamento conservador é uma abordagem multifacetada, embora diversos autores não o considerem como padrão-ouro (1). Geralmente é composto por:

  • Drenagem linfática regular (1).
  • Terapia de compressão com roupas adequadas (1).
  • Fisioterapia e exercícios (1).
  • Psicoterapia (1).
  • Controle de peso (1).

Controle de Peso

Pacientes com lipedema têm um risco maior para obesidade (1), e o excesso de peso piora as manifestações do lipedema (1). Apesar de o tecido adiposo subcutâneo no lipedema ser considerado resistente à dieta, a normalização do peso tende a melhorar os sintomas (1).

Alterações Dietéticas

Não existe uma dieta específica para pacientes com lipedema (1). A recomendação geral é uma dieta com déficit calórico visando a redução do peso, e rica em alimentos antioxidantes e anti-inflamatórios (1). Muitos pacientes sofrem com transtornos alimentares, portanto, um acompanhamento psicológico é importante (1).

Tratamento Cirúrgico

Se os sintomas persistirem e impactarem a qualidade de vida do paciente apesar do tratamento conservador, a intervenção cirúrgica (lipoaspiração) pode ser considerada (1). Foi observado que o tratamento cirúrgico melhorou significativamente os sintomas, tanto em relação a critérios subjetivos (percepção de dor, sensação de aperto, formação de hematomas, qualidade de vida) quanto objetivos (circunferências, frequência de tratamentos conservadores) (1).


Acompanhamento e Manejo Contínuo

O acompanhamento antropométrico deve ser realizado regularmente para verificar o curso da desordem e a eficácia do tratamento (1). Medidas como peso, circunferência de cintura, razão cintura/quadril e circunferência dos membros são essenciais (1).


Referências Bibliográficas

  1. KRUPPA, P. et al. Lipedema—Pathogenesis, Diagnosis, and Treatment Options. Deutsches Ärzteblatt International, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.3238/arztebl.2020.0396. Acesso em: 23 jun. 2025.
  2. BONETTI, G. et al. Dietary supplements for lipedema. Journal of Preventive Medicine and Hygiene, v. 63, n. 2 Suppl 3, p. E169–E173, 2022.
  3. SHIN, B. W. et al. Lipedema, a rare disease. Ann Rehabil Med., v. 35, n. 6, p. 922–927, 2011.