Lipodistrofias: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento


Lipodistrofias: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento


Introdução

As lipodistrofias são um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas por alterações na disposição da gordura corporal, que podem variar desde a escassez quase completa do tecido adiposo (lipodistrofia generalizada) até a redistribuição parcial da gordura (lipodistrofia parcial). Essas condições podem ser congênitas ou adquiridas e estão frequentemente associadas a graves comorbidades metabólicas.


Fisiopatologia e Classificação

A lipodistrofia é caracterizada por alterações na disposição da gordura corporal, e pode ser classificada em (1):

  • Lipodistrofia Generalizada (LG)
  • Lipodistrofia Parcial (LP)

Ambas as formas podem ser congênitas ou adquiridas.

Lipodistrofia Generalizada (LG)

A Lipodistrofia Generalizada (LG) é caracterizada pela escassez quase completa da gordura corporal, com o percentual de gordura nos pacientes usualmente abaixo de 7%. Devido à impossibilidade de armazenamento de gordura no tecido adiposo, esses pacientes evoluem com esteatose hepática, hipertrigliceridemia, HDL baixo e diabetes lipoatrófico, que são consequências da resistência insulínica severa.

  • A forma congênita (LGC) tem herança autossômica recessiva e a escassez de gordura é evidente já ao nascimento.
  • Já a forma adquirida (LGA), também conhecida como síndrome de Lawrence, pode estar associada a doenças autoimunes, como artrite reumatoide e hepatite autoimune. Pode ser associada com paniculite, com doença autoimune, ou ser idiopática.

Lipodistrofia Parcial (LP)

As Lipodistrofias Parciais (LP) são mais frequentes e geralmente subdiagnosticadas. Podem ser congênitas (LPC) ou adquiridas (LPA). Um fator que dificulta o diagnóstico da LPC é a existência de diversos subtipos com características próprias.

A LPA, conhecida como síndrome de Barraquer-Simons, é menos frequente e apresenta um menor comprometimento metabólico. Nesta síndrome, a gordura se deposita principalmente nos membros inferiores, poupando a parte superior do corpo.


Classificação Detalhada de Lipodistrofias

A tabela a seguir apresenta uma classificação dos tipos de lipodistrofia, incluindo o gene/proteína associado, quando conhecido:

TipoNomeGene/Proteína
Generalizada congênitaLGC Tipo 1AGPAT2 – AGPAT2
Generalizada congênitaLGC Tipo 2BSCL2 – Seipina
Generalizada congênitaLGC Tipo 3CAV1 – Caveolina 1
Generalizada congênitaLGC Tipo 4CAVIN1 – Cavina
Generalizada adquiridaSíndrome de LawrenceAdquirida
Parcial congênitaLPC Tipo 1 – KooberlingPoligênica (?)
Parcial congênitaLPC Tipo 2 – DunninganLMNA – Lamina
Parcial congênitaLPC Tipo 3PPARG – PPAR Gama
Parcial congênitaLPC Tipo 4PLIN1 – Perilipina 1
Parcial congênitaLPC Tipo 5CIDEC – Cidec
Parcial congênitaLPC Tipo 6LIPE – Lipase
Parcial congênitaAKT2AKT2 – AKT2
Parcial congênitaMFN2MFN2 – Mitofusina
Parcial adquiridaBarraquer-SimonsAdquirida

Prevalência no Brasil

No Brasil, há uma prevalência elevada de lipodistrofias. Os primeiros casos de lipodistrofia generalizada congênita (LGC) foram descritos em 1954. As formas parciais também são frequentes e, em muitos casos, são tratadas como diabetes tipo 2, em vez de diabetes lipoatrófico, o que ressalta a importância do diagnóstico correto.


Diagnóstico

O diagnóstico das lipodistrofias inicia-se pela identificação de um fenótipo característico. As formas generalizadas são mais perceptíveis, visto que a escassez do tecido adiposo é mais severa. A diferenciação entre casos congênitos e adquiridos baseia-se na idade do aparecimento da escassez desse tecido.

O achado clínico (fenótipo), associado a alterações laboratoriais, é geralmente suficiente para o diagnóstico. Além disso, os testes genéticos, cada vez mais acessíveis, podem auxiliar o médico a ser mais assertivo nos tratamentos.

Sinais Clínicos e Exames Complementares

  • No exame de pregas cutâneas, uma medida da prega anterior da coxa abaixo de 22mm em mulheres e de 10mm em homens é sugestiva de lipodistrofia.
  • Se possível, a avaliação por DEXA evidenciará a escassez corporal de gordura (usualmente < 7%) nos casos de LG ou o predomínio de gordura troncular nos casos de LP (fatmass ratio > 1,2).
  • Outros achados que corroboram com o diagnóstico incluem hipertrofia muscular, flebomegalia (vasos subcutâneos mais evidentes), acantose nigricans, aumento da circunferência de cintura e xantomas eruptivos (indicativos de hipertrigliceridemia).

Diferenciação entre Subtipos

  • Pacientes com LGC já se apresentam com pouca gordura corporal nos primeiros meses de vida, com perda da bola gordurosa de Bichat e protrusão da cicatriz umbilical (podendo simular uma hérnia umbilical), conforme evidenciado por fotos sequenciais.
  • Já os pacientes com LGA apresentam uma distribuição gordurosa normal inicialmente, sendo possível identificar o momento em que a gordura começa a ficar escassa através de fotos sequenciais. A história clínica pessoal ou familiar de doenças autoimunes também sugere o diagnóstico de LGA.
  • Os casos de LP são mais difíceis de identificar fenotipicamente. A suspeita clínica de LPC baseia-se em pouca gordura nos membros inferiores, frequentemente associada a hipertrofia muscular evidente nas panturrilhas. Além disso, destaca-se o depósito de gordura predominantemente no abdômen. A LPC tipo 2 (Dunningan) pode mimetizar o fenótipo de um paciente com síndrome de Cushing.

Exames Bioquímicos

Exames laboratoriais em pacientes com lipodistrofia costumam mostrar (1):

  • Diabetes de difícil controle.
  • Hipertrigliceridemia com HDL baixo (em geral, é necessário usar o colesterol não-HDL como meta terapêutica, em vez do LDL).
  • Enzimas hepáticas elevadas (principalmente ALT/TGP).
  • Plaquetopenia (nos casos de doença hepática avançada).

Consequências Clínicas

O déficit de gordura corporal severo nas lipodistrofias generalizadas causa reduções significativas de leptina, o que leva a uma hiperfagia importante.


Tratamento

O tratamento das lipodistrofias visa controlar as manifestações metabólicas e clínicas.

Tratamento Farmacológico

  • Devido à resistência insulínica, a metformina é geralmente a medicação de primeira escolha, sendo evitada apenas se o paciente tiver reações adversas fortes ou alguma contraindicação.
  • A pioglitazona pode ser utilizada nos casos de LP, auxiliando tanto no controle glicêmico quanto no manejo da doença hepática gordurosa. Entretanto, deve ser evitada nos casos de LG, pois estimula a adipogênese, e esses pacientes não conseguem armazenar gordura.
  • Os inibidores de SGLT-2 e os análogos de GLP-1 também contribuem para o controle da doença.
  • A medicação para a dislipidemia deve ser escolhida de acordo com o achado laboratorial. Os fibratos são utilizados em casos de hipertrigliceridemia severa (> 500 mg/dL) com o intuito de diminuir o risco de pancreatite aguda.
  • As estatinas, associadas ou não à ezetimiba, devem ser preferidas em pacientes com elevado risco cardiovascular (principalmente nas LP) e, uma vez prescritas, devem ser mantidas no longo prazo.
  • A metreleptina atua especificamente na correção da deficiência de leptina. É indicada para pacientes com LG com mais de 2 anos de idade e para pacientes com LP a partir de 12 anos. Seu uso demonstrou reduzir significativamente a necessidade de insulina.