A Metformina na Prática Clínica: Indicação, Mecanismos e Manejo


A Metformina na Prática Clínica: Indicação, Mecanismos e Manejo


Introdução

A metformina, pertencente à classe das biguanidas e originariamente derivada da Galega officinalis, é o fármaco de primeira escolha no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Sua eficácia reside na capacidade de reduzir a produção hepática de glicose e melhorar a utilização periférica da glicose. Este documento detalha seus mecanismos de ação, indicações clínicas expandidas, dosagem, interações e perfil de segurança.


Mecanismo de Ação e Efeitos Fisiológicos

A metformina atua principalmente antagonizando a capacidade do glucagon em gerar AMPc nos hepatócitos (6). Isso resulta em uma série de efeitos benéficos no metabolismo da glicose e lipídios:

  • Redução da gliconeogênese: Diminuição da produção hepática de glicose (5).
  • Aumento da captação muscular de glicose: Consequente redução da resistência à insulina (5).
  • Redução da absorção de carboidratos pelo intestino (5).
  • Aumento da oxidação de ácidos graxos (5).
  • Redução dos níveis de LDL e VLDL (5).

Adicionalmente, o uso crônico de metformina tem sido associado a alterações na recirculação dos ácidos biliares e na composição da microbiota intestinal em pacientes com DM2, o que pode levar a um aumento da secreção de GLP-1 (5). A metformina possui uma meia-vida de 3 horas e é eliminada inalterada na urina (5).


Indicações Clínicas

Diabetes Mellitus

A metformina é a única biguanida utilizada clinicamente no tratamento do DM2 (5). Seu uso a longo prazo está associado a uma redução das complicações microvasculares e, provavelmente, macrovasculares do diabetes (6). O principal risco associado ao seu uso é a acidose lática, uma condição rara, mas que pode ser prevenida (6).

Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP)

A metformina é amplamente indicada para a SOP, com doses que variam de 500 mg a 2 g/dia, dependendo da tolerância do paciente. Os benefícios na SOP incluem:

  • Melhora da sensibilidade insulínica.
  • Aumento da tolerância à glicose.
  • Regulação do ciclo menstrual.
  • Melhora da ovulação.
  • Estímulo à perda de peso.

Mulheres com SOP apresentam uma prevalência 10 vezes maior de desenvolver diabetes tipo 2 (4). A metformina atua inibindo a gliconeogênese e aumentando a sensibilidade periférica à insulina (4). Um tratamento a longo prazo tem demonstrado melhora na ovulação, na regularidade do ciclo menstrual e redução dos níveis de hormônios androgênicos, diminuindo o hirsutismo (4). Uma meta-análise envolvendo mais de 500 mulheres confirmou que a metformina foi capaz de melhorar a frequência de ovulação (4). Além disso, o medicamento previne a progressão da intolerância à glicose, reduzindo o número de casos que evoluem para o diabetes (4). A American Association of Clinical Endocrinologists recomenda o uso de metformina como tratamento inicial da SOP (4).

Outras Indicações

A metformina também é indicada para diabetes gestacional, esteatose hepática e algumas formas de puberdade prematura.

Emagrecimento e Hipertrofia

É importante ressaltar que o uso de metformina para melhora do ganho de massa muscular ou na perda de gordura não demonstrou benefícios (1).


Dosagem e Administração

A dose inicial de metformina deve ser baixa e, se necessário, escalonada a cada 1 a 2 semanas, com base na glicemia auto aferida. A dose máxima recomendada é de 2000 mg/dia (6).


Interações Droga-Nutriente

Deficiência de Vitamina B12 e Anemia Megaloblástica

Estudos indicam que o uso de metformina pode aumentar o risco de deficiência de vitamina B12 de maneira dose-dependente (3). Embora um estudo específico não tenha encontrado um risco maior para anemia, outros estudos relataram um risco aumentado de anemia com o uso da metformina (3). A cada 1 grama de metformina, o risco de anemia aumenta em 2% ao ano (3). Contudo, a indicação da metformina prevalece independentemente do risco de anemia (3). Recomenda-se o acompanhamento dos níveis de B12 durante o tratamento para prevenir a instalação da deficiência (3).

Goma-Guar

O consumo de goma-guar pode influenciar a biodisponibilidade de alguns fármacos (2). Foi observado que ela é capaz de reduzir a biodisponibilidade da metformina em pacientes que receberam o medicamento e, em seguida, consumiram 10g da fibra diluída em água (2).


Contraindicações e Efeitos Adversos

Contraindicações

A metformina não deve ser utilizada em indivíduos com:

  • Insuficiência renal (TFG <45 mL/min) (6).
  • Qualquer forma de acidose (6).
  • Insuficiência cardíaca congestiva instável (6).
  • Doença hepática (6).
  • Hipoxemia grave (6).

A medicação deve ser suspensa em pacientes hospitalizados, em regime de dieta zero e naqueles que receberão contraste radiográfico. Nesses casos, a insulina é o tratamento indicado (6).

Efeitos Adversos

Os efeitos adversos mais comuns são de natureza gastrointestinal:

  • Náuseas.
  • Vômitos.
  • Diarreia.
  • Desconforto abdominal (5).
  • Perda de apetite.

Outros efeitos incluem:

  • Acidose Lática: Incomum, mas pode ocorrer em pacientes com disfunção renal (5).
  • Hepatotoxicidade.
  • Pancreatite aguda: Em doses elevadas ou em pacientes com insuficiência renal.
  • Deficiência de Vitamina B12: Devido ao uso crônico e prolongado, sendo interessante a suplementação (5).
  • Alteração da coagulação.
  • Hipoglicemia (rara como monoterapia, mais comum em combinação).

Referências Bibliográficas

  1. WALTON, R. G. et al. Metformin blunts muscle hypertrophy in response to progressive resistance exercise training in older adults: A randomized, double-blind, placebo-controlled, multicenter trial: The MASTERS trial. Aging Cell, [s.l.], v. 18, n. 6, p. 1–13, 2019.
  2. COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
  3. DONNELLY, L. A. et al. Risk of Anemia With Metformin Use in Type 2 Diabetes: A MASTERMIND Study. Diabetes Care, [s.l.], v. 43, n. 10, p. 2493–2499, out. 2020. Disponível em: http://care.diabetesjournals.org/lookup/doi/10.2337/dc20-1104.
  4. NESTLER, J. E. Metformin for the Treatment of the Polycystic Ovary Syndrome. N Engl J Med, [s.l.], v. 358, n. 1, p. 47–54, 3 jan. 2008. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/abs/10.1056/NEJMct0707092.
  5. RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Guanabara Koogan, 2020. 789 p.
  6. JAMESON, J. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021. 3522 p.

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