Mindfulness: Cultivando a Atenção Plena para o Bem-Estar


Mindfulness: Cultivando a Atenção Plena para o Bem-Estar


Introdução

Mindfulness, traduzida como atenção plena, é a capacidade intencional de direcionar a atenção ao momento presente, sem julgamentos ou críticas, com uma atitude de abertura e curiosidade (1,2). Essa prática, que tem raízes em tradições milenares, vem sendo cada vez mais incorporada em contextos clínicos e de promoção da saúde.


Conceito de Mindfulness

A terminologia “mindfulness” deriva da tradução para o inglês do termo “sati” da língua páli, que em sua essência denota a faculdade da memória ou o ato de recordar (1,2). No contexto da prática, mindfulness refere-se ao processo de direcionar a consciência para um foco atencional específico, sustentando essa atenção de forma deliberada por um intervalo de tempo definido.

É pertinente notar que, na língua inglesa, o termo “mindless” (“sem mente”) representa o antônimo de mindfulness, descrevendo um estado comum de operação mental caracterizado pela ação em “piloto automático”. Nessa condição, embora fisicamente presentes, o foco do pensamento se dispersa, resultando em divagação mental e, consequentemente, em ausência psíquica.

Mindfulness pode, então, ser compreendida como a capacidade de manter o foco atencional de forma consciente em um objeto selecionado. Concomitantemente a essa focalização, desenvolve-se a metaconsciência, que abrange tanto a percepção do objeto em si quanto a consciência do próprio ato de estar atento. Em consonância com essa perspectiva, alguns autores definem mindfulness como a “apreensão do momento presente, permeada por uma atitude de abertura e aceitação” (5).

Ela pode ser considerada uma capacidade inata do ser humano. Bauer-Wu ilustra essa capacidade com o exemplo de uma criança tomando sorvete: ela consegue estar totalmente envolvida na experiência de saborear e sentir a textura e a temperatura gelada do sorvete em sua língua, sem estar tentando deliberadamente prestar atenção ao momento presente. Ela age naturalmente com as características da atenção plena, ou seja, sem críticas ou julgamentos (2). Ao longo dos anos, geralmente perdemos contato com nosso frescor e curiosidade inatos, à medida que as experiências de vida nos trazem expectativas, regras, planos, preocupações, fantasias, etc. A atenção plena, portanto, pode ser considerada um princípio de vida, no sentido de que é possível praticá-la em quase tudo o que se faz, como andar (parar e apreciar a paisagem ou pensar e sentir onde se está pisando), conversar e se relacionar (prestar atenção no outro, olhando nos olhos e mostrando real interesse na interação), na hora de comer, etc.


Meditação

Embora a atenção plena seja uma capacidade inata, ela pode ser treinada. O modo formal mais conhecido de se treinar essa capacidade é a meditação.

A meditação compreende um espectro diversificado de práticas, historicamente integradas em diversas tradições espirituais com propósitos distintos. Dada a variedade de abordagens existentes, uma definição unívoca de meditação se mostra complexa. Contudo, um elemento comum a essas práticas reside no treinamento da atenção voluntária, também denominada atenção executiva, com o objetivo de cultivar estados mentais positivos e desenvolver a capacidade introspectiva da mente (4). Todos os tipos de meditação cultivam a habilidade de focar a atenção em algo, que pode ser definida como a “âncora” da meditação. Na atenção plena, essa âncora é comumente a respiração ou as sensações corporais (4).

Nota: Um aspecto comum a todos os tipos de meditação, inclusive como procedimento, é que todos consistem em deter-se em algo. A importância de se deter em algo não está tanto no algo, mas no deter-se (3).

É crucial dissipar algumas interpretações equivocadas acerca da meditação. Uma crença comum é que a meditação possa promover um “esvaziamento” da mente. Mas o que a meditação propõe é que os pensamentos e distrações fiquem em segundo plano, ou seja, saber que eles estão ali, mas não se deixar levar por eles. Uma metáfora utilizada é a dos balões: imaginar que se está observando atentamente o céu e que de repente começam a surgir balões coloridos; não sair correndo atrás deles, mas não deixar de observar o céu devido à beleza dos balões; apenas deixar que o vento os carregue (5). O que a metáfora quer dizer é que distrações são comuns no momento da meditação, mas o exercício é justamente perceber a distração e voltar a prestar atenção no momento presente (na respiração, por exemplo, caso ela seja o foco da prática).

A prática meditativa não visa a obliteração do pensamento ou a supressão das emoções. Tampouco impõe o isolamento das atividades cotidianas ou a adoção de posturas corporais específicas, como a posição de lótus. Adicionalmente, a meditação não tem como efeito necessário a indução de estados de beatitude ou êxtase.

Meditação Baseada em Atenção Plena

Embora se reconheça uma vasta gama de modalidades meditativas, para os fins em questão, podem-se considerar três categorias principais, frequentemente empregadas em programas seculares de mindfulness: atenção focada, monitoração aberta e amorosidade/compaixão.

  • Na meditação de atenção focada, o indivíduo direciona e sustenta a atenção em um único objeto, como a respiração, sensações corporais ou um mantra. Esta prática é fundamental para o treinamento e a estabilização da atenção e da concentração, mitigando a tendência à divagação mental. Caso ocorra o desvio do foco atencional, este é gentilmente redirecionado ao objeto primário. Essa modalidade de meditação exercita a atenção voluntária, reduz a propensão à divagação e induz uma sensação de calma e tranquilidade.
  • Na meditação de monitoração aberta, o praticante observa as experiências que emergem na sua consciência momento a momento, adotando uma postura não reativa e desprovida de julgamentos. Essas experiências abrangem pensamentos, emoções, sensações corporais internas e estímulos externos presentes. Frequentemente, envolve um componente metacognitivo, permitindo a observação descentrada dos processos mentais, tanto cognitivos quanto afetivos, como se ocorressem independentemente do observador. Essa prática meditativa pode fomentar o insight acerca da natureza do funcionamento mental.
  • Na meditação da amorosidade, também referida como gentileza amorosa ou loving-kindness meditation, o objetivo central é o cultivo e o desenvolvimento de qualidades afetivas positivas, como a gentileza, a compaixão e a gratidão. O praticante busca gerar sentimentos de benevolência direcionados a si próprio e aos outros. O cultivo da amorosidade favorece comportamentos pró-sociais e incrementa a percepção subjetiva de bem-estar.

Características e Aplicações da Atenção Plena

Pesquisas realizadas nos últimos trinta anos, com base principalmente no MBSR (Mindfulness Based Stress Reduction), mostram que o desenvolvimento da atenção plena a partir da prática de meditação pode levar à melhora de sintomas físicos, mentais e emocionais.

Além do MBSR, a Terapia Cognitiva Baseada em Atenção Plena (MBCT – Mindfulness Based Cognitive Therapy) também utiliza o cultivo da atenção plena por meio de prática meditativa formal, a fim de prevenir recaída em casos de depressão. A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT – Acceptance and Commitment Therapy) e a Terapia Comportamental Dialética (DBT – Dialetical Behavior Therapy) preconizam o desenvolvimento da atenção plena por meio da prática de habilidades comportamentais para tratar transtornos de ansiedade, adições e transtornos de personalidade.

O uso da atenção plena também tem sido bem-sucedido para casos de dores crônicas, depressão, estresse, câncer, transtornos de ansiedade, abuso de substâncias, obesidade e transtornos alimentares.


Mindfulness e a Terapia Cognitivo Comportamental

Mindfulness pode ser definido como a manutenção da atenção na experiência imediata, adotando uma postura de abertura, aceitação e curiosidade. Ele capacita o indivíduo a focar no momento presente, seja em experiências externas (como uma conversa) ou internas (como pensamentos, emoções ou sensações). (6)

A prática de mindfulness é particularmente útil para clientes envolvidos em padrões de pensamento mal-adaptativos, como obsessão, ruminação, preocupação excessiva e autocrítica. Em vez de se engajar com esses pensamentos, questionando sua validade, o paciente aprende a notar sua presença de forma não julgadora, permitindo que venham e vão naturalmente. O objetivo não é suprimir ou eliminar pensamentos e estímulos angustiantes, mas sim observar e aceitar as experiências internas sem julgamento, avaliação ou tentativa de alterá-las. (6)

Tipos de Mindfulness

Existem diversos tipos de prática de mindfulness, dentre elas, podemos citar três:

  • Mindfulness dos pensamentos: indicado para pacientes que apresentam ruminação excessiva, preocupação ou que tentam suprimir pensamentos e imagens intrusivas. (6)
  • Mindfulness dos estímulos internos: útil para o manejo de emoções intensas e outras experiências internas angustiantes. (6)
  • Mindfulness da autocompaixão: direcionado a clientes que manifestam autocrítica intensa. (6)

Mindfulness no Contexto da Ruminação

Um cenário comum de ruminação envolve um paciente, frequentemente em um quadro depressivo, que se engaja em um ciclo de pensamentos negativos e repetitivos. Por exemplo, ele pode acreditar que, ao refletir profundamente sobre a perda de um emprego ou de um relacionamento, encontrará uma forma de evitar eventos negativos futuros. (6)

Embora crenças como essa possam ser funcionais em algumas situações, tornam-se disfuncionais quando resultam na repetição constante dos mesmos pensamentos negativos. Nesses casos, a prática de mindfulness pode ser eficaz para modificar essas crenças, indo além da simples resposta aos pensamentos, que nem sempre é suficiente. (6)

Práticas Formais e Informais de Mindfulness

A prática de mindfulness pode ser dividida em duas categorias:

  1. Práticas Formais: Consistem em reservar um período de tempo específico (por exemplo, 5 minutos) em um local tranquilo para focar a atenção em uma experiência particular, como a respiração, partes do corpo, movimentos ou pensamentos. Nessa prática, o paciente é instruído a notar quando a atenção se dispersa e a trazê-la de volta para o foco sem julgamento. Para maior adesão, recomenda-se iniciar com sessões curtas, de aproximadamente 5 minutos. (6)
  2. Práticas Informais: Envolvem a aplicação dos princípios de mindfulness nas atividades cotidianas. O paciente foca no que está fazendo no momento de forma aberta e não julgadora. Quando a mente se desvia para o passado ou futuro de forma improdutiva, ele é encorajado a trazê-la de volta para a experiência atual. (6)

É recomendado que os clientes utilizem tanto os exercícios formais (quando viável) quanto os informais, especialmente quando se sentem presos em um processo de pensamento inútil ou em uma experiência interna desconfortável. (6)

Técnica AWARE

A técnica AWARE foi desenvolvida para ser utilizada por clientes que experimentam ansiedade excessiva e/ou se preocupam excessivamente. (6)

  • Accept (Aceite): Aceitar a ansiedade ou outra emoção.
  • Watch (Observe): Observar a emoção sem julgamento.
  • Act (Aja): Agir de forma construtiva, apesar da emoção.
  • Repeat (Repita): Repetir os passos conforme necessário.
  • Expect (Espere): Esperar o melhor resultado possível.

Referências Bibliográficas

  1. Kabat-Zinn J. Full catastrophe living: using the wisdom of your body to face stress, pain, and illness. New York: Delta; 1990.
  2. Bauer-Wu S. Leaves falling gently – living fully with serious & life-limiting illnes through mindfulness, compassion and connectedness. Oakland: New Harbinger Publications Inc.; 2011.
  3. Naranjo C. Psicologia da meditação. São Paulo: Instituto Thame; 1991.
  4. Kristeller J. Mindfulness meditation. In: Lehrer P, Woolfolk RL, Sime WE. Principles and practice of stress management. 3. ed. New York: Guilford Press; 2007.
  5. Shapiro SL, Oman D, Thoresen CE, Plante TG, Flinders T. Cultivating mindfulness: effects on well-being. J. Clin Psychol. 2008;64:840-62.
  6. JUDITH, S. B. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.