O Modelo Big Five: Fatores da Personalidade e suas Implicações


O Modelo Big Five: Fatores da Personalidade e suas Implicações


Introdução

A compreensão da personalidade humana é um aspecto fundamental do ponto de vista evolutivo, permitindo antecipar ações e adaptar comportamentos. O modelo dos Cinco Grandes Fatores, ou Big Five, emergiu como o “estado da arte” nas teorias da personalidade, oferecendo uma estrutura robusta para descrever as variações individuais em traços de personalidade.


Origem e Desenvolvimento do Modelo Big Five

A ideia de utilizar a linguagem como base para a compreensão da personalidade foi concebida por Gordon Allport em 1930, na chamada hipótese léxica (1). Essa hipótese postula que qualquer aspecto relevante da personalidade é decodificado e representado na linguagem (1). Inicialmente, Allport baseou seu estudo nos adjetivos de um dicionário; contudo, a vasta quantidade de dados impediu a criação de uma estrutura de personalidade simplificada (1).

Com o avanço das análises fatoriais, pesquisas subsequentes em diversos instrumentos de medida de personalidade revelaram que soluções com cinco fatores eram as mais adequadas para descrever a estrutura da personalidade (1). Os fatores identificados foram:

  • Abertura à Experiência (Openness) (1)
  • Conscienciosidade (Conscientiousness) (1)
  • Extroversão (Extraversion) (1)
  • Amabilidade/Socialização (Agreeableness) (1)
  • Neuroticismo (Neuroticism) (1)

Este conjunto de fatores é frequentemente referido pelo acrônimo OCEAN (1). Embora o modelo Big Five seja amplamente considerado a abordagem mais avançada em teorias da personalidade, a importância de outros modelos não deve ser desconsiderada (1).


Os Cinco Fatores da Personalidade

1. Abertura à Experiência (Openness)

Este fator foca na apreciação da arte e da beleza, além de uma receptividade geral à novidade. Também pode ser encontrado na literatura científica como “intelecto” ou simplesmente “abertura” (1).

  • Altas pontuações: Indivíduos criativos, receptivos a novas ideias e atividades. Possuem uma vida interna rica e extensa, dedicando tempo à reflexão sobre conceitos, obras de arte ou teorias intelectuais.
  • Baixas pontuações: Mais inclinados ao pensamento convencional, com um leque de interesses geralmente menor, tendendo a ser mais “pé no chão”.

As facetas da Abertura à Experiência incluem (1):

  • Fantasia: Vida mental ativa e elevada imaginação.
  • Estética: Valorização da arte e da beleza.
  • Sentimentos: Receptividade aos próprios sentimentos e emoções, vivenciando-os intensamente.
  • Ações: Gosto por explorar novos lugares, experimentar novas atividades e alimentos.
  • Ideias: Curiosidade intelectual e fascínio por argumentos filosóficos.
  • Valores: Facilidade em explorar e avaliar seus próprios valores, sejam sociais, políticos ou religiosos.

2. Conscienciosidade (Conscientiousness)

A Conscienciosidade está associada à organização e perseverança, podendo ser referida na literatura como “realização” ou “escrupulosidade” (1).

  • Altas pontuações: Pessoas muito confiáveis e trabalhadoras dedicadas. Dependentes da organização, utilizam uma abordagem metódica para atingir seus objetivos e estão dispostas a investir grande esforço para o sucesso.
  • Baixas pontuações: Tendem a ser mais impulsivas e desorganizadas. A espontaneidade caracteriza sua abordagem a situações acadêmicas e vocacionais, com dificuldade em aderir a horários e planos concretos.

As facetas da Conscienciosidade incluem (1):

  • Competência: Capacidade de lidar com desafios e dificuldades da vida.
  • Ordem: Clareza e abordagem metódica das tarefas; preocupação com a organização.
  • Senso de dever: Preocupação em cumprir com suas responsabilidades.
  • Realização de esforço: Facilidade para trabalhar duro; motivação para cumprir metas.
  • Autodisciplina: Capacidade de seguir com tarefas e evitar distrações.
  • Deliberação: Tendência a contemplar cuidadosamente as decisões antes de agir.

3. Extroversão (Extraversion)

A Extroversão avalia a fonte de energia dos indivíduos. Enquanto os introvertidos obtêm energia de fontes internas (sentindo-se bem consigo mesmos, quase dispensando a presença de outras pessoas), os extrovertidos dependem de fontes externas (1).

  • Altas pontuações: Preferem a companhia de outras pessoas, podem ser descritas como a “alma da festa” e tendem a buscar o centro das atenções.
  • Baixas pontuações: Mais reservadas. A presença de muitas pessoas pode causar cansaço. Preferem atividades individuais, como a leitura.

As facetas da Extroversão incluem (1):

  • Calorosidade: Facilidade para se aproximar de outras pessoas; capacidade de ser carinhoso, amigável e cordial.
  • Gregariedade: Preferência pela companhia dos outros e por fazer parte de grupos; tendência a evitar a solidão.
  • Assertividade: Tendência para liderar e dominar situações sociais; expressam seus pensamentos com clareza.
  • Atividade: Disposição energética; estilo de vida acelerado e propensão a estar ocupado.
  • Buscador de entusiasmo: Desejo de alegria e estimulação; preferência por lugares agitados.
  • Emoções positivas: Tendência a experimentar emoções positivas; inclinação para a alegria e o otimismo.

4. Amabilidade (Agreeableness)

Também denominada “concordância” ou “socialização”, a Amabilidade está centrada nas ideias de confiança, honestidade e conformidade (1). Indivíduos amáveis tendem a ser mais simples e tolerantes por natureza.

  • Altas pontuações: Tipicamente mais moderadas interpessoalmente. Tendem a buscar o melhor em todas as pessoas e são altamente leais. São generosas, honestas, confiáveis e preocupadas com o bem-estar dos outros.
  • Baixas pontuações: Tendem a suspeitar mais dos outros. São cínicos e céticos em relação ao mundo ao seu redor e estão mais dispostos a usar a lisonja ou a astúcia para obter favores.

As facetas da Amabilidade incluem (1):

  • Confiança: Inclinação a acreditar que as pessoas são honestas e bem-intencionadas.
  • Franqueza: Simplicidade e sinceridade na expressão de opiniões e pensamentos; avalia o comportamento ético e a retidão.
  • Altruísmo: Ação e dedicação à promoção do bem-estar dos outros; generosidade e disposição para ajudar seus semelhantes.
  • Conformidade: Inibição da agressão, deferência aos outros para evitar conflitos interpessoais.
  • Modéstia: Humildade ao falar de suas próprias realizações.
  • Empatia: Simpatia e preocupação com as dificuldades e necessidades dos outros.

5. Neuroticismo (Neuroticism)

O Neuroticismo foca na experiência de emoções negativas. Indivíduos com alto neuroticismo são mais propensos a mudanças de humor e reatividade emocional. Este fator também é chamado de “estabilidade emocional”, referindo-se ao polo oposto do neuroticismo (1).

  • Altas pontuações: Tendem a experimentar intensamente emoções negativas e têm dificuldades para controlá-las. Geralmente são vulneráveis à angústia psicológica.
  • Baixas pontuações: Tipicamente mais estáveis em sua experiência emocional. São mais calmos e relaxados em situações de estresse e demoram a ficar irritados. Geralmente confiam em sua capacidade de lidar com situações estressantes e não internalizam desconfortos sociais.

As facetas do Neuroticismo incluem (1):

  • Ansiedade: Disposição ao medo, à tensão, à inquietação.
  • Hostilidade: Sensibilidade para experimentar frustração, amargura e raiva.
  • Depressão: Propensão a experimentar sintomas depressivos, como perda de energia, dificuldade de concentração e problemas de sono.
  • Autoconsciência: Desconforto em relação aos outros; experiências de vergonha e constrangimento.
  • Impulsividade: Incapacidade de controlar os próprios desejos e impulsos.
  • Vulnerabilidade: Dificuldade em lidar com o estresse; dependência de apoio dos outros.

Medição dos Cinco Fatores

Os cinco fatores foram consistentemente confirmados através de diversas técnicas de avaliação, incluindo autorrelatos, testes objetivos e relatórios de observadores (1). Com base nesses achados, alguns autores desenvolveram o “Inventário de Personalidade NEO” (NEO PI-R), disponibilizado em várias versões revisadas (1). No Brasil, o NEO PI-R é considerado adequado para uso (1). Embora outros testes tenham sido propostos para medir os cinco grandes fatores, o NEO continua sendo a técnica mais utilizada (1). É importante ressaltar que, como todos os inventários de autorrelato, os resultados do NEO podem ser distorcidos pelo comportamento deliberado dos sujeitos que desejam transmitir uma impressão de ajuste psicológico positivo (1).


Origem e Consistência Intercultural dos Fatores

Estudos com gêmeos revelaram que quatro dos cinco fatores apresentam um componente de hereditariedade: neuroticismo, extroversão, abertura à experiência e conscienciosidade (1). A amabilidade/socialização, por sua vez, demonstra um forte componente ambiental (1).

A consistência intercultural desses cinco fatores tem sido observada tanto em culturas orientais quanto ocidentais, o que também corrobora o componente genético (1). Os autores McCrae e Costa notaram que os cinco grandes fatores e seus respectivos traços parecem representar uma “estrutura comum de personalidade humana” que transcende diferenças culturais, tendo sido encontrados em mais de 50 países (1). É importante notar que os países onde os cinco fatores foram medidos tendem a ser sociedades urbanas, alfabetizadas e com alto nível educacional (1).


Variações Culturais e de Gênero

Valor Relativo por Cultura

Apesar da universalidade dos fatores em culturas urbanas, foram identificadas grandes diferenças na importância relativa e na desejabilidade social que eles possuem (1). Por exemplo, australianos consideram a extroversão e a socialização mais desejáveis que os outros três traços (1). Em contraste, japoneses consideram a conscienciosidade o fator mais importante (1).

Diferenças entre Gêneros

Parece haver diferenças consistentes entre os gêneros em relação aos cinco fatores (1). Um estudo revelou que as mulheres apresentam maiores níveis de neuroticismo, extroversão, socialização e conscienciosidade do que os homens (1).

Autopercepção e Percepção dos Outros

Há uma coerência entre as culturas na forma como as pessoas veem sua própria personalidade e a dos outros (1). Indivíduos tendem a se perceber como mais neuróticos e abertos a experiências do que são vistos pelos outros, e também tendem a perceber os outros com um nível maior de conscienciosidade do que atribuem a si mesmos (1).


Correlações Emocionais e Comportamentais

Bem-Estar Emocional e Felicidade

Diversos estudos indicam que a extroversão está positivamente correlacionada ao bem-estar emocional, enquanto o neuroticismo se relaciona negativamente (1). Pessoas com altas pontuações em extroversão e baixas em neuroticismo são geneticamente predispostas à estabilidade emocional (1). Um estudo com universitários verificou que indivíduos com alta extroversão eram mais capazes de lidar satisfatoriamente com o estresse da vida diária do que aqueles com baixa extroversão (1). Extrovertidos também demonstram maior tendência a buscar apoio social para lidar com o estresse (1). Observou-se que os aspectos de depressão do neuroticismo e de emoções positivas/alegria da extroversão são preditores mais consistentes de satisfação geral na vida e de bem-estar emocional (1). Além disso, pessoas com alta amabilidade/socialização são cooperativas, prestativas, altruístas, honestas e desprendidas (1). O sofrimento psicológico tem sido associado a altas pontuações no fator neuroticismo (1).

Popularidade e Sucesso

Estudos revelaram que indivíduos com alta pontuação em extroversão desfrutam de status mais elevados e posições de destaque entre os colegas (1). Outro estudo indicou que aqueles com altos níveis de conscienciosidade eram mais propensos a serem aceitos pelos colegas, a ter mais e melhores amizades e a ser menos alvos de agressões do que aqueles com baixa conscienciosidade (1). Extrovertidos tendem a experimentar um número maior de eventos positivos, como boas notas, aumento salarial ou casamento. Estudantes com elevada pontuação em neuroticismo eram mais predispostos a eventos negativos, como doenças, ganho de peso, multas de trânsito ou recusa de matrícula em cursos de pós-graduação (1). Uma pesquisa nos EUA descobriu que pessoas com maior nível de extroversão e socialização eram classificadas por outras pessoas como fisicamente mais atraentes (1).

Correlações Comportamentais

Características Pessoais

Pessoas com elevada abertura à experiência tendem a apresentar uma ampla gama de interesses intelectuais e a buscar desafios (1). Elas têm maior probabilidade de mudar de emprego, de experimentar diferentes carreiras e possuem expectativas de experiências de vida mais variadas do que aquelas com baixa pontuação (1). Indivíduos com maior pontuação em abertura à experiência e extroversão são mais propensos a atuar como trabalhadores autônomos (1). Extrovertidos também tendem a ser mais ativos durante a aposentadoria e a estar mais satisfeitos com essa situação (1).

Pessoas com elevada conscienciosidade tendem a ser honestas, responsáveis, pontuais, eficientes, confiáveis e geralmente obtêm notas escolares mais altas (1). Um estudo encontrou que indivíduos com maior conscienciosidade eram mais organizados, autodisciplinados e orientados à conscienciosidade em termos de planejamento de metas futuras (1). Pessoas com elevada conscienciosidade são mais propensas a estabelecer metas mais altas, a esforçar-se para atingi-las, a tomar iniciativas de comportamento positivo no trabalho e a receber classificações mais altas de desempenho (1).

Saúde Física

Pesquisas indicam que indivíduos com elevada pontuação em conscienciosidade são mais propensos a serem mais saudáveis e a viver mais (1). Um estudo encontrou que aqueles com maior conscienciosidade mostraram mais responsabilidade em se engajar em comportamentos saudáveis (1). Pesquisas realizadas com indivíduos com TDAH descobriram que sintomas como hiperatividade, impulsividade, desatenção e desorganização comportamental e cognitiva eram significativamente menos frequentes naqueles que pontuaram mais alto em amabilidade/socialização do que nos que pontuaram mais baixo (1).

Outro estudo encontrou que duas características relacionadas à saúde, peso e sono, também podem ser afetadas pelo tipo de personalidade (1). Pesquisas conduzidas na Austrália e na Finlândia revelaram que indivíduos com altos níveis de extroversão, amabilidade/socialização e conscienciosidade dormiam mais e melhor, enquanto aqueles com alto neuroticismo relatavam ter pior qualidade de sono (1). Na Coreia, descobriu-se que homens com sobrepeso ou obesidade tinham maior abertura para novas experiências e menor conscienciosidade. Já as mulheres com sobrepeso apresentavam menores pontuações em neuroticismo e em abertura a novas experiências (1).

Comportamento Crimin.oso e Dependente

Em adultos, observou-se que aqueles com menor pontuação em conscienciosidade e amabilidade/socialização eram muito mais propensos a fazer uso de álcool ou drogas ilícitas do que aqueles com alta pontuação nesses fatores (1). Na Finlândia, um estudo encontrou que indivíduos com alto nível de amabilidade/socialização relataram menos alcoolismo e níveis mais baixos de depressão, além de apresentarem menores taxas de prisão e maior estabilidade na carreira (1). Na Noruega, verificou-se que o neuroticismo está ligado à dependência de internet, exercícios, estudos e compras compulsivas. A extroversão está ligada à dependência de Facebook e smartphones, bem como à dependência de exercícios e a compras compulsivas (1).

Relações Sociais

Verificou-se que estudantes com alta extroversão fizeram mais amizades durante o período universitário e foram mais propensos a se apaixonar (1). Aqueles com maior amabilidade/socialização experimentaram menos conflitos com pessoas do sexo oposto, e os com elevada conscienciosidade eram mais propensos a manter mais contato com pais e irmãos (1).

Outro estudo encontrou que estudantes que continuavam morando com os pais apresentavam pontuações mais baixas em abertura a novas experiências (1). Já os estudantes que optaram por morar com colegas demonstraram aumento na abertura a novas experiências, enquanto os que foram morar com parceiros românticos apresentaram um aumento na conscienciosidade (1).

Estudos detalharam até mesmo a diferença entre “fãs” de cachorros e gatos: indivíduos que preferem cachorros possuem alto nível de extroversão, amabilidade/socialização e conscienciosidade, mas baixos níveis de neuroticismo e abertura à experiência, quando comparados àqueles que preferem gatos (1).


Referências Bibliográficas

  1. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. Teorias da Personalidade. 4. ed. CENGAGE, 2021.