Neuroplasticidade: Adaptação e Reorganização do Sistema Nervoso
Introdução
A neuroplasticidade é a capacidade inerente ao sistema nervoso de se modificar e se reorganizar em resposta a estímulos e demandas intrínsecas e extrínsecas, englobando alterações estruturais e funcionais que sustentam o aprendizado e a recuperação.
Conceito de Neuroplasticidade
A neuroplasticidade pode ser definida como a capacidade de mudança do sistema nervoso. Este conceito abrange a habilidade do sistema nervoso de realizar alterações estruturais em resposta a demandas tanto internas quanto externas. A aprendizagem e o comportamento, ao longo da vida, parecem modular a neurogênese. As alterações plásticas também podem envolver a capacidade dos neurônios de modificar sua função, a quantidade e o tipo de neurotransmissores que produzem. Essas modificações na estrutura e na função dos componentes básicos do sistema nervoso são exemplos cruciais de plasticidade (1).
O cérebro é um conjunto de estruturas que determinam a interação do indivíduo com o mundo. Sua organização se diferencia ao longo do desenvolvimento, crescimento e envelhecimento, refletindo as experiências vividas e resultando em modificações na forma, tamanho e funções do sistema nervoso. Ele é uma estrutura adaptável, capaz de sofrer mudanças e transformações, sendo por isso adjetivado como “plástico”. Esse termo exalta sua alta capacidade de adaptação e resposta a estímulos, afastando-se de conceitos antigos de que o cérebro seria imutável.
A neuroplasticidade pode ser definida como a habilidade do sistema nervoso de responder a estímulos intrínsecos ou extrínsecos, reorganizando sua estrutura, função e conexões. As alterações neurais plásticas estão associadas ao desenvolvimento e ao aprendizado, ocorrendo ao longo da vida e podendo ser intensificadas após lesões. Elas são influenciadas pela experiência e pelo contexto em que essa experiência se manifesta.
Evidências de mudanças neurais plásticas são observáveis em múltiplos níveis, incluindo alterações celulares/sinápticas, modificações na estrutura e função de regiões e redes cerebrais, e mudanças comportamentais, como aprimoramento de habilidades e adaptabilidade. Há fortes evidências científicas que demonstram a notável capacidade de plasticidade e reorganização do cérebro, embora a aplicação desse conhecimento para otimizar resultados clínicos ainda esteja em estágios iniciais.
Tipos de Neuroplasticidade
A literatura descreve dois tipos principais de plasticidade neural: a expectante de experiência e a dependente da experiência.
Plasticidade Expectante de Experiência
Este tipo de plasticidade ocorre durante o desenvolvimento pré-natal e pós-natal típico, quando se espera que o bebê seja exposto a estímulos ambientais suficientes em momentos específicos. Se a qualidade e quantidade adequadas de experiências não forem fornecidas, o desenvolvimento normal pode ser comprometido. Sistemas sensoriais, como visão e audição, exemplificam essa plasticidade. Eles estão prontos para funcionar ao nascimento, mas requerem a exposição à luz e ao som para completar sua maturação. A privação sensorial durante períodos críticos pode levar a falhas no desenvolvimento esperado da visão e audição (1).
Plasticidade Dependente da Experiência
A plasticidade neural dependente da experiência permite que o sistema nervoso integre informações de experiências ambientais que são relativamente imprevisíveis e idiossincráticas. Essas experiências são exclusivas do indivíduo e dependem do contexto de desenvolvimento, como o ambiente físico, social e cultural. Este processo também pode ser referido como plasticidade ecológica ou plasticidade dependente de atividade.
Mecanismos da Neuroplasticidade
A capacidade de reorganização do cérebro é um processo complexo que envolve:
- Mudanças celulares/sinápticas: Refere-se à capacidade dos neurônios de alterar sua função, a quantidade e o tipo de neurotransmissores produzidos. As mudanças na estrutura e função dos componentes do sistema nervoso são exemplos importantes de plasticidade.
- Alterações na estrutura e função de regiões e redes cerebrais: O cérebro reorganiza-se ao longo do desenvolvimento, crescimento e envelhecimento em resposta às experiências vividas, levando a alterações na forma, tamanho e funções do sistema nervoso.
Neuroplasticidade e Condições Clínicas
Neuroplasticidade Negativa
A neuroplasticidade negativa refere-se a alterações cerebrais que fortalecem vias neurais prejudiciais. Pesquisadores investigam a relação entre neuroplasticidade e condições como depressão e dependência química, onde a depressão pode induzir traumas cerebrais ao consolidar essas vias disfuncionais.
Neuroplasticidade Positiva
Em contraste, a neuroplasticidade positiva envolve o crescimento e o fortalecimento de conexões neurais saudáveis, representando o potencial de cura da neuroplasticidade. A pesquisa busca induzir a neuroplasticidade positiva e interromper a negativa para tratar transtornos como depressão, ansiedade, TDAH e dependência.
Neuroplasticidade e Recuperação de Função
Após uma lesão cerebral, como um acidente vascular cerebral (AVC), o indivíduo enfrenta desafios na sensibilidade, movimento, comunicação e atividades diárias. Os efeitos imediatos e de longo prazo do AVC frequentemente resultam em hipertonia e espasticidade. Os prejuízos afetam a sensação, o movimento, a cognição, as funções psicológicas e emocionais, e podem reduzir a independência e a qualidade de vida. No entanto, é possível observar melhora e alguma recuperação das habilidades perdidas. A trajetória de recuperação, seja espontânea ou com suporte, pode estender-se por dias, semanas e meses após o AVC.
Mudanças plásticas neurais ocorrem após lesões cerebrais como o AVC, podendo manifestar-se dias, semanas, meses e até anos após o evento. Essas mudanças podem ser adaptativas ou não adaptativas. Por exemplo, um indivíduo pode desenvolver a tendência de não utilizar o membro afetado ou adotar posturas distônicas após a perda sensorial. É fundamental aproveitar essa “janela de oportunidade” para a recuperação contínua, tanto a curto quanto a longo prazo.
As mudanças neurais plásticas são dependentes da experiência e do aprendizado. A aprendizagem é o processo de aquisição de uma mudança relativamente duradoura em conhecimentos e habilidades, e, embora não possa ser medida diretamente, sua avaliação pode abordar diferentes critérios. Há um potencial para que o fenômeno da plasticidade neural seja moldado pelas experiências que ocorrem após o AVC e seja positivamente impactado pela reabilitação.
A neurorreabilitação pode ser definida como a facilitação da aprendizagem adaptativa. A reabilitação pós-AVC baseada na neurociência é atualmente reconhecida por sua capacidade de alcançar resultados mais restauradores. A experiência e a plasticidade dependente de aprendizagem são fundamentais para essa transformação. Existem diferentes condições sob as quais essa plasticidade pode ser aumentada, facilitada e/ou consolidada. Essas condições provavelmente afetam o tipo de neuroplasticidade facilitada e os resultados comportamentais observados. Um conhecimento aprofundado desses fatores auxiliará no desenvolvimento de intervenções baseadas na neurociência.
A identificação de evidências de alterações neuroplásticas é crucial, por exemplo, ao nível celular e de redes neurais, incluindo mudanças sinápticas, redes cerebrais e conectividade funcional. Para o conceito de recuperação pós-AVC, é fundamental considerar os desfechos relacionados ao comprometimento, desempenho, participação e qualidade de vida em diferentes fases da recuperação e em relação à reabilitação.
Neuroplasticidade e Reabilitação
Tradicionalmente, a reabilitação de pacientes pós-AVC focava no tratamento de deficiências neurológicas primárias, como fraqueza muscular e perda de coordenação, através de exercícios guiados. Embora 60% a 80% dos pacientes consigam andar de forma independente após a alta, a recuperação motora dos membros superiores ainda representa um desafio significativo na neurorreabilitação. A perda da função dos membros superiores é uma sequela comum e incapacitante.
Em um córtex cerebral saudável, um equilíbrio nas interações inter-hemisféricas, mediado pelo corpo caloso, é essencial para movimentos voluntários normais. Após uma lesão unilateral, esse equilíbrio é alterado, levando à hiperexcitabilidade do córtex motor não afetado. O hemisfério intacto, então, exerce uma ação inibitória sobre o hemisfério lesado, um fenômeno conhecido como inibição inter-hemisférica.
A reabilitação impacta significativamente a neuroplasticidade, embora os mecanismos plásticos do sistema nervoso central (SNC) não estejam totalmente elucidados. No entanto, com o avanço das técnicas de intervenção e avaliação da neuromodulação, é possível estabelecer protocolos de reabilitação que buscam maior potenciação para a recuperação do SNC após uma lesão, resultando em melhoria da funcionalidade e qualidade de vida.
Abordagens de reabilitação, como o treinamento orientado para tarefas que enfatizam alta repetição e desafios, facilitam a recuperação da mobilidade e função em populações neurológicas. Contudo, as respostas são variáveis e déficits residuais frequentemente persistem. Ainda há muito a ser aprendido sobre como fornecer as melhores intervenções para otimizar a neuroplasticidade adaptativa do sistema nervoso e o aprendizado que, em última instância, levam à recuperação funcional ideal.
Pesquisadores têm explorado se déficits no planejamento motor de passos podem ser reduzidos por fisioterapia focada em retreinamento de passos rápidos (aplicada ao desempenho no esporte) ou por terapia convencional focada em treinamento de equilíbrio e mobilidade em indivíduos com AVC subagudo. Ambas as intervenções alteraram medidas eletroencefalográficas indicativas da duração do planejamento motor e da amplitude da passada. As mudanças na duração para todos os participantes se moveram em direção aos valores de adultos saudáveis. Esses achados sugerem que a fisioterapia pode impulsionar a neuroplasticidade para melhorar o início da passada em indivíduos após o AVC.
O exercício aeróbio também promove a neuroplasticidade e a recuperação funcional em muitos distúrbios neurológicos. Estudos utilizando protocolos com estimulação magnética transcraniana examinaram as mudanças na excitabilidade cerebral da extremidade superior após uma sessão de exercícios aeróbios em indivíduos com esclerose múltipla progressiva que necessitam de dispositivos para andar. Melhorias na excitabilidade cerebral foram encontradas após os exercícios aeróbios, sugerindo a possibilidade de neuroplasticidade nessa população. Estudos envolvendo exercícios aeróbios indicam que os resultados da neuroplasticidade são mais pronunciados em indivíduos com maior aptidão cardiorrespiratória e menor percentual de gordura corporal. Evidências científicas apontam que manter um estilo de vida ativo e participar de exercícios aeróbicos pode ser benéfico para a saúde cerebral e a neuroplasticidade em pessoas com esclerose múltipla progressiva (MACHADO E HAERTEL, 2014).
Tipos de Neuroplasticidade na Reabilitação
Neuroplasticidade Funcional
A neuroplasticidade funcional está relacionada a mudanças no funcionamento fisiológico dos neurônios, como alterações na excitabilidade, nível de resposta ou sincronicidade dentro das redes neurais. No entanto, a duração do efeito sugere que nem toda plasticidade funcional tem relevância direta para a reabilitação. A plasticidade sináptica de curto prazo corresponde a um aumento ou diminuição da probabilidade de liberação de neurotransmissores em menos de alguns minutos (possivelmente apenas dezenas de milissegundos), por meio de facilitação neural, aumento sináptico ou fadiga/depressão sináptica.
Outros mecanismos resultam em potencialização sináptica de longo prazo ou depressão com duração de horas ou semanas, podendo se estender por anos em populações de células selecionadas. A eficácia sináptica pode depender da história de sua atividade, relacionada à experiência na vida diária (potencialmente potencializada pela reabilitação), seja fisiológica ou patológica (como na distonia ou epilepsia). Isso contribui para o armazenamento de informações no sistema nervoso. As representações corticais de partes do corpo podem ser alteradas pela experiência, e esse remapeamento pode ser potencialmente facilitado por reabilitação ou estimulação cerebral.
Neuroplasticidade Estrutural
Em uma escala mais ampla, a neuroplasticidade estrutural envolve mudanças regionais de volume ou a formação de novas vias neurais, por meio de sinaptogênese, brotamento axonal ou dendrítico, mudanças na mielina ou produção de novos neurônios. Embora historicamente se considerasse a geração de novos neurônios impossível no cérebro humano após a infância (em contraste com outros mamíferos), a neurogênese no cérebro adulto tem sido documentada em várias regiões, embora sua função ainda precise ser totalmente esclarecida.
Os mecanismos mais relevantes para os distúrbios do neurodesenvolvimento e da reabilitação provavelmente envolvem o fortalecimento de conexões anteriormente silenciosas e subutilizadas (por exemplo, projeções espinhais do trato corticoespinhal ipsilateral), por meio de potencialização sináptica de longo prazo, produção de novas sinapses, brotamento de fibras e alterações de mielina. A compreensão atual da neuroplasticidade implica que as sinapses, fibras e células são superproduzidas no início da maturação e, subsequentemente, competem pela sobrevivência e eficácia nas redes funcionais. A atividade local induz plasticidade local e mudanças generalizadas de rede, conforme previsto por um modelo baseado em atividades. Isso também fornece argumentos para a promoção de atividades, experiências e intervenções autoiniciadas, fornecidas próximo ao momento da lesão e durante períodos sensíveis. Vias alternativas após a lesão cerebral são geralmente menos eficientes, embora a terapia possa ajudar a fortalecê-las e melhorar sua função.
Referências Bibliográficas
- Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências – Desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed; 2017. 974 p.