Ácidos Graxos Ômega-3: Impactos na Saúde e Aplicações Clínicas
Os ácidos graxos ômega-3 são ácidos poli-insaturados essenciais, compreendendo principalmente o ácido alfa-linolênico (ALA), o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA). Esses compostos e seus metabólitos desempenham papéis cruciais em diversos processos biológicos, desde a modulação da inflamação até a saúde cardiovascular e neurológica. Este documento técnico visa explorar a composição, biodisponibilidade, recomendações de ingestão, benefícios e considerações de segurança relacionadas aos ômega-3.
Composição e Fontes de Ômega-3
Os principais representantes dos ácidos graxos ômega-3 são o ácido linolênico – 18:3 (ALA), o ácido eicosapentaenoico – C20:5 (EPA) e o ácido docosahexaenoico – C22:6 (DHA) (1-4). Esses compostos dão origem a eicosanoides, como prostaciclinas, prostaglandina E3 e tromboxano A, que influenciam processos corporais como transporte de cálcio, angiogênese, apoptose, proliferação e função imune celular (2, 3).
A principal função da suplementação de ômega-3 é inibir competitivamente o metabolismo do ácido araquidônico, derivado de fontes animais e/ou sintetizado a partir do ácido graxo linoleico – C18:2 (ômega-6), reduzindo assim a geração de agentes pró-inflamatórios (2, 3, 5). Embora ambos os grupos produzam eicosanoides, os derivados do ácido araquidônico formam agentes pró-inflamatórios, enquanto os derivados do ômega-3 formam agentes anti-inflamatórios (2).
Fontes Alimentares
- DHA: Encontrado preferencialmente em animais marinhos de água fria (1). É seletivamente armazenado no cérebro, onde está envolvido na regulação metabólica, crescimento e desenvolvimento cerebral normais, neurotransmissão, mensagens lipídicas, expressão gênica e síntese da membrana celular (3).
- EPA e DHA: Principalmente encontrados em peixes e algas. As fontes mais importantes incluem salmão (14,3 mg/g), truta (7,6 mg/g) e sardinha (5,1 mg/g) (4).
- ALA: Presente em alimentos de fonte vegetal como castanha-do-brasil, castanha de caju, chia, avelãs, amêndoas, nozes, abacate, linhaça, e em óleos vegetais como soja, canola, algodão e cânhamo (1, 4). As fontes mais importantes de ALA são os óleos de linhaça (533 mg/g) e óleo de soja (68,8 mg/g) (4).
O ALA é um precursor do EPA e DHA, mas a taxa de conversão em humanos é muito baixa: <3% para DHA e 5−10% para EPA (4). Embora as fontes vegetais de ômega-3 sejam importantes para a saúde, sua função biológica depende diretamente da síntese endógena de EPA/DHA (4). Essa capacidade de síntese é reduzida, indivíduo-específica e fortemente influenciada pelo teor de ácidos graxos ômega-6 na dieta, uma vez que ambos competem pelas mesmas enzimas (4).
Os ácidos graxos ômega-3 estão relacionados a diversos benefícios, incluindo o controle da pressão arterial, diabetes, artrite e câncer, mas são especialmente importantes na prevenção de doenças cardiovasculares (1). Seus principais benefícios estão ligados aos seus efeitos anti-inflamatórios, reduzindo a produção de citocinas inflamatórias como interleucina-1β (IL-1β), interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral α (TNF-α), proteína C reativa (PCR) e interferona γ (IFN-γ) (1).
Biodisponibilidade e Recomendações Nutricionais
Estudos mostram perdas mínimas de EPA e DHA em processos de aquecimento como cozimento em forno ou micro-ondas (4). Contudo, o enlatamento de atum, uma forma amplamente consumida, pode resultar na perda de 100% desse nutriente (4).
Recomendações de Ingestão
Não existem Recomendações de Ingestão Dietética (DRIs) específicas estabelecidas para ômega-3 (4). No entanto, algumas sugestões incluem:
- Adultos: Mínimo de 500 mg/dia de EPA/DHA, conforme recomendado pela ADA (3).
- Melhores respostas biológicas: Observadas com consumo ≥ 1800 mg/dia de EPA e DHA (4).
- Proporção Ômega-6/Ômega-3: A proporção ideal é estimada em 2:1 ou 3:1 (3). O consumo exagerado de ômega-6 pode levar a um quadro de inflamação generalizada (6).
Suplementação Nutricional
A suplementação de ômega-3 tem sido indicada para diversas condições:
- Gestantes: Mínimo de 300 mg/dia de DHA (recomendações maiores podem existir) (3).
- Gestantes de gêmeos: 300–500 mg/dia de DHA/EPA (3).
- Cólicas menstruais: 1 g/dia (8).
- Ansiedade: 1–3 g/dia (3).
- Depressão: 1–3 g/dia (3).
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): 1–3 g/dia (3).
- Transtornos Alimentares: 1–3 g/dia (3).
- Doenças Cardiovasculares (DCV): 1 g/dia (3).
- Hipertrigliceridemia: 2–4 g/dia (3).
- Pacientes reumáticos: Doses diárias de EPA 50 mg/kg/dia e DHA 30 mg/kg/dia (3).
- Síndrome do Intestino Irritável (SII): Foram observados benefícios com 4 g/dia (6).
- Hipertensão Arterial: 4 g/dia (3).
Nota: Dificilmente um paciente consumirá mais do que 3 cápsulas/dia, tornando as dosagens “ideais” muitas vezes irrealistas.
Segurança e Certificação de Suplementos
Em contraste com os potenciais benefícios, é crucial atentar para a presença de contaminantes como metais pesados (especialmente mercúrio), hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), bifenilos policlorados (PCBs), éteres difenílicos polibromados (PBDEs), dioxinas, furanos e pesticidas clorados, que podem estar presentes no peixe (4). A exposição humana ao metilmercúrio (MeHg), a forma mais tóxica e facilmente absorvida do mercúrio, é uma grande preocupação (4).
Em resposta a esses contaminantes, foram criados selos de certificação de pureza:
- IFOS: Atesta a ausência de dioxinas, furanos, PCBs, cádmio, chumbo e arsênico, além de testar ácidos graxos essenciais e oxidação (4).
- MEG-3: Garante a sustentabilidade e segurança, atestando a procedência do óleo de peixe de áreas não contaminadas do oceano (4).
- USP: Certifica a pureza e a qualidade da matéria-prima (4).
Orientações Nutricionais para Pacientes
- Exigir o certificado de ausência de metais pesados no suplemento.
- Consumir o suplemento junto com outras fontes de gordura para melhorar a absorção (3).
- A adição de antioxidantes como a Vitamina E é benéfica para a preservação do produto (3).
Efeitos Fisiológicos e Aplicações Clínicas
Inflamação
O EPA e o DHA são biologicamente mais potentes que o ácido α-linolênico na modulação da resposta inflamatória (7). Devido à produção de eicosanoides anti-inflamatórios, o ômega-3 diminui a expressão de genes inflamatórios como o do fator de necrose tumoral alfa e o da interleucina-1 (3). O consumo de ômega-3 provoca uma competição entre o EPA e o ácido araquidônico (ômega-6), que possui propriedades pró-inflamatórias (7). As resolvinas e protectinas, moléculas derivadas do metabolismo do ômega-3, conduzem ativamente a resolução da inflamação (6). Os benefícios do ômega-3 podem ser parcialmente explicados pela redução de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1β, IL-6), metabólitos do óxido nítrico e redução da mieloperoxidase-9 (MMP-9) (7).
Cólicas Menstruais
Estudos mostram que o óleo de peixe é capaz de suprimir a síntese de prostaglandinas e tromboxanos, de forma similar ao ibuprofeno (8). Alguns estudos indicam uma redução na severidade dos sintomas da cólica com o uso de ômega-3 (1 g/dia, mas doses de até 4 g/dia foram utilizadas), com efeitos até superiores aos do ibuprofeno (8).
Perfil Lipídico
O ômega-3 é capaz de reduzir as concentrações de triglicerídeos pela inibição da síntese de VLDL e apo B-100, diminuindo a lipemia pós-prandial (3). A suplementação de AG n-3 pode diminuir a concentração de lipídios séricos em indivíduos com dislipidemias, principalmente triglicerídeos, além de mostrar uma diminuição do LDL e aumento do HDL (1).
Problemas Cardíacos
Altas doses de ômega-3 (3 g/dia) podem ter efeitos antiateroscleróticos, reduzindo o risco de eventos cardiovasculares (5). Ácidos graxos ω-3 e ω-6 atuam como ligantes para a família do Receptor Ativado pelo Proliferador do Peroxissomo (PPAR), que são importantes reguladores do metabolismo lipídico e lipoproteico, e influenciam a homeostase da glicose, proliferação e diferenciação de adipócitos, e formação de células espumosas (3). Estudos observacionais indicam que o ômega-3 exerce efeito cardioprotetor através da modulação de diversas vias metabólicas, incluindo ativação da lipase lipoproteica (LLP), inibição da proteína de transferência de éster de colesterol (CETP), melhora do perfil qualitativo das subfrações de LDL, aumento do HDL, modulação de vias inflamatórias (NF-Kb e GPR120), agregação plaquetária, estabilização da placa aterosclerótica, redução da pressão arterial e menor mortalidade por doença arterial coronariana (4).
Saúde Óssea / Osteoporose
Alguns estudos relacionam maior consumo de ômega-3 à saúde óssea (6). O ômega-3 parece influenciar positivamente a osteoporose, reduzindo a inflamação crônica de baixa intensidade (4). Diminui a liberação de prostaglandina E2 (PGE2), que, em baixos níveis, estimula a formação óssea pelos osteoblastos, permitindo a apoptose dos osteoclastos e interferindo negativamente na diferenciação de células precursoras em osteoclastos (4). Uma relação ômega-6/ômega-3 aumentada está associada à inflamação e à osteoporose (4). Portanto, a suplementação visa equilibrar essa razão (4). O mecanismo exato pelo qual o ômega-3 interfere no remodelamento ósseo ainda não é totalmente claro (4).
Outras Aplicações Clínicas
- Emagrecimento: Otimização da utilização de ácidos graxos pelo músculo, aumentando a expressão de enzimas oxidativas (1).
- Hipertrofia: Aumento da síntese proteica muscular (9).
- Imunidade: Evidências limitadas, mas foi observada redução da incidência de infecções do trato respiratório superior (1).
- Hipertensão Arterial: Suplementação com altas doses de óleo de peixe (média de 3,7 g/dia) pode promover uma modesta redução da Pressão Arterial Sistólica (PAS) e Diastólica (PAD), especialmente em idosos (3).
- Cognição: Redução do declínio cognitivo após lesão e menor risco de demência (4, 9).
- Artrite Reumatoide: Redução dos sintomas e das concentrações séricas de IL-1β, e menor experiência de dor (4, 7). O DHA pode influenciar receptores opioides em células nervosas, modulando a sensação de dor (4).
- Doenças Neurodegenerativas: Eficácia no controle de processos inflamatórios e oxidativos, e melhora da qualidade de vida em pacientes com Alzheimer e esclerose múltipla (4).
- Doenças Alérgicas: Sugerido para tratamento ou redução do risco, mas com resultados limitados na maioria dos estudos (7).
- Doenças Inflamatórias Intestinais (DII): Em modelos experimentais, o óleo de peixe demonstrou ser eficaz na redução da geração de eicosanoides inflamatórios e na atenuação da lesão orgânica (7).
- Câncer: Estipula-se que o consumo de ômega-3 seja protetor para câncer de cólon e próstata (3).
Desempenho Esportivo
Estudos não encontraram evidências de que a suplementação de ômega-3 melhore diretamente o rendimento esportivo ou o VO2 máx. / desempenho aeróbio (1, 2). No entanto, pode contribuir para o retardo da fadiga, redução da dor do exercício, diminuição da resposta inflamatória e da broncoconstrição induzida pelo exercício (BIE) (1). Também pode melhorar a perfusão e oxigenação muscular através de modificações nas propriedades da membrana dos eritrócitos (1). O ômega-3 aumenta a capacidade muscular de utilizar ácidos graxos como substrato energético, mas isso não se traduz necessariamente em melhora de desempenho (1).
Coagulação Sanguínea e Vasodilatação
Os ômega-3 podem interferir na coagulação sanguínea e alterar a síntese de prostaglandinas (3). Também estimulam a produção de óxido nítrico (NO), promovendo a vasodilatação (3).
Referências Bibliográficas
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