Manejo Nutricional na Pancreatite Aguda: Estratégias e Recomendações


Manejo Nutricional na Pancreatite Aguda: Estratégias e Recomendações


Introdução

A pancreatite aguda é uma condição inflamatória do pâncreas com um espectro de gravidade variável, desde casos leves que demandam mínima intervenção até quadros graves associados a alta morbidade e mortalidade. A terapia nutricional desempenha um papel crítico no suporte a esses pacientes, com diretrizes específicas que visam otimizar o estado metabólico e minimizar complicações.


Fisiopatologia da Pancreatite Aguda

A gravidade da pancreatite aguda é determinada pela combinação de sinais, sintomas, achados laboratoriais e de imagem no momento da internação e após 48 horas (1).

Cerca de 80% dos casos de pancreatite aguda são leves, necessitando de intervenção mínima. No entanto, os restantes 20% são considerados graves, frequentemente associados à síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e à sepse, o que demanda uma abordagem terapêutica mais complexa, prolonga o tempo de internação e confere uma mortalidade que pode variar de 20% a 50%, especialmente se houver infecção ou insuficiência orgânica (1).

Pancreatite Aguda Grave

A pancreatite aguda grave caracteriza-se por uma intensa resposta inflamatória sistêmica, insuficiência orgânica múltipla e um estado de hipermetabolismo, resultando em aumento do gasto energético e catabolismo proteico acentuado (1). O balanço nitrogenado pode atingir perdas diárias de até 40 g, o que pode levar rapidamente o paciente a uma desnutrição aguda avassaladora (1).


Terapia Nutricional

A terapia nutricional é um pilar fundamental no manejo da pancreatite aguda, com abordagens específicas para quadros leves e graves.

Recomendações Calóricas e Macronutrientes

Para pacientes com pancreatite aguda grave, as necessidades calóricas geralmente variam de 25 a 35 kcal/kg/dia, sendo recomendado o extremo inferior dessa faixa para pacientes mais críticos (1). As necessidades proteicas ficam em torno de 1,2 a 1,5 g/kg/dia (1).

Para a composição de macronutrientes, sugere-se:

  • Carboidratos (CHO): 35−65% do Valor Energético Total (VET) (1).
  • Proteínas: 1,5−2,0 g/kg/dia (desde que não haja aumento da ureia plasmática) (1).
  • Gorduras: 0,9−1,0 g/kg/dia (1).

Início da Dieta Oral (Pancreatite Leve/Moderada)

Em casos de pancreatite leve a moderada, o repouso do trato digestório por 2 a 5 dias é geralmente suficiente para a resolução da dor abdominal e a diminuição dos níveis séricos de enzimas pancreáticas (amilase e lipase) (1). Esses são critérios comumente utilizados para o início da dieta oral (1). No entanto, estudos indicam que a introdução precoce da dieta oral não altera a evolução do processo (1).

Quando a dieta oral é iniciada, recomenda-se uma dieta hipolipídica, começando com consistência líquida e progredindo conforme a tolerância do paciente (1).

Nutrição Enteral (NE)

Historicamente, havia uma preocupação em manter o pâncreas em repouso, evitando a secreção exócrina pancreática (1). Atualmente, reconhece-se que a secreção pancreática está abolida em pacientes graves, e o estímulo pela colecistoquinina (CCK) é mínimo (1). Além disso, a capacidade secretora do pâncreas demora a se restabelecer, mesmo com nutrição via trato gastrointestinal (TGI) (1).

Múltiplos estudos ratificam a superioridade da nutrição enteral sobre a parenteral na pancreatite (1). Portanto, a recomendação atual é iniciar a nutrição enteral o mais precocemente possível, dentro de 48 horas do diagnóstico, desde que o paciente apresente parâmetros adequados de perfusão tecidual (1).

Posição da Sonda de NE

A via gástrica pode ser utilizada inicialmente (1). Contudo, a paresia gástrica é uma ocorrência frequente na pancreatite aguda grave, devido à proximidade do pâncreas inflamado com o estômago (1). Assim, quando houver intolerância à via gástrica, a sonda deve ser alocada na posição pós-pilórica, preferencialmente próxima ao ângulo de Treitz ou no jejuno (1). A inserção da sonda em posição pós-pilórica desde o início facilita a introdução precoce da nutrição enteral e sua progressão para suprir as necessidades do paciente (1).

Tipo de Fórmula de NE

As recomendações sobre o tipo de fórmula variam:

  • A ESPEN (Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo) sugere iniciar com uma fórmula monomérica ou oligomérica, com alto grau de recomendação (Grau A), sustentado por dois grandes estudos randomizados (1).
  • A ASPEN (Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral) recomenda iniciar com fórmula polimérica (Grau C de recomendação), migrando para uma fórmula oligomérica apenas se a primeira não for bem tolerada (1).

Velocidade de Infusão

A velocidade inicial da infusão enteral deve ser baixa, de 10 a 15 mL/h, com progressão gradual do volume e, se necessário, do tipo de fórmula, conforme a tolerância digestiva do paciente (1).

Gorduras na NE

As fórmulas enterais podem conter lipídeos (1). Contudo, sugere-se a preferência por fórmulas que contenham triglicerídeos de cadeia longa e média, pois aumentam a tolerância lipídica (1). O uso de lipídeos na nutrição parenteral ou enteral não é contraindicado na pancreatite, desde que os níveis plasmáticos de triglicerídeos, monitorizados semanalmente, não ultrapassem 300 mg/dL (1). Recomenda-se uma dose lipídica de 0,9 a 1,0 g/kg/dia (1).

Fibras na NE

Embora não haja evidências clínicas robustas na literatura, inicialmente, sugere-se optar por fórmulas sem adição de fibras para evitar fermentação e distensão das alças intestinais (1). Fórmulas poliméricas com fibras devem ser consideradas apenas quando a tolerância digestiva do paciente à dieta enteral estiver bem estabelecida (1).

Probióticos

Um estudo demonstrou que o uso de probióticos em pacientes com pancreatite aguda grave foi associado a um aumento da mortalidade, com uma incidência de 9% de isquemia intestinal (1). É importante lembrar que a ocorrência de tromboses arteriais e venosas nas proximidades do pâncreas inflamado não é rara (1). Diante desses achados, o uso de probióticos na pancreatite aguda grave é formalmente contraindicado (1).

Nutrição Parenteral (NP)

A nutrição parenteral deve ser iniciada apenas e tão somente quando a nutrição enteral não for capaz de suprir as necessidades nutricionais do paciente devido à intolerância digestiva (como refluxo, diarreia ou distensão abdominal) (1).

Em pacientes graves, a NP nunca deve ser iniciada antes dos primeiros cinco dias de evolução (1). Uma das justificativas para essa recomendação é que a introdução precoce de nutrientes por via parenteral em pacientes críticos pode inibir os processos de autofagia, que são essenciais para a eliminação de organelas danificadas, agregados proteicos e outras substâncias tóxicas que se acumulam nas células (1). Dessa forma, a preservação celular é maior durante o jejum inicial (1). Estudos indicam que a introdução mais tardia da NP, após cinco dias, em pacientes com pancreatite aguda grave que não podem se alimentar via TGI, está associada a uma melhor evolução clínica (1). Na nutrição parenteral, cerca de 25−30% do VET pode ser ofertado como lipídeos, pois essa via tem pouco estímulo sobre o pâncreas (1).


Referências Bibliográficas

  1. SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de alimentação, nutrição & dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.

Deixe um comentário0