A Personalidade sob a Ótica Psicanalítica: Freud e Jung
Introdução
A personalidade humana tem sido objeto de profunda investigação no campo da psicanálise. Sigmund Freud e Carl Jung, figuras centrais neste domínio, desenvolveram teorias distintas que, embora partam de premissas comuns sobre o inconsciente, divergem significativamente em suas abordagens sobre a origem da motivação e a estrutura da psique.
A Perspectiva Freudiana sobre a Personalidade
Instintos e Pulsões
Para Freud, os instintos e pulsões constituem a base da personalidade, atuando como forças motivadoras que impulsionam e determinam as ações humanas (1). Os instintos são definidos como representações mentais de necessidades corporais, como a necessidade sexual, e consistem em energia fisiológica que conecta as necessidades corporais aos desejos mentais. Estímulos internos, como sede e fome, levam à ação específica (1).
Freud postulou que uma necessidade corporal gera uma sensação de pressão ou tensão, e o objetivo do instinto é satisfazer essa necessidade para reduzir a tensão. Essa proposição é conhecida como abordagem homeostática, sugerindo uma motivação intrínseca para manter ou restaurar o equilíbrio fisiológico (1).
É crucial diferenciar os termos: instinto refere-se especificamente a uma necessidade de ordem fisiológica, enquanto pulsão é empregado para designar a força que mobiliza o ser humano em busca de objetivos diversos que proporcionarão uma satisfação de ordem psíquica, como o desejo (1).
Freud categorizou os instintos em duas categorias principais: instintos de vida e instintos de morte (1).
- Instinto de Vida (Eros): Tem como objetivo a sobrevivência da espécie, buscando satisfazer necessidades como água, comida, sexo e ar. É orientado para o desenvolvimento e o crescimento individual. Para Freud, o instinto de vida mais relevante para a personalidade é o sexo, compreendido como pensamentos e comportamentos prazerosos, não se limitando ao ato sexual em si. Freud considerava o sexo a motivação básica do ser humano, e sua teoria da personalidade enfatiza a necessidade de reprimir os desejos sexuais (1).
- Instinto de Morte (Thanatos): Descrito por Freud como um desejo inconsciente de morrer, um impulso que direciona à destruição e à agressão. Contudo, esse conceito não obteve ampla aceitação, mesmo entre seus seguidores (1).
Níveis da Personalidade (Topografia da Mente)
Freud propôs que a mente opera em três níveis de consciência (1):
- Nível Consciente: Inclui as sensações das quais estamos sempre cientes. Freud considerava o consciente um aspecto limitado da personalidade, pois apenas uma pequena fração de nossas memórias e pensamentos é acessível a ele.
- Nível Pré-consciente: Situa-se entre o consciente e o inconsciente. É um repositório de ideias e memórias que não estão constantemente na nossa consciência, mas que podem ser facilmente acessadas e trazidas ao nível consciente.
- Nível Inconsciente: Representa uma força propulsora por trás de nossos comportamentos que não conseguimos controlar.
Estruturas da Personalidade
Para Freud, a personalidade é estruturada por três componentes interativos, cada um guiado por um princípio distinto (1):
- ID: O reservatório da libido e dos instintos. O ID busca a satisfação das necessidades corporais, operando sob o princípio do prazer, visando à redução imediata da tensão e ao aumento do prazer. É caracterizado como egoísta, primitivo, insistente, impulsivo e alheio à realidade.
- EGO: Responsável pelo controle e pela orientação dos instintos, baseado no princípio da realidade. O Ego busca redirecionar a satisfação dos desejos em função das exigências da realidade. Ele serve tanto ao ID quanto à realidade, mediando conflitos entre suas demandas. Por exemplo, o Ego nos motiva a permanecer em um emprego que não apreciamos, pois reconhece o benefício real de prover sustento e pagar contas.
- SUPEREGO: Relacionado à moral, representando o que consideramos certo e errado. O Superego é internalizado por volta dos 6 anos de idade, através das regras estipuladas pelos pais ou responsáveis. Assim, o Ego não só precisa negociar com o ID e o princípio da realidade, mas também com as exigências morais do Superego para satisfazer os desejos.
Em suma, os níveis e as estruturas da mente, na teoria freudiana, referem-se a componentes da personalidade. Freud defendia que somos motivados a buscar o prazer e a diminuir a tensão, o que influencia e molda aspectos da nossa personalidade.
A Abordagem Junguiana sobre a Personalidade
Carl Jung, embora influenciado por Freud, rejeitou a primazia dos impulsos sexuais inconscientes na formação da personalidade (1). Para Jung, os impulsos primitivos do inconsciente representam uma força vital mais positiva, abrangendo um impulso inato que motiva a criatividade e a resolução mais construtiva de conflitos (1). Ele ampliou o conceito de libido de Freud, articulando-o com o que denominou “princípio dos opostos”, segundo o qual todos os aspectos da psique possuem um oposto, e essa oposição gera energia psíquica (1).
Pelo princípio da equivalência, Jung explicou que a perda de interesse em algo não significa a dissipação desse interesse, mas sua transferência para outra coisa (ou pessoa), com o excesso sendo direcionado ao inconsciente (1). Dessa forma, a personalidade, para Jung, é constituída, em parte, por características inatas e, em parte, pelo que é aprendido, especialmente a partir da meia-idade. Seus principais sistemas incluem o Ego (centro da consciência), o inconsciente pessoal (formado por aquilo que foi esquecido ou reprimido) e o inconsciente coletivo (o que foi herdado) (1).
Jung também identificou “atitudes mentais opostas” (extroversão e introversão) e “funções psicológicas opostas” (sensação e intuição, pensamento e sentimento), que interagem e moldam a personalidade individual (1). O conceito de “arquétipo” é central na teoria de Jung, referindo-se a conjuntos de imagens que dão sentido aos complexos mentais, formando o conhecimento e o imaginário do inconsciente coletivo (1).
Construtos da Personalidade na Perspectiva de Jung
Jung defendia que a mente possui níveis que moldam o modo de ser e agir, denominados consciente e inconsciente (1). No entanto, diferentemente de Freud, Jung acreditava que os arquétipos herdados dos ancestrais são uma porção muito significativa para a compreensão da personalidade, o que ele chamou de inconsciente coletivo (1).
Para Jung, as imagens do consciente são percebidas pelo Ego, e os elementos do inconsciente não possuem qualquer relação direta com o Ego. O Ego, em sua visão, teria uma função mais restritiva, sendo o elemento central da consciência, mas não o centro da personalidade. Ele precisaria ser complementado pelo Self, que é visto como o centro da personalidade em sua totalidade e é inconsciente (1).
- Inconsciente Pessoal: Abrange todas as nossas experiências reprimidas ou esquecidas. É importante notar que o conceito de inconsciente pessoal para Jung difere da visão freudiana de pré-consciente e inconsciente (1).
- Inconsciente Coletivo: Para Jung, os conteúdos do inconsciente coletivo são transmitidos de geração em geração como potencial psíquico. As imagens antigas que provêm do inconsciente coletivo são chamadas de arquétipos, e consistem em um conjunto de imagens associadas e carregadas de emoção. Os arquétipos, assim como os instintos, contribuem para moldar a personalidade e atuam de modo inconsciente (1).
Jung desenvolveu o conceito de Persona, que representa o lado da personalidade que apresentamos ao mundo (1). Jung observa que cada indivíduo projeta um papel que é considerado adequado a determinados ambientes sociais. Por exemplo, espera-se que um enfermeiro adote uma postura específica diante de um paciente hospitalizado (1).
Jung também criou o arquétipo da repressão, da escuridão, ao qual deu o nome de Sombra (1). A Sombra representaria as qualidades que tentamos esconder dos outros e de nós mesmos. Jung defendia a necessidade de conhecer a Sombra para que o indivíduo se sinta completo, o que é alcançado ao lidar com a escuridão interior, levando à “conscientização da sombra” (1).
Para Jung, a dinâmica da personalidade relaciona-se com ideias sobre teleologia (eventos presentes motivados por objetivos futuros) e causalidade (eventos presentes baseados em experiências prévias), além de regressão e progressão (1). Isso implica que a adaptação ao mundo interno (regressão) é tão necessária quanto a adaptação ao ambiente externo (progressão) (1). Regressão e progressão são fundamentais para o crescimento pessoal ou a autorrealização, também conhecida como individuação (1).
Jung reconheceu vários tipos psicológicos desenvolvidos com base em duas atitudes: extroversão e introversão, além de quatro funções: pensamento, sensação, sentimento e intuição (1). Jung postulou que a personalidade se desenvolve em estágios, e somente após os 35 anos uma pessoa consegue integrar aspectos da personalidade que a conduzem à autorrealização ou à individualização (1).
Referências Bibliográficas
- SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. Teorias da Personalidade. 4. ed. CENGAGE, 2021.