Vitamina B6 (Piridoxina): Funções, Deficiência e Aplicações Clínicas
Introdução
A vitamina B6 é um termo genérico que engloba um grupo de seis compostos vitâmeros: piridoxina, piridoxal, piridoxamina e seus respectivos 5′-fosfatos (5, 7). Dentre eles, o piridoxal 5′-fosfato (PLP) e a piridoxamina 5′-fosfato (PMP) são as formas coenzimáticas ativas da vitamina, sendo o PLP considerado a forma biologicamente mais relevante (5, 7). Essencial para inúmeras reações metabólicas, a vitamina B6 desempenha papéis cruciais no metabolismo de aminoácidos, carboidratos, lipídeos e neurotransmissores.
Recomendações Nutricionais e Fontes Alimentares
As Recomendações de Ingestão Dietética (RDA) para a vitamina B6 são:
- Adultos: Aproximadamente 1,7 mg/dia (5).
- Gestantes: Aproximadamente 1,9 mg/dia (5).
- Lactantes: Aproximadamente 2,0 mg/dia (5).O Limite Superior Tolerável (UL) é de 100 mg/dia.
A vitamina B6 é amplamente distribuída em diversos alimentos, sendo que as carnes fornecem cerca de 40% das recomendações (5). Outras fontes significativas incluem (5):
- Carnes em geral.
- Castanhas e sementes (amendoim, semente de gergelim).
- Frutas (banana, abacate, manga, ameixa seca, melancia, suco de uva).
- Batata.
- Chocolate meio amargo.
Ingestões acima de 0,5 mg/dia não estão associadas a sinais clínicos de deficiência, e 1 mg/dia é considerado suficiente para a maioria dos adultos (5). Alguns estudos sugerem um conteúdo corporal total de 40-150 mg, com uma meia-vida de 33 dias, indicando uma recomendação mínima diária de 0,6-2,27 mg (5).
Absorção, Biodisponibilidade e Metabolismo
Os seres humanos não sintetizam vitamina B6, dependendo de fontes alimentares (absorção no jejuno) ou da síntese bacteriana no intestino grosso (5, 6). A absorção da vitamina B6 é geralmente elevada, uma vez que está presente na maioria dos alimentos (5, 7). No entanto, há perdas significativas durante o processamento e aquecimento de carnes e vegetais (1, 5). Por exemplo, na moagem do trigo, podem ocorrer perdas de 70-90%, e no congelamento de vegetais, de 35-55% (5). Em uma dieta mista, a biodisponibilidade da vitamina B6 é estimada em aproximadamente 75% (5).
A vitamina B6 é absorvida no jejuno e no íleo, predominantemente por um processo passivo (5, 7). Contudo, estudos in vitro indicam a existência de um transporte ativo mediado por carreadores em baixas concentrações (5, 7). Diferente de outras vitaminas do complexo B, a vitamina B6 não parece ter um limite para absorção (5).
A maior parte da piridoxina ingerida é liberada para a circulação portal como piridoxal após sua desfosforilação na superfície serosa (5). Após a absorção, é direcionada para o fígado, embora outros tecidos também possam absorver compostos não fosforilados da circulação (5). No metabolismo, a vitamina B6 é frequentemente encontrada na forma de ésteres de fosfato (5). Seu principal local de armazenamento é o fígado (7).
Status da Vitamina B6: Exames Laboratoriais
Exame | Valor de Referência |
Vitamina B6 (plasma) | 2,8 – 74,6 mcg/L |
Piridoxina (sangue total) | 8,7 – 27,2 ng/mL |
Piridoxina (plasma) | 12-141 nmol/L |
Piridoxal 5-fosfato (plasma) | >7,5 mcg/L (20 nmol/L) |
Ácido 4-piridóxico (urina) | 3 mmol/dia |
Coeficiente de ativação eritrócito / aspartato aminotransferase | <1,8 |
(7)
Concentração Plasmática
A concentração de piridoxal fosfato no plasma pode ser alterada em algumas condições, como:
- Aumento da atividade da fosfatase alcalina, que causa redução em sua concentração (5).
- Gestação, na qual também ocorre uma diminuição da sua concentração (5).
- Resposta ao exercício intenso, que pode aumentar seus níveis circulantes (5).
Excreção Urinária
Parte da vitamina B6 biologicamente ativa é excretada na urina (5). No entanto, a interpretação dos resultados dessa medida é complexa, embora a excreção esteja diminuída na deficiência (5).
Deficiência de Vitamina B6
A deficiência de vitamina B6 é rara devido à sua ampla distribuição nos alimentos (5, 7). Quando ocorre, geralmente está associada a outras deficiências de vitaminas do complexo B em casos de desnutrição severa (1).
Sintomas
A deficiência manifesta-se principalmente por alterações no sistema nervoso central (5). Outros sintomas incluem (5):
- Anemia microcítica.
- Dermatite seborreica.
- Depressão.
- Convulsões.
- Confusão mental.
Fatores de Risco para Deficiência
- Alcoolistas: Geralmente apresentam baixas concentrações plasmáticas de piridoxal fosfato. Isso ocorre porque o acetaldeído compete com o piridoxal por proteínas de ligação, diminuindo a captação da vitamina pelas células (5).
- Gestantes com pré-eclâmpsia ou eclâmpsia: Também apresentam concentrações plasmáticas menores de piridoxal fosfato, necessitando de maiores quantidades dessa vitamina (5).
Tratamento da Deficiência
O tratamento da deficiência requer uma mudança na dieta e a administração oral de 5-25 mg/dia por 3 semanas, seguidos por uma dose de manutenção de 1,5-2,5 mg/dia (7). Em casos de dependência (necessidades genéticas aumentadas), crianças devem receber doses diárias de 10-100 mg de vitamina B6 oralmente de forma regular. Pacientes com convulsões devem receber 100 mg por via intramuscular até a regularização do metabolismo do triptofano (7).
Toxicidade da Vitamina B6
Não foram encontrados efeitos tóxicos associados à ingestão de vitamina B6 proveniente de alimentos (1). No entanto, o uso de suplementos em doses elevadas pode desencadear neuropatia periférica e lesões dermatológicas (1, 7).
- O NOAEL (No Observed Adverse Effect Level) foi definido em 200 mg/dia (5).
- O LOAEL (Lowest Observed Adverse Effect Level) foi definido em 500 mg/dia (5).
- O UL (Upper Limit) foi estabelecido em 100mg/dia. (5,8)
O UL para adultos é de 100 mg, com base na consideração de que doses mais altas podem potencialmente contribuir para neuropatia sensorial. (5,8)
Estudos em animais demonstraram o desenvolvimento de lesões dermatológicas e neuropatia periférica com ataxia, fraqueza muscular e falta de equilíbrio em cães que receberam 200 mg/kg de vitamina B6 por 40-75 dias (5).
Funções no Organismo
A vitamina B6 existe em três formas químicas principais: piridoxal, piridoxina e piridoxamina (1). Ela age como coenzima em mais de 100 reações enzimáticas, principalmente no metabolismo de aminoácidos, carboidratos, neurotransmissores e lipídios (5). Sua função mais importante é a participação no metabolismo de proteínas e aminoácidos (2).
A ação da vitamina B6 está relacionada ao metabolismo de aminoácidos como uma coenzima em reações de transaminação, descarboxilação para gerar aminas biologicamente ativas e outras reações metabólicas (5). No metabolismo humano, a principal coenzima é o piridoxal-5′-fosfato (PLP) (1). O PLP é um cofator para diversas enzimas envolvidas no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas, atuando na síntese de neurotransmissores, histamina, hemoglobina e na regulação do metabolismo da pele e da expressão gênica (1, 7).
A vitamina B6 é crucial para o Sistema Nervoso Central (SNC), visto que a síntese de diversos neurotransmissores como serotonina, dopamina, norepinefrina e GABA é dependente de PLP (1). A síntese do grupo heme da hemoglobina também é dependente de PLP (1). Além disso, atua na transcrição gênica dos hormônios esteroides (1).
Função Hormonal
Alguns autores demonstraram in vitro que as concentrações de piridoxal fosfato modulam a expressão gênica em resposta aos hormônios esteroides (5). A depleção aguda de vitamina B6 em células resulta no aumento da expressão dos genes dos receptores androgênicos, de estrógenos e de progesterona em resposta à ação hormonal (5). Em contrapartida, a suplementação com piridoxal fosfato provoca a redução da expressão desses genes após o estímulo hormonal (5).
Tem-se discutido que uma deficiência moderada de vitamina B6 poderia aumentar a resposta aos hormônios esteroides em tecidos-alvo (5). Tal fato pode ser relevante na indução e desenvolvimento de alguns tipos de câncer dependentes de hormônios, como os de mama e próstata, podendo afetar o prognóstico da doença (5).
Implicações Clínicas Específicas
Síndrome Pré-Menstrual (TPM)
Uma revisão indicou que a suplementação de 50 a 100 mg/dia de vitamina B6 pode trazer benefícios em relação aos sintomas da TPM (3). Embora as evidências sejam consideradas fracas, a suplementação pode ser utilizada durante o período pré-menstrual (3). O mecanismo proposto baseia-se no fato de que a vitamina B6 é cofator para a produção de diversos neurotransmissores, e durante a fase lútea, devido ao espessamento endometrial, há um maior consumo dessa vitamina, o que poderia gerar uma “deficiência momentânea” (4).
Síndrome do Túnel do Carpo
A suplementação de vitamina B6 também é indicada para a síndrome do túnel do carpo.
Desempenho Físico
De acordo com o último posicionamento do ACSM (2016) sobre suplementação de micronutrientes, não há indicação para suplementar vitaminas do complexo B em atletas, salvo em casos de deficiência previamente comprovada (2).
A ingestão de vitamina B6 tem sido positivamente relacionada a métricas de desempenho físico em adultos mais velhos, mas as evidências de um efeito ergogênico da suplementação no desempenho do exercício são limitadas. (8)
Autismo
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento que envolve interações sociais prejudicadas e comportamentos não padronizados (5). Pode estar relacionado a alterações em enzimas que necessitam de PLP ou enzimas envolvidas no metabolismo de serotonina e dopamina (5). Um sinal clínico comum é a elevação da serotonina sanguínea total, presente em mais de 30% dos pacientes (5). Concentrações elevadas de ácido homovanílico (um produto do catabolismo da dopamina) também são encontradas em muitos pacientes (5).
A terapia com piridoxina demonstrou auxiliar no autismo, sugerindo que enzimas dependentes de PLP podem estar alteradas em pacientes sensíveis à vitamina B6 (5). O uso combinado de altas doses de vitamina B6 e magnésio pode melhorar o comportamento, com alguns pacientes mostrando diminuição significativa na excreção de ácido homovanílico e melhoras clínicas (5). O monitoramento das concentrações plasmáticas de homocisteína, que normalmente estão aumentadas, também é recomendado (5). O tratamento combinado com vitaminas do complexo B (B6, B9, B12) é sugerido, dependendo das características individuais (5).
Discinesia Tardia
O uso prolongado de drogas neurolépticas, para atenuar alterações psicóticas como a esquizofrenia, pode causar discinesia tardia, caracterizada por movimentos rápidos, repetitivos e incontrolados (5). Estudos em pacientes esquizofrênicos indicaram que a piridoxina em altas doses pode ser eficaz na redução dos sintomas da doença (5).
Câncer
Estudos em ratos alimentados com vitamina B6 em doses de suplementação observaram uma incidência reduzida de tumores de cólon (5). O valor mínimo para a redução da incidência foi de 7 mg/kg, com a maior supressão ocorrendo em doses de 14-35 mg/kg (5). Produtos de oncogênese relacionados à proliferação celular nas criptas colônicas também foram significativamente reduzidos por altas doses de vitamina B6, o que pode explicar o efeito observado (5).
A supressão da proliferação celular pode ter sido mediada pela redução do estresse oxidativo, como demonstrado em culturas de monócitos tratadas com piridoxal fosfato e piridoxamina, que podem reduzir a produção de radicais superóxidos, a peroxidação lipídica e o potencial de transmembrana mitocondrial (5). Animais suplementados com altas doses de vitamina B6 apresentaram concentrações significativamente menores de marcadores de estresse oxidativo (5). Os autores também sugerem que o efeito da vitamina B6 pode ocorrer devido à indução de uma menor produção de óxido nítrico, que desempenha um papel importante na carcinogênese de cólon ao aumentar a expressão da ciclooxigenase-2 (COX-2) e a angiogênese (5).
De forma geral, o consumo alimentar de vitamina B6 foi associado a um menor risco para todos os tipos de câncer, com ênfase nos de localização gastrointestinal (5).
Referências Bibliográficas
- LANCHA JR, A. H.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Nutrição e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2012. 236 p.
- LANCHA JR, A. H.; ROGERI, P. S.; PEREIRA-LANCHA, L. O. Suplementação Nutricional no Esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 266 p.
- WYATT, K. M. et al. Efficacy of vitamin B6 in the management of premenstrual syndrome: systematic review. BMJ, v. 317, p. 1375–1381, 14 nov. 1998.
- SILVA, S. M. C. S.; MURA, J. D. P. Tratado de Alimentação, Nutrição & Dietoterapia. 3. ed. São Paulo: Editora Pitaya, 2016. 1308 p.
- COZZOLINO, S. Biodisponibilidade de Nutrientes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2020. 934 p.
- JEUKENDRUP, A. E.; GLEESON, M. Nutrição no Esporte – Diretrizes Nutricionais e Bioquímica e Fisiologia do Exercício. 3. ed. São Paulo: Manole, 2021. 559 p.
- BRAGA, J. A. P.; AMANCIO, O. M. S. Deficiências Nutricionais – Manual para Diagnóstico e Condutas. 1. ed. Santana de Parnaíba: Manole, 2022. 216 p.
- JAGIM, A. R. et al. International Society of Sports Nutrition position stand: energy drinks and energy shots. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 20, n. 1, p. 2171314, 2023.