Fisiologia da Placenta: Estrutura, Funções e Hormônios Essenciais
Introdução
A placenta é um órgão temporário e multifuncional, essencial para o desenvolvimento fetal, que se forma a partir de células especializadas do blastocisto. Sua capacidade de atuar como interface para trocas materno-fetais, sua função imune e sua notável atividade endócrina são cruciais para a manutenção e o sucesso da gestação.
Estrutura Placentária
A placenta é formada a partir de dois tipos principais de células do blastocisto (1). A massa celular externa do blastocisto, que dará origem ao trofoblasto, estabelece contato com o endométrio e passa por processos de proliferação e penetração tecidual durante a implantação (1).
O trofoblasto é composto por duas populações celulares distintas: o citotrofoblasto, uma camada interna, e o sinciciotrofoblasto, uma camada externa e invasiva (1). O lado materno da placenta é caracterizado pela presença de vilosidades coriônicas fetais, que maximizam a área de superfície para a troca de nutrientes e gases entre as circulações fetal e materna (1). Essas vilosidades são revestidas por sinciciotrofoblasto multinucleado e contêm células-tronco do trofoblasto, células do estroma e vasos sanguíneos (1).
É importante notar que as células vilosas do citotrofoblasto estão completamente separadas dos elementos maternos, com a exceção de moléculas que podem ser transportadas através da placenta pelo sinciciotrofoblasto (1). Em contraste, as células trofoblásticas extravilosas estão continuamente expostas aos tecidos maternos (1). A camada intermediária da placenta é constituída por colunas de células citotrofoblásticas densamente agrupadas, que proporcionam suporte estrutural para as vilosidades adjacentes (1).
Funções Fisiológicas da Placenta
A placenta desempenha três funções fisiológicas principais, fundamentais para a manutenção da gravidez e o desenvolvimento fetal:
- Sustentação: Garante a implantação do embrião no útero e facilita o transporte de nutrientes e oxigênio essenciais para o crescimento fetal (1).
- Imunológica: Suprime o sistema imune local para prevenir a rejeição imunológica do feto pela mãe (1).
- Endócrina: Inclui a síntese, o transporte e o metabolismo de hormônios cruciais para promover o crescimento e a sobrevida do feto (1).
A falha da unidade placentária em desempenhar essas funções essenciais pode levar a múltiplas complicações na gravidez, como aborto espontâneo, comprometimento do crescimento fetal e pré-eclâmpsia (1).
Função Endócrina da Placenta: Produção Hormonal
A placenta é um órgão endócrino ativo, produzindo uma gama de citocinas, hormônios e fatores de crescimento que são vitais para a regulação da unidade fetomaterna (1). Além disso, a placenta expressa enzimas envolvidas no metabolismo hormonal, desempenhando um papel crucial na proteção do feto contra androgênios de origem suprarrenal materna, através da atividade da aromatase, e contra glicocorticoides, pela atividade da 11β-hidroxiesteroide-desidrogenase tipo II (1).
Os principais hormônios placentários incluem:
Gonadotrofina Coriônica Humana (hCG)
A hCG é uma glicoproteína heterodimérica pertencente à mesma família hormonal do LH, FSH e TSH (1). É sintetizada pelo sinciciotrofoblasto e liberada tanto na circulação fetal quanto materna (1). Conhecida como o “hormônio da gravidez”, a hCG é a base dos testes de gravidez (1). Seus níveis podem ser detectados no soro materno 6 a 8 dias após a implantação, atingindo um pico entre 60 e 90 dias de gestação, e posteriormente declinam (1). A hCG exibe semelhança estrutural e funcional com o LH, exercendo seus efeitos fisiológicos pela ligação aos receptores de LH (1). Sua principal função é manter o corpo lúteo, assegurando a produção de progesterona até que a placenta inicie sua própria produção hormonal (1). A regulação da liberação de hCG pela placenta ainda não está completamente elucidada, mas evidências sugerem que sua regulação parácrina envolve o GnRH de origem placentária, a ativina e a inibina (1). Além disso, os níveis maternos de hCG fornecem um índice útil do estado funcional do trofoblasto, refletindo a saúde da placenta (1).
Lactogênio Placentário Humano (hPL) e Hormônio do Crescimento (GH)
A família gênica do hormônio do crescimento e do lactogênio placentário é fundamental na regulação do metabolismo materno e fetal, bem como no crescimento e desenvolvimento do feto (1).
O hPL é sintetizado pelo sinciciotrofoblasto e secretado nas circulações materna e fetal a partir da sexta semana de gestação (1). No feto, o hPL modula o desenvolvimento embrionário, regula o metabolismo intermediário e estimula a produção de IGF (fator de crescimento semelhante à insulina), insulina, hormônios adrenocorticais e surfactante pulmonar (1).
Durante a gravidez, o GH-v (variante expressa pela placenta) torna-se o GH predominante na mãe (1). Este hormônio apresenta semelhança estrutural e funcional com o GH hipofisário (diferindo em 13 aminoácidos), mas não é liberado no feto (1). A partir da 15ª a 20ª semana de gestação até o final da gravidez, o GH placentário substitui o GH hipofisário, que se torna indetectável (1). O GH-v estimula a produção de IGF-1 e modula o metabolismo intermediário materno, aumentando a disponibilidade de glicose e aminoácidos para o feto (1). O GH placentário não é detectável na circulação fetal, e acredita-se que seu papel fisiológico envolva a modulação do desenvolvimento placentário por um mecanismo autócrino ou parácrino, devido à expressão dos receptores de GH pela própria placenta (1).
Progesterona
A principal fonte de progesterona na fase inicial da gravidez é o corpo lúteo, cuja função é regulada pela hCG (1). Por volta da oitava semana de gestação, o sinciciotrofoblasto placentário assume a função de principal fonte de progesterona, levando a um aumento progressivo dos níveis maternos, de 25 ng/mL na fase lútea para 150 ng/mL no último trimestre da gravidez (1). Como a placenta é incapaz de sintetizar colesterol, a progesterona é sintetizada a partir do LDL (lipoproteína de baixa densidade) circulante (1). As partículas de LDL ligam-se ao receptor de LDL nas células trofoblásticas e são endocitadas, liberando colesterol que é então processado pela via esteroidogênica hormonal (1).
Estrógeno
No início da gravidez, a principal fonte de estrogênio é o corpo lúteo, posteriormente substituído pela placenta como fonte principal de produção (1). O principal estrogênio sintetizado pelas células sinciciotrofoblásticas da placenta é o estriol (1). A produção placentária de estrogênio requer uma interação coordenada entre a produção de hormônios esteroides pelas glândulas suprarrenais do feto e da mãe, configurando a unidade fetoplacentária de biossíntese de esteroides (1).
A placenta não possui 17α-hidroxilase e 17,20-desmolase, o que a impede de converter progesterona em estrogênio ou de produzir androgênios (1). Essa ausência de produção placentária de androgênios é um fator protetor contra a masculinização do feto feminino (1). A forte atividade da aromatase, que inativa os androgênios derivados das suprarrenais maternas e fetais, também contribui significativamente para essa proteção (1). Os principais efeitos fisiológicos do estrogênio durante a gravidez incluem a estimulação do crescimento uterino, a síntese de prostaglandinas, o espessamento do epitélio vaginal, a sensibilização aos efeitos da ocitocina e o crescimento e desenvolvimento do epitélio mamário (1).
Hormônio de Liberação da Corticotrofina (CRH)
O CRH placentário é produzido pelas células do sinciciotrofoblasto e do trofoblasto (1). Sua estrutura e função são semelhantes às do CRH de origem hipotalâmica (1). A concentração de CRH aumenta exponencialmente durante a gravidez e atinge um pico durante o trabalho de parto (1). A produção placentária de CRH tem sido associada à duração da gestação em seres humanos (1). É secretado em grandes quantidades na circulação materna durante o terceiro trimestre e pode desempenhar um papel importante no início do trabalho de parto (1). No ambiente intrauterino, o CRH exerce várias funções, como a indução da produção de prostaglandinas e a manutenção do fluxo sanguíneo placentário (1).
Referências Bibliográficas
- MOLINA, P. E. Fisiologia Endócrina. 4. ed. ArtMed, 2014. 309 p.