Fisiologia e Regulação da Pressão Arterial: Um Olhar Aprofundado


Fisiologia e Regulação da Pressão Arterial: Um Olhar Aprofundado


Introdução

A pressão arterial (PA) é um parâmetro hemodinâmico fundamental, definida pela equação: PA = Débito Cardíaco × Resistência Periférica Total. Sua regulação é um processo complexo, envolvendo a interação de múltiplos sistemas fisiológicos, com destaque para o papel central dos rins. Este documento explora os mecanismos que controlam a pressão arterial a curto e longo prazo, suas influências nervosas e hormonais, a dinâmica da resistência periférica e as diversas etiologias da hipertensão.


Papel dos Rins na Regulação da Pressão Arterial

Sistema Rim-Líquidos Corporais

O sistema rim-líquidos corporais atua de forma lenta, mas com grande potência, na reg regulação da pressão arterial (1). Quando o volume sanguíneo aumenta e a capacitância vascular permanece inalterada, a pressão arterial se eleva. Essa elevação estimula os rins a excretar o volume excessivo de água e sal, normalizando a pressão (1).

Mesmo uma elevação de poucos milímetros de mercúrio (mmHg) na pressão arterial é capaz de duplicar o débito renal de água, um fenômeno conhecido como diurese de pressão, e de duplicar a eliminação de sal, processo denominado natriurese de pressão (1). No ser humano, sob uma pressão arterial média de 50 mmHg, o débito urinário é praticamente nulo; sob 100 mmHg, o valor é normal; e sob 200 mmHg, o débito é cerca de 6 a 8 vezes maior do que o normal (1).

Determinantes da Pressão Arterial no Longo Prazo

No longo prazo, a pressão arterial é determinada por dois fatores básicos (1):

  • Débito renal de água e sal.
  • Ingestão de água e sal.

É impossível alterar a pressão arterial média a longo prazo sem modificar um ou ambos esses determinantes. Quando qualquer um deles é alterado, a pressão arterial é regulada para um novo nível, onde um equilíbrio é estabelecido entre os dois (1).


Influência Nervosa e Hormonal na Regulação da Pressão

A regulação da pressão arterial envolve uma interação contínua entre o sistema nervoso e o sistema endócrino:

  • Pressão Arterial Aumentada: Diminui a atividade do sistema nervoso simpático (SNS) e de hormônios como a angiotensina II e a aldosterona. Essas substâncias, por sua vez, têm o efeito de reduzir a excreção renal de sal e água (1). Dessa forma, a inibição do sistema antinatriurético amplifica a eficácia da natriurese e diurese de pressão, aumentando a excreção de sal e água (1).
  • Pressão Arterial Reduzida: O SNS é ativado, e a formação de hormônios antinatriuréticos é aumentada. Isso se soma ao efeito direto da redução da pressão na diminuição do débito renal de água e sal (1).

A importância da influência nervosa e hormonal na natriurese de pressão é particularmente evidente durante alterações crônicas na ingestão de sódio (1). Se os rins e os mecanismos nervoso-hormonais estão funcionando normalmente, aumentos crônicos na ingestão de sal e água (até seis vezes o normal) geralmente causam apenas pequenos aumentos na pressão arterial (1). Isso explica por que muitas pessoas são consideradas insensíveis ao sal, pois grandes variações na ingestão de sal não alteram a pressão sanguínea em mais de alguns mmHg (1).

No entanto, indivíduos com danos renais ou secreção excessiva de hormônios antinatriuréticos (como angiotensina II ou aldosterona) podem ser sensíveis ao sal (1). Nesses casos, mesmo aumentos moderados na ingestão de sal podem levar a elevações significativas da pressão arterial (1). Por exemplo, a remoção cirúrgica de parte da massa renal ou lesões renais (devido a hipertensão, diabetes ou outras doenças renais) causam maior sensibilidade às alterações da ingestão de sal (1). Nessas situações, aumentos maiores do que o normal na pressão arterial são necessários para elevar o débito renal o suficiente para manter o balanço entre ingestão e eliminação de água (1). Há evidências de que a alta ingestão de sal a longo prazo pode, de fato, lesar os rins e, eventualmente, tornar a pressão sanguínea mais sensível ao sal (1).


Influência da Resistência Periférica Total

Considerando a equação PA = Débito Cardíaco × Resistência Periférica Total, seria intuitivo que um aumento na resistência periférica total (RPT) elevasse a pressão arterial (1). Contudo, se a resistência vascular intrarrenal permanecer a mesma, não há alteração no equilíbrio do controle da pressão arterial, e a pressão se normaliza em cerca de um dia (1).

No entanto, muitas vezes, quando a RPT aumenta, a resistência vascular intrarrenal também se eleva, o que altera a função dos rins e pode causar hipertensão (1). É crucial ressaltar que o aumento da resistência renal é o fator causal, e não a resistência periférica elevada (1).


Aumento do Volume de Líquidos e Pressão Arterial

O aumento do volume de líquido pode elevar a pressão arterial tanto pelo aumento do débito cardíaco quanto pelo aumento da resistência periférica total (1). O mecanismo geral pelo qual o aumento do volume do líquido extracelular pode elevar a pressão arterial, se a capacidade vascular não for simultaneamente aumentada, é (1):

  1. Elevação do volume de líquido extracelular.
  2. Elevação do volume sanguíneo.
  3. Aumento da pressão média de enchimento da circulação.
  4. Aumento do retorno venoso para o coração.
  5. Aumento do débito cardíaco.
  6. Aumento da pressão arterial.
  7. Aumento do débito urinário (maior excreção renal de sal e água).

Além disso, pode ocorrer a influência do aumento do débito cardíaco sobre a resistência vascular periférica total por meio da autorregulação do fluxo sanguíneo (1). Quando sangue em excesso flui através de um tecido, a vasculatura tecidual local se contrai, normalizando o fluxo sanguíneo. Esse fenômeno é conhecido como “autorregulação” (1). Por fim, como a pressão arterial é igual ao débito cardíaco multiplicado pela resistência periférica, o aumento secundário desta contribui de forma importante para a elevação da pressão arterial (1).


Relação Sódio Cloreto (NaCl) e Pressão Arterial

Estudos experimentais demonstraram que o aumento da ingestão de sal tem uma probabilidade muito maior de elevar a pressão arterial do que a elevação da ingestão de água (1). A razão para isso é que a água pura é normalmente excretada pelos rins quase na mesma velocidade em que é ingerida, o que não ocorre com o sal (1).

O acúmulo de sal no corpo eleva, indiretamente, o volume de líquido extracelular por dois motivos básicos (1):

  1. Aumento da osmolalidade: O excesso de sal no líquido extracelular aumenta sua osmolalidade, estimulando o centro da sede no encéfalo. Isso leva a um aumento na ingestão de água para normalizar a concentração extracelular de sal, elevando, consequentemente, o volume do líquido extracelular (1).
  2. Estimulação do hormônio antidiurético (ADH): O aumento da osmolalidade, causado pelo excesso de sal no líquido extracelular, também estimula o mecanismo secretor do eixo hipotálamo-hipófise posterior, que libera maior quantidade de ADH (1). Esse hormônio faz com que os rins reabsorvam uma quantidade significativamente maior de água pelos túbulos renais, reduzindo o volume de urina excretado e elevando o volume do líquido extracelular (1).

Assim, a quantidade de sal acumulada no corpo é o principal determinante do volume do líquido extracelular (1). O aumento da ingestão de sal, na ausência de função renal comprometida ou formação excessiva de hormônios antinatriuréticos, geralmente não eleva muito a pressão arterial, pois os rins rapidamente eliminam o excesso de sal, e o volume sanguíneo dificilmente é alterado (1). Além disso, o aumento do volume e da pressão gerado pelo consumo de sal eleva o fluxo sanguíneo nos rins, reduzindo a secreção de renina para um nível muito mais baixo. Isso provoca sequencialmente a redução da retenção de sal e água, normalizando o volume do líquido extracelular e, consequentemente, a pressão arterial. O efeito oposto ocorre quando a ingestão de sal diminui (1).


Sistema Renina-Angiotensina

Outro potente mecanismo de controle da pressão arterial é o sistema renina-angiotensina (1).

Renina

A renina é uma enzima proteica liberada pelos rins quando a pressão arterial cai para níveis muito baixos (1). Sua liberação tem como objetivo elevar a pressão arterial de diversas maneiras, contribuindo para a correção da queda inicial da pressão (1). A renina é armazenada em uma forma inativa, a pró-renina, nas células justaglomerulares (JG) dos rins. As células JG são células musculares lisas modificadas, localizadas principalmente nas paredes das arteríolas aferentes, imediatamente proximais aos glomérulos (1).

Quando a pressão arterial diminui, reações intrínsecas nos rins fazem com que muitas moléculas de pró-renina nas células JG sejam clivadas, liberando a renina (1). A maior parte da renina é liberada no sangue que perfunde os rins e circula por todo o corpo (1).

A renina, por ser uma enzima, age sobre outra proteína plasmática, uma globulina conhecida como substrato de renina (ou angiotensinogênio), convertendo-o em angiotensina I (1). A angiotensina I possui ligeiras propriedades vasoconstritoras, mas não em intensidade suficiente para causar alterações significativas na função circulatória (1).

Angiotensina II

Alguns segundos após a formação da angiotensina I, dois aminoácidos adicionais são removidos, formando o peptídeo de oito aminoácidos, a angiotensina II (1). Essa conversão ocorre principalmente nos pulmões, enquanto o sangue flui por seus pequenos vasos, sendo catalisada pela enzima conversora de angiotensina (ECA), presente no endotélio dos vasos pulmonares (1). Outros tecidos, como rins e vasos sanguíneos, também contêm enzimas conversoras e, portanto, formam angiotensina II localmente (1). A angiotensina II é um potente vasoconstritor, mas permanece no sangue por apenas 1 a 2 minutos, sendo rapidamente inativada por enzimas sanguíneas e teciduais, coletivamente chamadas de angiotensinases (1).

A angiotensina II exerce dois efeitos principais (1):

  1. Vasoconstrição: Causa vasoconstrição em muitas áreas do corpo, afetando principalmente as arteríolas e, em menor intensidade, as veias (1). A constrição das arteríolas aumenta a resistência periférica total, elevando a pressão arterial (1). A leve constrição das veias promove o aumento do retorno venoso do sangue para o coração, contribuindo para um maior bombeamento cardíaco contra a pressão elevada (1).
  2. Diminuição da excreção de sal e água pelos rins: Essa ação eleva lentamente o volume do líquido extracelular, o que aumenta a pressão arterial nas horas e dias subsequentes (1).

A angiotensina II faz com que os rins retenham sal e água por dois meios principais (1):

  • Ação direta sobre os rins: Causa retenção de sal e água.
  • Estimulação da secreção de aldosterona: Faz com que as glândulas adrenais secretem aldosterona, que, por sua vez, aumenta a reabsorção de sal e água pelos túbulos renais.

Quando quantidades excessivas de angiotensina II circulam no sangue a longo prazo, todo o mecanismo renal é automaticamente ajustado para manter a pressão arterial acima do normal (1). O mecanismo direto da angiotensina nos rins ocorre por meio da constrição das arteríolas renais, que diminui o fluxo sanguíneo nos rins (1). O fluxo sanguíneo lento reduz a pressão nos capilares peritubulares, levando à rápida reabsorção de líquidos pelos túbulos (1). Além disso, a angiotensina II exerce ação direta sobre as células tubulares, aumentando a reabsorção de sal e água (1). Seus efeitos podem reduzir o débito urinário para menos de um quinto do normal (1).

Em relação à aldosterona, a angiotensina II estimula sua secreção pelas glândulas adrenais. Quando o sistema renina-angiotensina é ativado, a intensidade da secreção de aldosterona também aumenta. Uma importante função subsequente da aldosterona é causar uma elevação acentuada da reabsorção de sódio pelos túbulos renais, elevando sua concentração no líquido extracelular (1). Essa elevação causa a retenção de água, aumentando o volume do líquido extracelular e provocando, secundariamente, maior elevação da pressão arterial a longo prazo (1). Contudo, pesquisas sugerem que o efeito direto da angiotensina nos rins pode ser talvez três ou mais vezes mais potente que o efeito indireto via aldosterona, embora este último seja mais conhecido (1).


Hipertensão Crônica e Seus Tipos

Sob pressões arteriais médias 50% ou mais acima do normal, a expectativa de vida é de poucos anos, a menos que haja tratamento adequado (1). Os efeitos letais da hipertensão ocorrem principalmente por três modos (1):

  1. Trabalho cardíaco excessivo: Leva à insuficiência cardíaca e à doença coronariana precoce, frequentemente culminando em ataque cardíaco.
  2. Lesão vascular cerebral: A alta pressão frequentemente lesa vasos sanguíneos cerebrais importantes, ocasionando a morte de grandes partes do cérebro. Isso é conhecido clinicamente como Acidente Vascular Cerebral (AVC), que pode ser fatal ou causar paralisia, demência, cegueira ou outros distúrbios cerebrais graves.
  3. Lesão renal: A hipertensão pode levar à lesão renal progressiva, culminando em insuficiência renal.

Hipertensão e Redução da Massa Renal

A redução da massa renal para 30% do normal diminui significativamente a capacidade dos rins de excretar sal e água (1). Consequentemente, essas substâncias se acumulam no corpo em poucos dias, elevando a pressão arterial até níveis suficientes para excretar o excesso ingerido de sal e água (1).

Hipertensão por Sobrecarga de Volume

Pode ser dividida em dois estágios sequenciais (1):

  1. Primeiro estágio: Resulta do aumento do volume de líquido, causando elevação do débito cardíaco, que media a hipertensão.
  2. Segundo estágio: Caracteriza-se por alta pressão arterial e alta resistência periférica total, com o débito cardíaco retornando a níveis próximos do normal. Técnicas habituais de medição frequentemente não conseguem detectar alterações significativas no débito cardíaco.

Nesse contexto, o aumento da resistência periférica total na hipertensão por sobrecarga de volume ocorre após o desenvolvimento da hipertensão e, portanto, é secundário a ela (1).

Hipertensão e Excesso de Aldosterona

Outro tipo de hipertensão por sobrecarga de volume é causado por excesso de aldosterona no corpo, ou ocasionalmente por excesso de outros tipos de esteroides (1). A aldosterona aumenta a intensidade da reabsorção de sal e água pelos túbulos renais, reduzindo a eliminação dessas substâncias na urina e aumentando o volume do sangue e do líquido extracelular (1). Consequentemente, a hipertensão se desenvolve. Se a ingestão de sal for aumentada simultaneamente, a hipertensão se intensifica ainda mais (1). Se essa condição persistir por meses ou anos, a pressão arterial excessiva frequentemente causa alterações patológicas nos rins, fazendo-os reter ainda mais sal e água, além do que é retido pela ação direta da aldosterona (1). Nos estágios iniciais, o débito cardíaco está aumentado, mas nos estágios mais avançados, ele se normaliza, enquanto a resistência periférica total aumenta de forma secundária (1).

Hipertensão por Secreção de Renina

Ocasionalmente, tumores das células justaglomerulares (JG) renais podem secretar enormes quantidades de renina, resultando na formação de igualmente grandes quantidades de angiotensina II (1). Em todos os pacientes com essa condição, desenvolve-se um quadro de hipertensão grave (1).

Hipertensão Primária (Essencial)

A hipertensão primária, também conhecida como essencial, compreende cerca de 90% a 95% dos casos de hipertensão e é de origem desconhecida (1). Na maioria desses pacientes, o excesso de peso e o sedentarismo parecem desempenhar um papel primordial como causas (1).

As principais características da hipertensão primária, frequentemente associadas a sobrepeso/obesidade, incluem (1):

  • Débito cardíaco aumentado: Em parte devido ao fluxo sanguíneo adicional necessário para uma maior quantidade de tecido adiposo. Quando a hipertensão é mantida por muitos meses, a resistência vascular periférica também pode se elevar.
  • Aumento da atividade nervosa simpática, especialmente nos rins. Estudos recentes sugerem que hormônios como a leptina podem estimular diretamente múltiplas regiões do hipotálamo, o que, por sua vez, exerce influência excitatória sobre os centros vasomotores do bulbo (1). Além disso, há evidências de uma diminuição da sensibilidade dos barorreceptores arteriais em amortecer os aumentos na pressão arterial de pessoas obesas (1).
  • Níveis elevados de angiotensina II e aldosterona: Podem estar aumentados em até 3 vezes em muitos pacientes. Esse aumento pode ser causado pela elevação da estimulação nervosa simpática, que aumenta a liberação de renina pelos rins (1).
  • Comprometimento do mecanismo da natriurese por pressão renal: Os rins não excretam a quantidade adequada de sal e água a menos que a pressão esteja elevada (1). Estudos em animais e em indivíduos obesos sugerem que o déficit da natriurese de pressão renal na hipertensão é causado, em sua maioria, por um aumento na reabsorção tubular renal de sal e água, devido à maior atividade nervosa simpática e a níveis elevados de angiotensina II e aldosterona (1). Contudo, se a hipertensão não for eficazmente tratada, poderão ocorrer lesões vasculares nos rins, reduzindo a filtração glomerular e aumentando a severidade da hipertensão (1).

Referências Bibliográficas

  1. HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. 1176 p.

Deixe um comentário0