Progesterona e Antiprogestógenos: Fisiologia, Usos Clínicos e Implicações
Introdução
A progesterona, um hormônio esteroide vital, desempenha papéis cruciais no ciclo menstrual feminino, na gravidez e em diversas outras funções fisiológicas. Compreender sua síntese, metabolismo, ações mediadas por receptores e as aplicações clínicas de progestógenos e antiprogestógenos é fundamental para a prática em saúde.
Fisiologia da Progesterona
A progesterona é predominantemente secretada pelo corpo lúteo durante a fase lútea do ciclo menstrual e pela placenta durante a gravidez (1,2). É sintetizada tanto por células da teca quanto da granulosa do corpo lúteo, em resposta à estimulação do Hormônio Luteinizante (LH) (1). Em menor quantidade, pode ser sintetizada também pelos testículos e pela glândula suprarrenal (2).
A maior parte da progesterona secretada circula ligada à albumina, e não à globulina ligadora de esteroides sexuais (1,2). Uma certa quantidade é estocada no tecido adiposo (2). A degradação da progesterona assemelha-se à dos androgênios e estrogênios, ocorrendo principalmente no fígado (1,2). Seus derivados, pregnenolona e pregnanodiol, são conjugados ao ácido glicurônico e eliminados na urina (1,2).
Os principais alvos de ação da progesterona são o trato reprodutor e o eixo hipotalâmico-hipofisário (1).
Efeitos Mediados pelos Receptores de Progesterona
A progesterona exerce a maioria de seus efeitos pela regulação direta da transcrição gênica (1). Isso ocorre através de duas proteínas receptoras específicas de progesterona, denominadas A e B, localizadas em tecidos-alvo como a mama, o útero, o cérebro, o sistema nervoso central e o sistema cardiovascular (1).
A expressão dos receptores de progesterona é regulada positivamente (upregulation) pelos estrogênios e negativamente (downregulation) pela própria progesterona na maioria dos tecidos-alvo (1). Consequentemente, a expressão desses receptores no útero aumenta durante a segunda metade do ciclo menstrual e diminui durante a fase lútea (1). Em geral, a progesterona atua sobre o trato reprodutor, preparando-o para o início e a manutenção da gravidez (1).
As principais funções fisiológicas da progesterona são mediadas no útero, incluindo a supressão da contratilidade do miométrio (1). No cérebro, ela modula o comportamento sexual e regula a temperatura corporal (1). O aumento dos níveis de progesterona durante a fase lútea eleva a temperatura tanto central quanto da pele (1), resultando em um padrão bifásico de temperatura central durante o ciclo menstrual, com temperatura mais alta na fase lútea (1).
Ações Fisiológicas da Progesterona
- Útero – Início da gravidez: A progesterona induz a diferenciação do estroma, estimula as secreções glandulares e modula a proliferação cíclica durante o ciclo menstrual (1). Ela induz a proliferação e a diferenciação das células uterinas no início da gravidez, criando um ambiente favorável ao desenvolvimento inicial do embrião (1).
- Útero – Promoção e manutenção da implantação: Desempenha um papel crucial na preparação do endométrio para a implantação de um óvulo fertilizado e estimula a síntese das enzimas responsáveis pela lise da zona pelúcida (1).
- Útero – Efeito sobre a contratilidade: A progesterona induz um estado de quiescência do miométrio (1). Vários mecanismos estão envolvidos, incluindo: aumento do potencial de repouso da membrana e prevenção do acoplamento elétrico entre as células miometriais; diminuição do influxo de cálcio extracelular necessário para a contração, por meio da regulação negativa da expressão gênica de subunidades dos canais de cálcio dependentes de voltagem; bloqueio da capacidade do estradiol de induzir a expressão de receptores α-adrenérgicos na membrana (a ativação α-adrenérgica provoca contrações); diminuição da síntese de prostaglandinas; aumento da inativação das prostaglandinas; e oposição aos efeitos estimuladores do estrogênio sobre a expressão da prostaglandina F2α endometrial (1). A progesterona mantém os níveis de relaxina, inibindo a contração miometrial espontânea ou induzida pelas prostaglandinas, e contribui para a manutenção da implantação e o início da gravidez, aumentando a estrutura do colágeno e a distensibilidade do útero (1). No final da gravidez, a queda observada nos níveis de progesterona está associada a um aumento na atividade da prostaglandina-sintase e produção de prostaglandina F2α , aumentando a contratilidade do útero (1).
- Efeitos sobre a lactação: Na glândula mamária, a progesterona estimula o desenvolvimento lobular-alveolar em preparação para a secreção de leite (1). Ela antagoniza os efeitos da prolactina na metade até o final da gravidez, impedindo a síntese das proteínas do leite antes do parto (1). A súbita queda dos níveis circulantes de progesterona, que ocorre com o parto, está associada a um aumento concomitante na secreção de prolactina e ao início da lactação (1).
- Ação antiestrogênica: A progesterona antagoniza a indução pelos estrogênios de muitos genes conhecidos responsivos a hormônios (1). Esse efeito é mediado pela regulação negativa das concentrações citoplasmáticas e nucleares das proteínas receptoras de estrogênio, diminuindo assim a concentração de estrogênio ativo (e antagonizando a ação do receptor de estrogênio em nível molecular), em particular no útero (1).
Conduta Clínica: Progestógenos e Antiprogestógenos
Progestógenos
Os progestógenos são análogos sintéticos da progesterona com diversas aplicações clínicas:
- Contracepção: Podem ser utilizados em contraceptivos orais combinados com estrogênios, como contraceptivos orais contendo apenas progesterona, na forma de injetáveis ou implantes com apenas progesterona, ou como parte de um sistema contraceptivo intrauterino (2).
- Terapia de reposição hormonal: Combinados com estrogênios (2).
- Endometriose: No tratamento desta condição (2).
- Carcinoma endometrial: Embora seu uso no câncer de mama e renal tenha diminuído, ainda é aplicado no carcinoma endometrial (2).
- Uso menos validados: Incluem doenças menstruais (2).
Fármacos Progestógenos:
Há dois grupos principais de progestógenos:
- Hormônio natural e seus derivados: Incluem hidroxiprogesterona, medroxiprogesterona e didrogesterona. A progesterona em si é praticamente inativa quando consumida via oral devido ao metabolismo hepático pré-sistêmico significativo (2).
- Derivados da testosterona: Exemplos incluem noretisterona, norgestrel e etinodiol (2). Os dois primeiros podem ser administrados oralmente, apresentam alguma atividade androgênica e são metabolizados em produtos estrogênicos (2).
Efeitos Adversos dos Progestógenos:
- Ações androgênicas (2).
- Acne (2).
- Retenção de líquidos (2).
- Alterações no peso (2).
- Depressão (2).
- Mudança na libido (2).
- Desconfortos nas mamas (2).
- Ciclos menstruais irregulares (2).
- Sangramentos inesperados (2).
Antiprogestógenos
Os antiprogestógenos são fármacos que antagonizam a ação da progesterona.
Mifepristona:
A mifepristona é um agonista parcial dos receptores de progesterona, que sensibiliza o útero à ação das prostaglandinas (2). É administrada oralmente e possui uma meia-vida plasmática de 21 horas (2). A mifepristona é utilizada em conjunto com uma prostaglandina (Ex: gemeprosta) como alternativa médica à interrupção cirúrgica da gravidez (2).
Referências Bibliográficas
- MOLINA, P. E. Fisiologia Endócrina. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2014. 309 p.
- RITTER, J. M. et al. Rang & Dale Farmacologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2020. 789 p.