Proteínas e Aminoácidos: Fundamentos Fisiológicos e Aplicações Nutricionais
Introdução
As proteínas são macronutrientes essenciais, fundamentais para a estrutura e função de todos os tecidos e sistemas biológicos.
Estrutura e Composição Muscular
Estima-se que o corpo de um homem adulto de 70 kg contenha aproximadamente 12 kg de proteínas e cerca de 200 g de proteínas e aminoácidos livres, com apenas 5 g em circulação sanguínea (9). Desse total, o músculo esquelético corresponde a aproximadamente 40-45% da massa corporal (9).
A composição muscular pode ser dividida em:
- Água: 70-75%
- Proteína: 15-20%
- Gordura, glicogênio e minerais: 5-7%
Aminoácidos: Classificação e Essencialidade
Todos os 20 aminoácidos, independentemente de sua classificação, são indispensáveis para a síntese proteica normal (9). A deficiência de apenas um desses aminoácidos pode comprometer o processamento de uma nova proteína essencial para o organismo ou, ainda, sinalizar processos de degradação de proteínas já existentes (catabolismo) para disponibilizar aminoácidos não essenciais (AANE) e/ou nitrogênio para a biossíntese de proteínas (9).
Classificação dos Aminoácidos
- Aminoácidos Essenciais (AAE): Apresentam esqueletos carbônicos (alfacetoácidos) que não podem ser sintetizados pelo organismo humano, sendo obtidos exclusivamente pela ingestão de alimentos (9).
- Leucina
- Valina
- Isoleucina
- Lisina
- Treonina
- Fenilalanina
- Metionina
- Histidina
- Triptofano
- Aminoácidos Não Essenciais (AANE): Podem ser sintetizados pelo organismo a partir de AAE por transaminação e/ou por alfacetoácidos provenientes de metabólitos da glicose no ciclo de Krebs (9).
- Alanina
- Aspartato
- Asparagina
- Glutamato
- Serina
- Aminoácidos Semiessenciais: Podem se tornar essenciais quando sua síntese é limitada sob condições fisiopatológicas específicas ou em situações de maior demanda, como em períodos de rápido crescimento tecidual (9).
- Arginina
- Glutamina
- Cisteína
- Glicina
- Prolina
- Tirosina
Outras Classificações
A literatura também classifica os aminoácidos conforme os produtos finais gerados por sua oxidação, distinguindo-os em cetogênicos ou glicogênicos (9).
- O catabolismo dos aminoácidos cetogênicos produz acetoacetato ou seus precursores (acetil-CoA ou acetoacetil-CoA) (9).
- Já os aminoácidos glicogênicos, quando degradados, geram piruvato ou algum intermediário do ciclo de Krebs e podem, por meio da gliconeogênese, formar glicose (9).
Digestão e Absorção de Proteínas
Embora as proteínas não sofram ação enzimática na boca, a mastigação é um processo importante para o fracionamento mecânico (9). A digestão das proteínas ocorre principalmente no estômago e no intestino delgado, por meio da hidrólise proteica, um processo que depende tanto de enzimas digestivas quanto do pH ácido (14).
No estômago, os polipeptídios estimulam as células G da mucosa a secretar o hormônio gastrina, que, por sua vez, estimula as células parietais a liberar o suco gástrico e as células principais a secretar a enzima inativa pepsinogênio (9). As proteases, como a pepsina, são geralmente armazenadas como precursores inativos e ativadas somente ao serem liberadas no estômago ou intestino delgado, um mecanismo que previne a autodigestão das células produtoras (14). O ácido clorídrico (HCl) e os íons H+ acidificam o meio (pH ≈ 2), promovendo a ativação do pepsinogênio em pepsina, enzima responsável por hidrolisar aproximadamente 15% da proteína ingerida em aminoácidos e peptídeos menores (9, 14).
Com a motilidade gástrica, o quimo ácido é transportado para o intestino delgado, ativando as células I a liberar o hormônio colecistoquinina (CCK). A CCK estimula a secreção do suco pancreático no duodeno (9). O suco pancreático é composto por peptidases (que degradam cerca de 50% das proteínas no duodeno) e por uma solução alcalina rica em bicarbonato de cálcio, que neutraliza o quimo ácido, estabelecendo um pH neutro ou levemente alcalino. Esse pH favorece a atividade das peptidases pancreáticas e inativa a pepsina (9, 14).
A borda em escova do intestino delgado libera outras peptidases que atuam nas ligações remanescentes entre os peptídeos da ação das peptidases pancreáticas (9). Assim, aproximadamente 70% dos oligopeptídeos são hidrolisados em aminoácidos e cerca de 30% em dipeptídeos e tripeptídeos (9, 14).
Os aminoácidos são captados na borda em escova por transportadores de aminoácidos, e os pequenos peptídeos, por um transportador de peptídeos. No citosol do enterócito, esses peptídeos são clivados em aminoácidos individuais (9, 14). Em seguida, são transportados pela membrana basolateral para a circulação sanguínea e, pela veia porta, encaminhados ao fígado (9). Já foram identificados pelo menos 7 transportadores de aminoácidos na borda em escova, indicando a ampla capacidade do intestino para absorver aminoácidos e peptídeos. É relevante que esses transportadores não são “aminoácido-específicos”, o que facilita ainda mais a absorção (14).
Metabolismo Proteico
O fígado é o órgão responsável por controlar as concentrações de aminoácidos circulantes, tanto os essenciais quanto os não essenciais (9). No estado pós-absortivo, aproximadamente 20% dos aminoácidos são liberados diretamente na corrente sanguínea, enquanto 6% são utilizados na síntese de proteínas plasmáticas (9).
A utilização dos aminoácidos em cada tecido ocorre de acordo com as demandas específicas, buscando sempre um equilíbrio dinâmico entre as proteínas teciduais, os aminoácidos plasmáticos e aqueles provenientes da dieta. Esse processo é denominado renovação de proteínas ou turnover proteico (9). A renovação de proteínas pode ser definida como o conjunto de processos celulares de síntese (utilizando aminoácidos para sintetizar peptídeos e proteínas) e degradação (catabolismo de proteínas ou peptídeos em aminoácidos), que controlam a quantidade e a qualidade das proteínas em um sistema biológico (9). A taxa de renovação proteica varia significativamente entre os tecidos: a proteína muscular se renova a uma taxa de 0,06%/hora (cerca de 1,5% ao dia), enquanto as taxas de renovação das proteínas sanguíneas e intestinais variam de 1% a 30%/hora e 1% a 2%/hora, respectivamente (9).
Síntese e Degradação de Proteínas Musculares (SPM e DPM)
No estado pós-prandial (até 2 horas após uma refeição), a taxa de Síntese Proteica Muscular (SPM) excede a taxa de Degradação Proteica Muscular (DPM), resultando em um estado anabólico (estado de biossíntese) (9). No estado pós-absortivo (4 horas após uma refeição), observa-se a liberação de aminoácidos do músculo para o plasma, o que permite a utilização desses aminoácidos na síntese em outros tecidos (9). Nessas condições, a taxa de DPM é maior do que a taxa de SPM (9).
Recomendações Nutricionais de Proteínas e Aminoácidos
Recomendações Gerais de Proteína
- 1 g a 2,5 g de proteína por kg/dia (8, 9).
- 0,25 – 0,4 g/kg de proteína por refeição (visando ganho de massa), não ultrapassando 40 g (5, 9).
- Incluir uma fonte de proteína antes de dormir (2).
- A padronização uniforme da ingestão proteica demonstrou benefícios para a SPM (9).
- Em idosos, doses maiores após o exercício físico podem ser úteis (30-40 g) (9).
Recomendações de Aminoácidos (baseadas na FAO/WHO/ONU 2007) (13)
- Aminoácidos Essenciais: 173 mg/kg/dia.
- BCAA (Aminoácidos de Cadeia Ramificada): 82 mg/kg/dia.
- Leucina: 35 mg/kg/dia.
- Isoleucina: 25 mg/kg/dia.
- Valina: 22 mg/kg/dia.
- Lisina: 30 mg/kg/dia.
- Metionina + Cistina: 12 mg/kg/dia.
- Fenilalanina + Tirosina: 30 mg/kg/dia.
- Treonina: 15 mg/kg/dia.
- Triptofano: 4 mg/kg/dia.
Suplementação Nutricional de Proteínas
A principal indicação da suplementação proteica é adequar a ingestão diária de proteína da dieta.
Recomendações para Suplementos de Proteína (ex: Whey Protein)
- Pelo menos 8 g de aminoácidos essenciais por porção.
- Pelo menos 2 g a 3 g de leucina por porção (3).
- Composição de 70% de proteína e no máximo 30% de carboidrato.
- O tempo de absorção da proteína não é o fator mais crítico (5).
- Ao escolher whey protein, considerar intolerâncias, digestibilidade e sintomas gastrointestinais.
Leucina
A leucina está diretamente relacionada à ativação da via de sinalização anabólica mTOR, uma das principais responsáveis pela síntese proteica celular (10). Estudos demonstram que uma quantidade aumentada de leucina, seja pela alimentação ou suplementação, é capaz de promover maior SPM, principalmente em idosos (10). O aumento no fornecimento de leucina e outros aminoácidos essenciais, inclusive por meio de whey protein, é uma das melhores formas de mitigar a perda de massa muscular (10).
Proteínas e Hipertrofia Muscular
A literatura científica estabelece que o principal mecanismo envolvido no ganho de massa muscular induzido pelo treinamento de força é o aumento da SPM (7). Nesse contexto, uma das condutas mais eficazes para aumentar a SPM em associação ao treinamento de força é o consumo de proteínas e aminoácidos (7). O consumo adequado de proteínas com alto valor biológico, combinado com exercícios de força, parece prolongar a síntese proteica por até 24 horas em indivíduos treinados e até 48 horas em indivíduos destreinados (7).
Alguns estudos indicam que a ingestão de proteínas próxima ao treino de resistência pode melhorar a recuperação da função muscular (11). Adicionalmente, foi observado que a ingestão de proteínas após o treinamento parece reduzir a expressão de miostatina e miogenina em pelo menos 1 hora, sugerindo vantagens para a hipertrofia muscular (Pós-VP). Benefícios com a suplementação de whey protein na restauração da função contrátil do músculo foram observados quando utilizado entre 24-96 horas pós-treino de resistência (11). A quantidade de whey protein necessária para otimizar o anabolismo pós-exercício é de aproximadamente 20 g (11). Em relação ao tipo de proteína, estudos demonstram que não há diferença significativa entre a suplementação com soja ou com a proteína do soro do leite para o ganho de massa (12).
Consumo Antes de Dormir
O consumo de proteína antes de dormir resultou em um aumento da síntese proteica em comparação com aqueles que não consumiram (Nota: o grupo que consumiu proteína antes de dormir ingeriu uma quantidade maior) (2). Embora interessante, o consumo de proteínas antes do sono não é uma obrigação e não necessariamente precisa ser caseína (Pós-VP). O consumo de caseína à noite não demonstrou efeitos superiores significativos em comparação com o consumo de proteína ao longo do dia (4).
Idosos
Em idosos, especialmente após o exercício físico, uma maior ingestão de proteínas parece ser necessária devido a fatores inerentes ao processo de envelhecimento, sendo sugerido o consumo de 30 a 40 g de proteína por refeição imediatamente após o exercício (9).
Limite de Consumo de Proteína
Alguns estudos indicam que 20 g de proteína por refeição seria o ideal, e que doses superiores a 40 g de proteína não promoveriam aumentos adicionais na SPM. Pelo contrário, elevavam a síntese de ureia e a oxidação de aminoácidos (9). O consumo de proteínas “utilizável” pelo corpo (de rápida absorção) é de 20-25 g. Contudo, proteínas de lenta absorção podem atrasar esse processo, potencialmente elevando esse valor (6). Fontes de rápida absorção incluem whey protein, claras de ovos, soja e cortes magros de carne (> 95% magro). Em contraste, cortes não magros (< 80% magro) e caseína são consideradas fontes de digestão lenta (6).
O consumo de proteínas acima de 3,3-4,4 g/kg não demonstrou superioridade em relação ao ganho de massa magra quando comparado a valores entre 1,4-2,0 g/kg (7, 8). Outra opção de cálculo baseia-se na massa livre de gordura (FFM), sugerindo 2,3-3,1 g/kg de FFM, pois a gordura não influencia a demanda proteica (8). Para treinos com foco em ganho de massa muscular, a ingestão de até 2,4 g/kg pode ser benéfica. Para indivíduos sem essa necessidade específica, 1,4 g/kg já são suficientes. Volumes de 30% de proteína por refeição parecem melhorar tanto a preservação quanto o ganho de massa magra (8).
Distribuição ao Longo do Dia
Uma das justificativas para distribuir igualmente a quantidade de proteínas em cada refeição e favorecer o anabolismo proteico baseia-se na premissa de que a leucina, em particular, estimula a SPM ao atingir um limiar de ingestão em cada refeição, e que o excedente de aminoácidos, além de não estimular a SPM, não é estocado, mas oxidado (9). Além disso, essa distribuição tem sido associada à melhora do controle do apetite, maior saciedade e maior plenitude ao longo do dia (9).
Timing de Consumo
Não há um consenso absoluto sobre o melhor momento para a ingestão de proteínas a fim de maximizar a SPM (9). Uma meta-análise sugeriu que o consumo total de proteínas na dieta é mais relevante para a SPM (9). Sabe-se que a estimulação da síntese proteica é um processo finito e transitório, com duração estimada de 3 horas após a ingestão de proteínas em quantidades suficientes para estimular a MPS (7). Contudo, a MPS obedece a um período de latência, no qual o consumo muito frequente de proteínas não produz benefícios adicionais em termos de aumento da MPS (7).
Proteínas Vegetais
Entre as proteínas de origem vegetal, a soja é a mais estudada (12). Essa leguminosa é classificada como uma proteína de rápida digestão e nutricionalmente completa, embora com menores quantidades de aminoácidos de cadeia ramificada, especialmente leucina (12). Outra proteína vegetal que tem ganhado destaque é a proteína do arroz, considerada de absorção moderada a lenta, com uma absorção de leucina mais rápida em comparação com a proteína do leite (12).
Proteínas e Emagrecimento
Um estudo demonstrou que o consumo de 3,3 g/kg de proteína durante uma dieta com déficit calórico preserva mais massa muscular do que uma dieta “tradicional” com 1,6 g/kg (Pós-VP). No entanto, em relação à síntese proteica, não há evidências de melhora com quantidades acima de 2,5 g/kg (Pós-VP).
Fisiologia: Funções da Proteína no Corpo
As proteínas desempenham múltiplas funções essenciais no corpo, incluindo:
- Produção de anticorpos para o sistema imune.
- Síntese hormonal e de enzimas.
- Auxílio na digestão e absorção de nutrientes.
- Fonte de energia.
- Maximização do transporte de energia quando os níveis de glicogênio estão baixos.
- Componente estrutural de músculos, tendões, ligamentos, órgãos, ossos, cabelo, pele e demais tecidos.
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