Psicanálise: Uma Exploração do Inconsciente e da Constituição Psíquica


Psicanálise: Uma Exploração do Inconsciente e da Constituição Psíquica


Introdução

A psicanálise, idealizada por Freud, constitui um campo fundamental para a compreensão do funcionamento psíquico, com foco primordial no inconsciente do indivíduo. Opera a partir de um conjunto de conceitos que delineiam a organização psicológica, priorizando o papel do inconsciente.


O Inconsciente

O inconsciente é o conceito mais central da psicanálise. Ele designa uma região do psiquismo que se torna acessível por meio das chamadas formações do inconsciente, como os sonhos, os atos falhos, os lapsos, os sintomas e os chistes. Representa uma grande parte da nossa mente, embora não seja diretamente visível à consciência. O inconsciente freudiano é o local da causa psíquica, caracterizando-se como um inconsciente dinâmico e uma região lógica do psiquismo. É uma instância psíquica com leis e um sistema próprios, em contraposição ao sistema consciente.


História: Histeria e Hipnose

Antecedentes

Entre os séculos XV e XVIII, a Igreja Católica, por meio da Inquisição, perseguiu protestos e subversões aos dogmas religiosos, período que coincide com a “caça às bruxas”, focada na vigilância de mulheres supostamente envolvidas com feitiçaria. A partir do século XVIII, essa perspectiva começou a mudar com o surgimento do mesmerismo.

O mesmerismo, proposto pelo médico Franz A. Mesmer, era uma técnica de cura baseada na crença de que as doenças nervosas resultavam de um desequilíbrio de um “fluido energético universal”. Mesmer acreditava em uma energia relacionada a um “sexto sentido” ou reciprocidade entre os seres vivos, devido a um fluido magnético que emanava dos indivíduos. A liberação dessa energia, por meio de práticas como o “passe magnético”, seria capaz de promover curas. Por exemplo, a tristeza seria um desequilíbrio dessa energia, e um abraço ou uma palavra de conforto poderiam restaurá-la, revigorando o indivíduo. Essa mudança gradualmente substituiu as concepções demoníacas da histeria por uma interpretação mais científica, que a entendia como uma doença dos nervos, com origem nas estruturas do sistema nervoso.

A Histeria

A histeria é uma manifestação de quadros clínicos variados, que expressam sintomas no corpo como resultado de um conflito psíquico. Atualmente, aspectos da histeria são enquadrados nos chamados “transtornos somatoformes” ou “transtorno de personalidade histriônica”. Os transtornos somatoformes, descritos em manuais diagnósticos como o DSM e a CID, incluem os transtornos com sintomas somáticos, conversivos e dissociativos, tendo como característica comum a presença de sintomas somáticos associados a pensamentos, sentimentos e sofrimento psíquico.

Sintomas como paralisia de membros, dispneia, convulsões, cegueira ou estrabismo, tosses, falas confusas, entre outros, podem ser enquadrados na noção de histeria. A etiologia da histeria, portanto, não está relacionada aos sintomas em si, que podem ser múltiplos e variados, mas sim ao fato de que esses sintomas surgem sem um referente anatomopatológico, ou seja, não há uma causa orgânica que os provoque.

A histeria pode ser compreendida como algo determinado por experiências traumáticas do paciente, que são reproduzidas em sua vida psíquica, fazendo parte do grupo das neuroses. Os sintomas são considerados uma satisfação substitutiva, uma forma de revelar o conflito e, ao mesmo tempo, encobri-lo. Assim como o sintoma, os sonhos, os atos falhos, os chistes e os lapsos são outras formações do inconsciente, operando de maneira similar, revelando conteúdos inconscientes de forma desviada.

Hipnose

Com o desenvolvimento do conceito de histeria, observou-se que a hipnose permitia ao médico acessar o conjunto de sintomas histéricos dentro de um contexto narrativo. Os sintomas passaram a ser vistos dentro de uma história que permitia compreender sua origem. Com isso, foi possível observar que:

  • Os sintomas histéricos não eram produtos de pactos diabólicos ou de simulação.
  • O conjunto de sintomas era passível de ser observado e inserido em uma trama de sentidos, em uma narrativa histórica, e não apenas em uma perspectiva orgânica.

Nesse ponto, a hipnose pode ser apontada como um método que produz um rebaixamento de consciência sob a indução da sugestão hipnótica, ou seja, por meio da fala e do poder simbólico do hipnotizador.

Charcot

De acordo com Charcot, ao hipnotizar alguém com um quadro histérico, o médico constatava modificações fisiológicas, como deslocamento da excitabilidade no sistema nervoso e contraturas sonambúlicas. Além disso, Charcot demonstrou que era possível criar sintomas histéricos, assim como removê-los, pela sugestão hipnótica.

Trauma

Nesse contexto, surge a primeira ideia da relação entre representação e afeto, que está na origem da primeira noção de trauma em psicanálise. Para Freud, o conceito de trauma difere de outros contextos; um trauma é uma intensidade excessiva que se torna insuportável para uma determinada estrutura comportar, um excesso que transborda, que o psiquismo não conseguiu lidar. Para a psicologia, afeto é tudo aquilo que afeta o indivíduo, seja um toque físico ou um sentimento.

A ideia de trauma é complexa, mas pode ser sintetizada como um excesso diante do qual o psiquismo não consegue reagir adequadamente. Pode ser um insulto, um susto, ou qualquer evento que desencadeia um excesso de energia no psiquismo que não consegue uma “liberação”. Os afetos que não conseguiram acesso a essa descarga permanecem represados, gerando efeitos “tóxicos”. Nesse sentido, a ideia de “cura” seria obtida pela liberação do afeto.

Ab-reação e a Divisão da Consciência

A representação do trauma age como um corpo estranho alojado na mente. A hipnose foi o primeiro modo de acesso a essa trama, de modo que o sintoma histérico desaparecia quando se conseguia trazer a lembrança do fato provocado. Diz-se, então, que a lembrança do acontecimento evoca o afeto a ele acoplado, e que “os histéricos sofrem principalmente de reminiscências”.

A ab-reação é a forma pela qual um afeto represado consegue ser liberado por meio do acesso à lembrança do evento a ele ligado (1). É necessária a expurgação do afeto para extinguir os efeitos tóxicos. Em outras palavras, essas lembranças correspondem a traumas que não foram suficientemente ab-reagidos. A ab-reação pode ser entendida como uma espécie de descarga emocional que permite liberar o afeto associado a um evento traumático.

Método Catártico

A catarse é uma forma de expurgação de um afeto ligado a um evento traumático. Esse método era empregado na hipnose e permaneceu mesmo após o abandono da hipnose como técnica por Freud. Embora inicialmente o método estivesse acessível apenas por meio da hipnose, a concepção de descarga emocional, ou ab-reação, persistiu posteriormente.


Aparelho Psíquico de Freud

O aparelho psíquico é a organização proposta por Freud para compreender a dinâmica mental. Descrever o aparelho psíquico foi uma forma de tornar compreensível o funcionamento psíquico, dividindo-o e atribuindo uma função específica a cada parte constituinte. É composto pelos sistemas inconsciente e consciente, sendo o pré-consciente uma parte do sistema consciente. Ele atua como um guardião que vigia o que pode ou não aparecer no consciente.

É crucial evitar a redução do aparelho psíquico a uma tradução cerebral. Freud propôs duas “tópicas” (do grego topos, lugar) para compreender o aparelho psíquico.

1ª Tópica Freudiana

Trata-se de uma noção de aparelho psíquico como um conjunto articulado de lugares (virtuais). Freud relaciona a consciência à função de um órgão sensorial capaz de distinguir qualidades psíquicas (prazer e desprazer, por exemplo). A excitação chega à consciência de duas direções: do sistema perceptivo e do interior do próprio aparelho. Ou seja, os estímulos vêm de dentro ou de fora na percepção do sujeito.

Nesse sentido, a verdade passa a ser relacionada ao desejo (ao inconsciente), e a consciência passa a ser o lugar da ilusão. Para Freud, o funcionamento do inconsciente é a principal fonte para a compreensão dos fenômenos psíquicos. Entretanto, os outros dois sistemas (consciente e pré-consciente) são fundamentais para a estrutura psíquica, promovendo o desenvolvimento de um bebê até sua inserção no meio social.

  • Consciente: Contém as representações mentais das quais estamos plenamente conscientes no momento. Este sistema psíquico está em permanente transformação, pois há uma grande circulação de representações na consciência, de acordo com a vivência de cada pessoa.
  • Pré-consciente: Abriga as representações que podem vir à tona na consciência, mas que não estão disponíveis no momento. Faz parte do sistema consciente. Pode ser concebido como algo entre o inconsciente e o consciente, filtrando as informações que passam para o consciente. Foi pensado como uma espécie de peneira e um arquivo de registros, e, embora suas ideias possam estar fora do alcance da consciência, elas não são inconscientes no sentido de recalcadas.
  • Inconsciente: Contém as representações que já ocuparam o consciente e/ou o pré-consciente, mas que foram expulsas por causarem angústia. São representações que sofreram recalque e, por isso, não podem mais se tornar conscientes, a menos que se aplique um intenso trabalho analítico.

2ª Tópica Freudiana

A divisão do aparelho psíquico em consciente, pré-consciente e inconsciente mostrou-se insuficiente à medida que Freud avançava em suas observações e teorias. A experiência clínica levou-o a perceber que uma parte considerável do ego também era inconsciente. Freud observou que haveria uma resistência do ego que impedia o acesso às representações mentais recalcadas, mas essa resistência também seria inconsciente.

Essa mudança no olhar de Freud reorganizou a concepção de Ego, tornando-a mais complexa ao englobar também uma parte inconsciente. O aparelho psíquico, então, tomou uma nova conformação, sendo dividido em três instâncias: ID, EGO e Superego. A segunda tópica pode ser resumida como um esquema que busca um constante equilíbrio para permitir a vida dentro das possibilidades consideradas adequadas e adaptadas à realidade externa.

ID

O ID é considerado o polo pulsional da personalidade, e seus conteúdos são inconscientes. Pode ser visto como o reservatório da libido (energia psíquica de ordem sexual) e, do ponto de vista dinâmico, entra em conflito com o Superego. O ID não é sinônimo de inconsciente, mas seu funcionamento e conteúdo são de ordem inconsciente.

Segundo Freud, o ID seria nossa parte mais instintiva, que sustenta desejos, ímpetos e vontades, sem conhecer freios morais. O ID funciona conforme o princípio do prazer, fazendo exigências constantes de satisfação. Ele é organizado segundo a lógica inconsciente, na qual não existe tempo cronológico, noção de espaço ou de certo e errado. Pode-se dizer que o bebê, em seus primeiros momentos de vida, é puro ID. À medida que o Ego se desenvolve, permite que a satisfação seja alcançada com auxílio do princípio da realidade, mediante investimento em objetos reais. É na relação entre ID e Ego que o sujeito consegue construir sua relação com o mundo, tornando-se um ser social.

Ego

O Ego continua sendo o polo da consciência, onde se verifica a ação do princípio da realidade, exercendo uma função adaptativa. O Ego é uma parte diferenciada do ID, surgindo de seu contato com a realidade externa. O Ego mantém uma relação com as reivindicações do ID, com os imperativos do Superego e com as exigências da realidade, situando-se como um mediador. No entanto, sua autonomia é relativa.

Do ponto de vista dinâmico, o Ego representa, no conflito neurótico, o polo defensivo da personalidade. Ele aciona uma série de mecanismos de defesa, motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angústia). O Ego não tem a função de bloquear o desejo; ele garante que as necessidades do ID sejam satisfeitas de forma segura, eficaz e adequada. Do ponto de vista econômico, ele impede temporariamente a descarga de energia do ID até o momento e local apropriados. E, embora conciliador e adaptativo à realidade, o Ego também funciona, em parte, pela lógica do inconsciente. Diante do fato traumático, o Ego lança mão de mecanismos de defesa que são disparados sem que a consciência tenha acesso a isso.

Mecanismos de Defesa do Ego

Mesmo em sua parte inconsciente, o Ego tem a função de preservar o “eu”, afastando representações dolorosas. A defesa, adaptação e controle de impulsos são as principais funções dessa instância. A capacidade de controlar impulsos e adiar a satisfação são características de uma personalidade madura.

  • Recalque: Consiste em retirar da consciência a representação dolorosa, desagradável ou inconciliável com o sistema de crenças. O material recalcado, que compõe o inconsciente, retorna nos sintomas, demonstrando que seu caráter de defesa não é totalmente bem-sucedido.
  • Projeção: Tipo de defesa que atribui ao outro características, sentimentos e desejos que o sujeito se recusa a reconhecer em si mesmo. É um movimento que lança para fora aquilo que o sujeito não quer em si ou que o causa incômodo. Um exemplo observável de projeção é na aplicação de testes projetivos, que oferecem estímulos ambíguos para que o sujeito projete conteúdos internos.
  • Formação Reativa: Mecanismo caracterizado pela transformação de um pensamento ou sentimento no seu oposto, onde o sujeito adere à ideia contrária àquela que foi recalcada, muitas vezes de forma excessiva. Exemplo: alguém com desejos homossexuais não aceitos pode desenvolver comportamento homofóbico.
  • Racionalização: Mecanismo que atribui motivações mais aceitáveis e intelectuais do que as verdadeiras, das quais o Ego se defende. O conteúdo desconfortável para o Ego é transformado em uma justificativa racional ou ideal no campo do pensamento. É uma defesa que se apoia no raciocínio lógico, explicando sentimentos e emoções e, assim, disfarçando os conflitos internos.
  • Regressão: Mecanismo que induz o retorno a uma fase anterior do desenvolvimento, em que as satisfações eram mais imediatas e o princípio do prazer tinha mais espaço.

Superego

O Superego é responsável pela imposição de normas, padrões e sanções. É uma instância que incorpora uma lei e proíbe sua transgressão, tendo como função o juízo moral. O Superego é a última das três instâncias a se desenvolver e, de acordo com Freud, é o herdeiro do complexo de Édipo.

Como herdeiro do complexo de Édipo, o Superego começa a se constituir a partir do momento em que a criança renuncia ao pai/mãe como objeto de desejo. É a introjeção da lei que forma a instância responsável pelo julgamento a partir de normas sociais. Na relação entre o Ego e o Superego, este representa as exigências da cultura, enquanto o ID exerce pressão para a satisfação pulsional.


O Inconsciente em Profundidade

A ideia do inconsciente surge associada ao conceito de recalque, ambos derivados do tratamento da histeria. O recalque seria um mecanismo de defesa que impede a lembrança. O inconsciente pode ser considerado uma consequência do recalque, no qual lembranças traumáticas perdem o investimento afetivo e se tornam inconscientes.

Foi observado que, quando uma representação entra em conflito com a cadeia de representações consciente, uma “segunda consciência” é inaugurada para reter essa representação conflitiva. Assim, deu-se início ao surgimento do que seria chamado de inconsciente. O inconsciente freudiano é o lugar da causa psíquica, é o inconsciente dinâmico, uma região lógica do psiquismo. É uma instância psíquica com suas leis próprias e, portanto, com um sistema próprio, em contraposição ao sistema consciente.

Técnica de Pressão

Nesse contexto, a hipnose cede lugar à técnica da pressão, que não exigia a indução ao estado hipnótico. Em vez disso, a ênfase da técnica era centrada no domínio da sugestão de forma consciente. Freud solicitava aos pacientes que deitassem e fechassem os olhos, de modo semelhante ao método hipnótico. No entanto, à medida que o processo de questionamento sobre os fatos que levavam a determinados sintomas aumentava, persistiam as resistências que dificultavam o acesso à origem da neurose. Essa “defesa” marcou o início do conceito de recalque.

Defesa

No mecanismo histérico, uma representação conflitante é separada das demais, sofrendo o processo de recalque. Desse modo, o afeto permanece investido no corpo, em um processo de conversão somática. Assim, a paciente investe a energia do afeto inaceitável (um amor proibido, por exemplo) em seu corpo, por meio do sintoma (apresentando, por exemplo, uma cegueira sem causa fisiológica) e, assim, consegue lidar com o conflito psíquico que a aflige.

De acordo com alguns autores, a defesa incide sobre a excitação interna (pulsão) e, preferencialmente, sobre uma das representações (recordações, fantasias) à qual está ligada, sobre uma situação capaz de desencadear essa excitação na medida em que é incompatível com este equilíbrio, e por isso, desagradável para o Ego. O Ego é um espaço de tentativa de preservação de uma certa coerência consciente, sendo assim, a forma de lidar com o conflito psíquico. A defesa age sobre o que é perturbador para o sistema consciente. As variadas formas de defesa consistem nesse jogo de separação entre a representação e o afeto. A defesa age sobre o que vem a ser perturbador para o sistema consciente.

Formações do Inconsciente

O sintoma é uma formação do inconsciente porque realiza um compromisso entre o que pode e o que não pode ser mantido no sistema consciente. O sintoma é uma satisfação substitutiva, uma maneira de revelar o conflito e, ao mesmo tempo, encobri-lo. Assim como o sintoma, os sonhos, os atos falhos, os chistes e os lapsos são outras formações do inconsciente, pois operam segundo a mesma lógica de revelar de maneira desviada algum conteúdo do inconsciente.

Ato Falho

Quando a hipnose é substituída pela associação livre, Freud percebeu que o inconsciente insiste e emerge também na fala, manifestando-se no consciente por meio do equívoco. Nesse sentido, o lapso verbal, em especial, foi considerado por Freud o mais apropriado para a investigação. Falar uma palavra no lugar de outra, que seria a intenção consciente, permite uma forma de acesso aos conteúdos que são repelidos pela consciência. Para Freud, o ato falho evidencia que há mais de uma intenção em jogo. Em resumo, o confronto entre intenções evidencia a existência de dois sistemas psíquicos (consciente e inconsciente) e o conflito entre eles, o que está na base de toda a teoria freudiana. Freud afirma que o fenômeno do ato falho é uma formação de compromisso entre a intenção consciente da pessoa e o conteúdo recalcado.

Chistes

De acordo com Freud, as piadas, especialmente as tendenciosas, servem como uma forma de liberar pensamentos inibidos. O chiste também carrega o duplo sentido, ou seja, a graça está no que não é dito, mas é compreendido. Não se explica uma piada; o riso é provocado pela compreensão do não dito. Geralmente com conteúdo de cunho sexual, agressivo ou crítico, Freud considera que conteúdos inconscientes, muitas vezes hostis e reprimidos socialmente, podem ser externalizados pelo humor. Para a psicanálise, o chiste também é visto como uma forma de laço social. A piada provoca o riso do grupo para o qual é contada, gerando satisfação em quem a conta.

Parapraxias

Parapraxias são ações que a pessoa realiza de forma contrária à intenção original. Quando se realizam atividades que conscientemente são consideradas de uma forma, mas inconscientemente essas atividades assumem o desejo que as originou em primeiro lugar e que se encontra guardado. Exemplo: trocar o nome de alguém durante uma conversa.


Formas do Prazer e Princípio da Realidade

Para abordar esses dois princípios, é necessário associá-los à oposição entre processo primário e processo secundário, que correspondem às duas formas de circulação de energia no psiquismo.

Processo Primário – Energia Livre

No processo primário, a energia escoa livremente de uma representação para outra, como nos processos de condensação e deslocamento dos sonhos, e tende a investir aquelas representações associadas a experiências de satisfação. O processo primário caracteriza o sistema inconsciente.

Processo Secundário – Energia Ligada

No processo secundário, a energia está “ligada” antes de escoar e a satisfação pode ser adiada. Ele diz respeito ao sistema pré-consciente / consciente.

Princípio do Prazer e da Realidade

O processo primário está relacionado à descarga de excitação imediata, sem barreiras, enquanto o processo secundário se relaciona ao pensamento de vigília, ao juízo, à atenção. Os processos psíquicos primários funcionam sob a égide do princípio do prazer, no qual a realidade externa cede lugar à economia pulsional, ou seja, à regulação prazer-desprazer. Eles aparecem sob a forma de sonho ou do fenômeno neurótico, pois são incapazes de conduzir sua existência.

Os bebês nascem imersos no princípio do prazer, sem dispositivos para lidar com as exigências da realidade. O princípio da realidade começa a operar à medida que o desenvolvimento permite. Freud assinala que a mais primitiva satisfação pulsional está relacionada à nutrição, e a amamentação no seio materno torna-se modelar para todos os relacionamentos amorosos da criança. A amamentação imprime uma marca de prazer no bebê que vai além da necessidade biológica. Nesse sentido, Freud afirma que a satisfação humana vai além das necessidades. No entanto, é necessário que o bebê saia do circuito da energia livre, no qual impera absoluto o princípio do prazer, para que a vida aconteça. É o desenvolvimento do princípio da realidade que permite sua inserção no meio social.

O equilíbrio entre o princípio do prazer e o princípio da realidade está associado à saúde psíquica e à vida em sociedade, na qual normas precisam ser introjetadas e o prazer muitas vezes adiado.


O Inconsciente e os Sonhos

Freud resgata o sonho como um índice de sentido, que revela algo do inconsciente. Ele distingue três linhas de pensamento sobre o significado dos sonhos:

  • Visão dos filósofos: Consideravam a vida onírica uma elevação da atividade mental.
  • Visão dos pensadores: Consideravam os sonhos como uma manifestação de forças que não se expandiram durante o dia.
  • Visão dos médicos: Defendiam que os indutores dos sonhos são estímulos sensoriais e somáticos externos ou internos do indivíduo.

Para Freud, o sonho é uma maneira do inconsciente revelar um desejo de forma disfarçada. No sonho, há uma “licença” para entrar em contato com nossa “loucura privada”, como se não tivesse relação conosco. Mas, para Freud, o sonho revela justamente aquilo que é mais nosso. O sonho é como uma janela para o inconsciente, uma realização alucinatória de um desejo. Os sonhos não são meros “restos psíquicos”, mas são a possibilidade de um desejo se realizar de maneira alucinatória, por meio de imagens. São uma formação de compromisso entre o sistema consciente e o sistema inconsciente.

Segundo Freud, sempre haverá dois conteúdos básicos intrínsecos na interpretação do sonho: o conteúdo manifesto do sonho e os pensamentos oníricos latentes. O material do primeiro corresponde ao sonho lembrado, que pode ser relatado pelo sonhador. Já o material do segundo é o que há de oculto e inconsciente no sonho, o que se pretende atingir pela sua interpretação. Pode-se afirmar que há o sonho sonhado (conteúdo latente) e o relato do sonho (conteúdo manifesto). Entre esses dois conteúdos, impera a censura, impedindo que o conteúdo latente seja acessado pelo sujeito, exceto pelo trabalho de interpretação analítica.

A censura pode ser explicada como uma tendência que domina a consciência de uma pessoa, com a finalidade de inibir outra tendência que lhe é oposta, mantendo, assim, o conteúdo inconsciente fora do alcance da consciência. A censura atua como uma força que impede o acesso ao fato traumático. Quando dormimos, há um relaxamento da censura, e ao acordarmos e lembrarmos dos sonhos, a censura se faz presente, separando o que foi sonhado e o que poderá ser lembrado.

Freud afirma que os sonhos são sempre realizações de desejos, especificamente de desejos que vão na contramão das imposições sociais, como os costumes, a educação, a religião, os tabus e as normas. O desejo inconsciente atravessa a barreira da censura no momento do sonho e se articula a esses elementos, que no sonho ganham um sentido diferente daquele vivenciado em estado de vigília. Em relação aos pesadelos, pode-se dizer que há uma falha no processo de trabalho do sonho; um conteúdo inconsciente não teria sido suficientemente deformado a ponto de poder habitar a consciência.

Elaboração Onírica

Para se chegar à narrativa do sonho, é necessário o trabalho da elaboração onírica, por intermédio dos quatro mecanismos fundamentais do trabalho do sonho: condensação, deslocamento, figuração e elaboração secundária. Esta última representa um segundo momento da elaboração onírica, na tentativa de conferir inteligibilidade ao sonho.

  • Condensação: Os elementos que conseguimos lembrar dos sonhos são resumidos. Vários elementos vivenciados se combinam em uma só ideia. O conteúdo manifesto é sempre menor que o conteúdo latente. Assim, pode ocorrer o ocultamento de alguns acontecimentos do sonho latente, passando apenas alguns fragmentos para o sonho manifesto. Exemplo: sonhar com uma pessoa que se conhece, mas no sonho ela tem a imagem de outra pessoa. No sonho sonhado, ambos os elementos estavam presentes, mas, com a condensação, lembra-se da fusão entre os dois.
  • Deslocamento: O aspecto mais significativo do sonho ganha menos importância, enquanto os elementos secundários podem aparecer com riqueza de detalhes. A intensidade é deslocada para elementos que não carregam significados mais profundos. Uma lembrança sem intensidade, no sonho, pode carregar um significado importante em relação ao desejo inconsciente.
  • Figuração: Consiste na seleção e transformação dos pensamentos dos sonhos em imagens. A figuração, por si só, é um mecanismo responsável pela distorção resultante da elaboração onírica.
  • Elaboração Secundária: Ocorre a modificação do sonho, de forma que ele pareça uma história coerente e compreensível. Esse mecanismo faz com que o sonho perca parte de sua aparência de absurdidade.

Constituição Psíquica Infantil

Histórico

No início do desenvolvimento da psicanálise, a sexualidade era prerrogativa da vida adulta, articulada com a reprodução da espécie, de modo que o sexo era visto como algo relativo à procriação, e, portanto, as crianças não participavam desse enredo. Antes de Freud, as crianças eram consideradas seres ingênuos e angelicais, sem despertar interesse na sociedade.

Surgimento da Infância “Sexualizada”

Nesse contexto, Freud desenvolve conceitos importantes sobre o desenvolvimento psicossocial do sujeito. É crucial distinguir a sexualidade relacionada a fins procriativos da sexualidade referida por Freud, que possui outra dimensão, não se restringindo à dimensão “genitalizada” e procriativa.

Fantasia e Cuidados Primários da Criança

Freud explicava a neurose, especialmente a histeria, como consequências de um evento traumático relacionado a alguma situação de sedução que poderia ter ocorrido na infância, mas que só era significada como tal na adolescência ou posteriormente. Os efeitos “tóxicos” dessa situação de sedução no psiquismo se deviam ao fato de considerá-la indevida ou proibida, gerando incômodo significativo que levaria ao recalque da situação. A sedução pode ser entendida aqui como um jogo complexo de processos de identificação, idealização, amor e relações intersubjetivas.

Freud constatou que nem todo relato de uma cena de sedução sexual correspondia à realidade material dos fatos; muitos relatos eram cenas vivenciadas na fantasia. Nesse momento, a fantasia foi posta em cena como eixo central na organização do psiquismo. Os primeiros cuidados maternos são a fonte da instauração de uma rede de afetos e intensidade que organizam o psiquismo. A função materna envolve a criança em sua necessidade, o que Winnicott chamou de “concern”, ou seja, um estado de preocupação materna primária. É importante ressaltar que os cuidados maternos não são necessariamente realizados pela mãe biológica, mas por qualquer pessoa que realize a função de “maternagem” (bons cuidados e proteção, incluindo atendimento às necessidades fisiológicas e afeto).

Pulsão

Por pulsão, Freud a reconhece como o “representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-lo do ‘estímulo’, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora”. A pulsão é um dos conceitos que delimitam o anímico e o físico, instaurando-se na borda do aparelho psíquico (ou aparelho anímico, de alma) por sua relação com o corporal. É um conceito que se refere a uma medida de exigência de trabalho feita do corpo ao psíquico. Ao contrário do “instinto”, a pulsão não se caracteriza pela fixidez.

  • Pulsão: Remonta à ideia de uma variabilidade do objeto que visa a satisfação (obtenção de prazer).
  • Instinto: É um impulso natural para a obtenção de objetos que visam satisfazer as necessidades de sobrevivência da espécie.

Pulsão e os Cuidados Maternos Primários

Freud afirmava que a relação de uma criança com seu cuidador proporciona “uma fonte infindável de excitação sexual e de satisfação de suas zonas erógenas”. Para Freud, isso já é uma marca de sexualização, onde o corpo passa a ser erogeneizado a partir dessa relação.

Para a psicanálise, o corpo é compreendido além do modelo mecanicista predominante no pensamento científico da época. O corpo é erogeneizado, compreendendo a conexão entre aspectos físicos e psíquicos, pois se encontra marcado tanto pela pulsão quanto pela linguagem de forma inseparável. Os cuidados maternos primários erotizam a criança à medida que se imprime uma qualidade relacional que erotiza o corpo e, como tal, o psiquismo nasce junto com a dimensão corporal. Aqui, fala-se de um corpo que não é apenas um conjunto de órgãos com funções vitais e uma dimensão anatômica e fisiológica de determinada configuração. Fala-se, sobretudo, de um corpo pulsional, um corpo que é indissociável de sua dimensão de relação com o outro que o cuidou.

Características da Pulsão

De acordo com Freud, a sexualidade infantil é marcada pela variabilidade objetal, ou seja, pelas pulsões parciais. Estas pulsões estão ligadas a zonas erógenas específicas (partes do corpo onde a criança sente prazer) e apresentam caráter autoerótico.

Para Freud, a capacidade de obter prazer fora dos comportamentos sexuais socialmente determinados, marcados principalmente pelo aspecto genital, é chamada de perversão polimorfa. Para ele, o gozo da criança não se restringe ao aspecto genital (por isso “polimorfo”), e, ao mesmo tempo, ela não apresenta um objeto fixo para um determinado impulso (por isso “perverso”). Logo, é frequente que a criança sinta prazer de diversas formas e com diversos objetos. É importante ressaltar que o prazer da criança não necessariamente se enquadra na lógica do prazer característico da vida sexual adulta.

Elementos da Pulsão
  • Objetivo: A descarga, ou seja, a satisfação. Freud afirmava que há sempre algo de “perverso” na atividade sexual, contornando-se um objeto para a finalidade de obtenção da satisfação. Para Freud, a linha que separa o normal do patológico é mais tênue do que se supõe, e o conceito de perversão é uma categoria importante para entender isso, pois não é apenas uma condição ligada a uma perspectiva psicopatológica. O “traço perverso” é a afirmação de um desvio em relação a uma finalidade sexual genitalizada, mas existe uma série de práticas que visam apenas ao prazer.
  • Objeto: É o que é mais variável na pulsão.
  • Força: É o motor, a energia necessária para que a pulsão exerça seu circuito, sendo sempre constante.
  • Fonte: Está sempre referida ao corpo, sendo sempre endossomática, ou seja, advém do interior do corpo.
Destinos da Pulsão

(O texto não detalha os destinos da pulsão, apenas os menciona como um subtítulo.)

Elementos do Desenvolvimento Psicossexual

É importante ressaltar que a sexualidade infantil não é caracterizada pela genitalização, no entanto, ela comporta uma dimensão de sexualidade. A sexualidade infantil é principalmente caracterizada pelo caráter autoerótico, o que significa que a criança tem satisfação consigo própria, em partes do seu corpo.

Esse autoerotismo designa o estrato sexual mais primitivo da vida psicossexual, caracterizado pela ausência de um objeto sexual exterior. Por exemplo, a criança nessa fase extrai satisfação ao chupar seu dedo. Existe a satisfação de uma necessidade orgânica derivada da nutrição do aleitamento materno, e apoiada nessa inscrição da satisfação da necessidade, a pulsão sexual se inscreve como registro de prazer. Aqui, temos o início da organização das fases do desenvolvimento psicossexual, relativo à fase oral. Há uma sexualidade no ato de mamar o seio, no qual se inscreve um registro de prazer e o início da atividade sexual da criança caracterizado pela oralidade nesse momento. É essa dissociação da pulsão sexual em relação ao instinto que vai constituir a diferença do sexual entendido como instinto e do sexual como pulsional.

O corpo humano é caracterizado pela pulsão, uma vez que é “imantado” pela inscrição do prazer. Assim, podem-se citar as zonas erógenas, que são fontes de investimento do prazer de maneira mais intensa e facilitada.

Complexo de Édipo e de Castração

A trama pela qual todos passariam em seu processo de desenvolvimento é concebida por Freud por meio da alegoria da Tragédia Grega do Édipo Rei, na qual sentimentos ambivalentes em relação às figuras parentais orquestrariam nossa concepção subjetiva. Freud constata que a paixão pela mãe e o ciúme do pai é um evento universal do início da infância, constituindo o eixo axial da trama edipiana.

A experiência edipiana é perpassada pela descoberta da diferença anatômica entre os sexos e suas consequências no psiquismo infantil. Dentro da lógica infantil, não são os dois genitais que são levados em consideração, mas apenas o órgão masculino. Freud se refere ao órgão genital masculino pelo termo “falo“. Ao escolher um termo diferente, ele sublinha o caráter simbólico dessa operação. A questão não é exatamente sobre o órgão genital, mas o que ele representa, com sua presença ou sua ausência. As crianças percebem a diferença sexual como ausência do falo (meninas) e presença do falo (meninos). Para a criança na fase fálica, o que é presente, maior e explícito, representa mais prazer. O falo funciona como um símbolo do narcisismo, e a fantasia de castração significa uma ameaça à onipotência infantil. O falo, em sua presença, confere importância e valor; em sua ausência, leva ao sentimento de inferioridade.

Édipo na Teoria Psicanalítica

A partir da referência à tragédia grega do apaixonamento pela mãe de Édipo e da rivalidade paterna, Freud formula a trama edipiana no menino. Ele afirma que a conduta do menino se origina por motivos egoístas, e explica que esse caráter egoísta é a fonte da ligação com a mãe, na medida em que ela satisfaz todas as necessidades da criança. Freud fornece exemplos como a insistência em dormir ao lado da mãe, solicitar sua presença à noite, permanecer junto a ela enquanto se veste ou fazer tentativas reais de seduzi-la. Ele ressalta que a mãe dedica a mesma atenção à sua filha, sem produzir um resultado igual. Por outro lado, o pai frequentemente compete com a mãe em proporcionar cuidados ao menino, mas não lhe é atribuída a mesma importância que ela.

Acompanhando a evolução da trama edipiana, verifica-se que o apaixonamento surge da simbiose mãe-bebê. Essa simbiose será ameaçada quando outros elementos importantes se impõem na cena: a distinção anatômica entre os sexos, à medida que há a identificação da existência de seres com pênis e seres sem. Essa constatação surge simbolicamente referida à fantasia de que em algum momento todos os seres tinham o pênis, mas que alguns o perderam (as mulheres).

Freud articula o Complexo de Édipo como o fenômeno central do período sexual da primeira infância. Ele afirma que, após esse período, efetua-se sua dissolução, sendo seguido pelo período de latência. Nesse ponto, ele amarra o Complexo de Édipo ao Complexo de Castração. O Complexo de Édipo se desfaz pela ameaça de castração, dado que uma fantasia poderosa de que há seres castrados (as meninas) e o medo de que ele próprio também seja castrado leva o menino a abandonar o apaixonamento pela mãe, identificando-se com a lei simbólica, atribuída ao pai. Em resumo, o menino se alia ao pai como forma de lidar com o medo de ser castrado por ele.

Na menina, Freud preconiza o inverso em relação ao menino: há um apaixonamento da menina pelo pai e rivalidade em relação à mãe. A menina se vê como um ser castrado, e tentativas de compensação seriam orquestradas. Pode-se dizer que, simbolicamente, ela desloca do pênis para um bebê. Seu complexo de Édipo culmina em um desejo fantasioso de ter um filho do pai, em uma atitude restauradora de seu narcisismo por meio do bebê. Os dois desejos, de possuir um pênis e possuir um filho, permanecem fortemente investidos no inconsciente e ajudam a preparar a menina para seu posterior papel de mulher.

O que está em jogo na teoria do Complexo de Édipo é a introjeção da lei que organiza a cultura. Ao renunciar ao forte impulso edipiano, a criança aceita que não pode ter tudo o que quer e nem ser tudo para alguém, nem mesmo para a mãe. No Complexo de Édipo, o menino quer ser objeto exclusivo do amor materno; ele deseja a atenção, os cuidados e o reconhecimento da mãe só para ele. Ao aceitar que isso não é possível, ele aceita que a mãe tem outros interesses além dele e renuncia a uma parcela de seu narcisismo. Trata-se da introjeção da lei paterna, a lei que organiza a capacidade de renunciar a outros desejos em nome da inserção na sociedade.

É importante ressaltar que o desfecho do Complexo de Édipo não acarreta necessariamente uma orientação heterossexual.


Referências Bibliográficas